Você já sentiu a frustração de ter uma tese vencedora, amparada por decisão do STF, e ver um juiz de primeira instância ou um tribunal local simplesmente ignorá-la? O caminho tradicional sugere uma maratona de recursos: apelação, embargos, recurso especial, agravo em recurso especial… anos de espera para reafirmar o óbvio.
Mas existe uma via expressa. Um mecanismo que permite “furar a fila” (de forma lícita e técnica) e levar a discussão diretamente ao tribunal que emitiu a ordem desrespeitada. Estou falando da Reclamação Constitucional., ao escolher um Curso Advocacia Estratégica nos Tribunais de 2º Grau e Superiores
Muitos colegas ainda a tratam como um bicho de sete cabeças ou uma medida excepcionalíssima. No entanto, com o CPC de 2015, ela se tornou uma ferramenta de trabalho essencial para quem atua com estratégia. Hoje, vamos dissecar esse instituto não com o “juridiquês” acadêmico estéril, mas com a visão de quem precisa resolver o problema do cliente agora.
1. O Que é a Reclamação Constitucional e Sua Natureza de Atalho
Para dominar a Reclamação, você precisa primeiro mudar sua mentalidade sobre a natureza dela. Esqueça a ideia de recurso.
A natureza de ação autônoma (não é recurso)
A Reclamação Constitucional não é um recurso.[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10][11][12] Ela é uma ação autônoma de impugnação. Isso muda tudo. Diferente de um recurso, que nasce dentro de um processo existente para reformar uma decisão, a Reclamação nasce fora, como um processo novo, com vida própria.
Pense nela como um telefone vermelho direto com a Corte Superior. Enquanto o recurso precisa subir degrau por degrau (e muitas vezes é barrado na portaria pelos juízos de admissibilidade), a Reclamação é protocolada diretamente no tribunal competente (STF, STJ ou até Tribunais de Justiça, dependendo do caso). Isso elimina meses, às vezes anos, de trâmite burocrático em cartórios de origem.
Você, como advogado, passa a ser autor de uma nova ação, e não apenas recorrente. Isso lhe dá o poder de pedir tutela de urgência (liminar) diretamente ao Ministro ou Desembargador Relator que tem a competência para julgar a matéria. É o “atalho” processual mais potente do nosso ordenamento quando bem manejado.
A base constitucional e a dignidade da Corte
O fundamento desse instituto está na própria dignidade dos tribunais. A Constituição Federal, nos artigos 102, I, “l” (para o STF) e 105, I, “f” (para o STJ), desenhou a Reclamação para proteger a hierarquia judiciária.[4]
Não se trata apenas de corrigir um erro do juiz “a quo”. Trata-se de dizer ao Tribunal Superior: “Excelência, sua ordem está sendo desobedecida”. Os Ministros tendem a olhar essas petições com um carinho especial — ou com um rigor especial — porque o que está em jogo é a autoridade deles.
Quando você maneja uma Reclamação, você não está pedindo um favor. Você está atuando como um fiscal da autoridade da Corte. Isso exige uma postura firme na escrita. Você deve demonstrar que o desrespeito à decisão superior fere a própria estrutura do Judiciário. É um argumento institucional, não apenas de interesse da parte.
Por que é um “atalho estratégico”?
Imagine que seu cliente está sofrendo uma execução provisória baseada em uma decisão que contraria frontalmente uma Súmula Vinculante. Se você for pelo caminho do Agravo de Instrumento, cairá numa Câmara do Tribunal local que pode demorar meses para julgar e, pior, pode manter a decisão errada por “livre convencimento”.
Ao optar pela Reclamação Constitucional, você retira a discussão desse ambiente “contaminado” e a leva para a fonte da regra. A concessão de uma medida liminar em Reclamação tem o poder de suspender imediatamente o processo na origem ou o ato impugnado.
O “atalho” aqui é a supressão de instância autorizada. Você não precisa esperar o Tribunal local errar para depois recorrer. Se o juiz de piso errou ao aplicar um precedente vinculante, você já pode acionar o “telefone vermelho”. Isso economiza tempo e dinheiro do cliente, além de aumentar sua autoridade como advogado que conhece os caminhos das pedras.
2. As Quatro Portas de Entrada: Hipóteses de Cabimento (Art. 988 CPC)[4][5][6][7][8][10][12]
O Código de Processo Civil de 2015 organizou a casa e definiu claramente quando você pode usar esse instrumento.[1] Não tente inventar moda fora dessas hipóteses, ou sua petição será indeferida liminarmente.
Preservação de competência
A primeira porta se abre quando um juiz ou tribunal “usurpa” a competência de outro. O exemplo clássico ocorre quando um juiz de primeira instância decide sobre uma matéria que a Constituição diz ser competência originária do STF, como conflitos entre a União e Estados estrangeiros ou organismos internacionais.
Outro cenário comum: um Tribunal de Justiça julga uma ação que deveria ser julgada pelo STJ ou STF.[4] Se você perceber que o juiz está colocando a mão onde não deve, não perca tempo arguindo incompetência em preliminar de contestação apenas. Avalie a Reclamação.
Você deve demonstrar, documentalmente, que aquele ato decisório invadiu a esfera de atribuição da Corte Superior. É um erro de “quem decide”, e não necessariamente de “o que foi decidido”. A estratégia aqui é mostrar que o juiz é incompetente para tocar aquele processo, anulando os atos praticados.
Garantia da autoridade das decisões
Aqui reside a maior parte das Reclamações de sucesso. Essa hipótese serve para quando já existe uma decisão do Tribunal Superior naquele caso concreto (processo subjetivo) e ela é descumprida.
Imagine que você conseguiu um Habeas Corpus no STJ para trancar uma ação penal. O STJ emite a ordem.[4] O juiz de primeira instância, contudo, dá um “jeitinho” interpretativo e mantém o réu monitorado ou impõe medidas cautelares que violam o espírito da decisão do STJ.
Nesse caso, você reclama para garantir a autoridade do que já foi decidido.[2][4][5][7][8][9][10][11][12] É crucial que a decisão desrespeitada tenha sido proferida no mesmo processo ou em processo onde seu cliente era parte. Você não pode usar essa hipótese alegando que o STF decidiu algo parecido no processo do vizinho. Para isso, usamos a próxima hipótese (precedentes vinculantes). Aqui, a afronta é direta, pessoal e concreta.
Súmulas Vinculantes e Precedentes Obrigatórios
Esta é a grande revolução do CPC/2015. Agora, cabe Reclamação para garantir a observância de Súmula Vinculante e de decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade (ADIs, ADPFs).[1][7]
Se existe uma Súmula Vinculante dizendo que é inconstitucional a cobrança de taxa de iluminação pública de certa forma, e o juiz da sua comarca continua permitindo a cobrança, cabe Reclamação. Você não precisa recorrer até o STF.
Além disso, o CPC expandiu isso para os Acórdãos em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e Assunção de Competência (IAC).[7] Se o Tribunal local fixou uma tese em IRDR e o juiz da vara cível a ignora, cabe Reclamação para o próprio Tribunal local.
Atenção ao detalhe estratégico: Para usar essa hipótese em casos de Repercussão Geral (Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida), a jurisprudência defensiva do STF exige que você tenha esgotado as instâncias ordinárias primeiro. É uma exceção à regra do atalho que você precisa ter no radar para não dar com a cara na porta.
3. O Procedimento Passo a Passo: Do Protocolo à Decisão
A prática processual da Reclamação é mais simples do que parece, mas exige precisão cirúrgica na instrução da petição inicial.[3]
Petição Inicial e Pedido Liminar
Sua petição deve ser direta.[3][9] Nada de contar a história do Brasil desde 1500. Vá direto ao ponto: qual foi o ato (decisão ou ato administrativo), qual decisão superior ele violou e qual o prejuízo imediato (periculum in mora).
A instrução probatória na Reclamação é pré-constituída. Não existe audiência para ouvir testemunhas. Ou você prova a afronta com documentos anexados à inicial, ou perde a ação.[3] Você deve juntar cópia da decisão reclamada e cópia da decisão paradigma (ou indicar a Súmula Vinculante).
O pedido liminar é o coração da estratégia. Peça a suspensão do ato impugnado ou do processo na origem para evitar dano irreparável. Use uma linguagem de urgência, demonstrando que esperar o julgamento final tornará a decisão inócua. Lembre-se: o Relator tem poder monocrático para suspender tudo com uma canetada.
Informações da autoridade e Parecer do MP
Após passar pelo crivo inicial do Relator (que pode deferir ou não a liminar), o procedimento segue para a solicitação de informações. O Relator enviará um ofício à autoridade reclamada (o juiz ou desembargador que “errou”) pedindo explicações.
É um momento interessante. Muitas vezes, ao receber o ofício do Ministro pedindo “informações”, o juiz de piso percebe o erro e se retrata espontaneamente para evitar um “puxão de orelha” formal. Se isso acontecer, a Reclamação perde o objeto, mas seu cliente ganha o resultado.
Paralelamente, o beneficiário da decisão impugnada (a parte contrária no processo de origem) deve ser citado para contestar.[4] Sim, há contraditório. E, por fim, o Ministério Público (PGR, se for no STF/STJ) emite um parecer. Monitore esses prazos de perto, pois o parecer do MP costuma ter peso significativo no julgamento de mérito.
Julgamento e Efeitos (Cassação ou Avocação)
Ao final, a Reclamação será julgada pelo órgão colegiado (Turma ou Plenário) ou monocraticamente pelo Relator (se já houver jurisprudência consolidada). O julgamento procedente pode ter dois efeitos principais:
- Cassação: O Tribunal anula a decisão reclamada e manda o juiz de origem proferir outra, seguindo as diretrizes corretas.
- Avocação: O Tribunal “traz para si” o processo e decide ele mesmo a questão, substituindo a decisão de origem.
Para nós, advogados, a avocação é o cenário dos sonhos, pois resolve o mérito definitivamente na instância superior. No entanto, a cassação é mais comum. Mesmo assim, o juiz de origem fica vinculado ao que foi decidido na Reclamação. Se ele descumprir de novo? Cabe nova Reclamação (e aí a situação dele fica complicada disciplinarmente).
4. Armadilhas e Vedações: O Que Não Fazer na Reclamação
Nem tudo são flores. O uso indiscriminado da Reclamação gerou uma “jurisprudência defensiva” nos tribunais superiores para barrar o excesso de demandas. Você precisa conhecer as minas terrestres para não pisar nelas.
A barreira da Coisa Julgada (Súmula 734 STF)
Esta é a regra de ouro: Não cabe Reclamação contra decisão transitada em julgado. Se você perdeu o prazo do recurso na origem e a decisão transitou, não tente usar a Reclamação para “ressuscitar” o processo. O STF é taxativo na Súmula 734.[4]
O trânsito em julgado “blinda” a decisão contra a Reclamação. Portanto, o timing é crucial. Você deve ajuizar a Reclamação enquanto o processo ainda está “vivo”, ou seja, enquanto ainda cabe algum recurso ou o prazo não expirou. Se o trânsito em julgado acontecer depois de você protocolar a Reclamação, tudo bem, a ação continua. O problema é se ele ocorrer antes.
O uso como sucedâneo recursal
Os tribunais odeiam quando o advogado usa a Reclamação apenas como um “recurso disfarçado” porque perdeu o prazo do recurso correto ou porque não quer pagar o preparo. Isso é chamado pejorativamente de uso da Reclamação como “sucedâneo recursal”.
Para evitar essa pecha, sua petição não pode ter cara de apelação.[4] Não discuta fatos, provas ou justiça da decisão. Discuta apenas a aderência (ou falta dela) à competência ou à autoridade da Corte Superior. Se você começar a argumentar que “a testemunha mentiu” ou que “o contrato não foi cumprido”, sua Reclamação será indeferida por inadequação da via eleita. O foco é estritamente jurídico-constitucional.
Esgotamento de Instância (Repercussão Geral)
Como mencionei brevemente, há uma exceção importante sobre o “atalho”. Se a sua Reclamação se baseia em desrespeito a uma tese firmada em Repercussão Geral pelo STF, o CPC (art.[2][5] 988, §5º, II) exige que você tenha esgotado as instâncias ordinárias.
Isso significa que você não pode pular do juiz de piso direto para o STF nesse caso específico. Você tem que recorrer ao Tribunal local, esperar o julgamento, tentar o Recurso Extraordinário, ter o seguimento negado na origem, agravar… só quando não houver mais para onde correr na origem é que a Reclamação será aceita no STF para teses de Repercussão Geral. Isso é uma armadilha que pega muitos advogados desavisados que confundem Súmula Vinculante (que permite acesso direto) com Repercussão Geral (que exige esgotamento).
5. Estratégias Práticas para o Advogado Moderno
Saber a lei é obrigação; saber a estratégia é o que traz o cliente.[3] Vamos ver como usar a Reclamação para ganhar o jogo.
O uso da Reclamação para “pular” o tempo do trânsito em julgado
Imagine um cenário de urgência empresarial ou de saúde. A via recursal tem um efeito colateral terrível: o tempo morto. Entre a interposição do recurso e a remessa dos autos, meses se perdem.
A estratégia aqui é o ajuizamento concomitante. Você interpõe o recurso cabível na origem (para evitar o trânsito em julgado e a preclusão) e, no dia seguinte, protocola a Reclamação Constitucional no Tribunal Superior.
Na Reclamação, você informa que recorreu na origem apenas por cautela, mas pede a liminar para suspender tudo imediatamente. Se a liminar for concedida na Reclamação, o recurso na origem perde a urgência e você resolve o problema do cliente em dias, não anos. É um movimento de pinça: segura por baixo com o recurso e ataca por cima com a Reclamação.
Reclamação no STF vs. STJ vs. Tribunais Locais
Muitos esquecem que a Reclamação não é exclusividade de Brasília. Os Tribunais de Justiça (TJs) e Tribunais Regionais Federais (TRFs) também julgam Reclamações para preservar sua própria competência e a autoridade de suas próprias decisões (como em IRDRs).
Se você tem um precedente obrigatório fixado pelo TJ do seu estado em um IRDR, e o juiz da comarca o desrespeita, a Reclamação é dirigida ao próprio TJ. É muito mais rápido e barato do que tentar subir para Brasília. Mapeie os precedentes vinculantes do seu tribunal local. Usar uma Reclamação “doméstica” costuma ser extremamente eficaz porque os Desembargadores locais valorizam muito a própria autoridade interna.
A Reclamação como ferramenta de distinguishing
Às vezes, o problema não é que o juiz ignorou um precedente, mas que ele aplicou um precedente errado ao seu caso. Ele pegou uma Súmula Vinculante e aplicou “a trator” numa situação que não tem nada a ver.
A Reclamação é a ferramenta perfeita para realizar o distinguishing (distinção). Você vai ao Tribunal Superior e diz: “Excelência, o juiz aplicou a Súmula X, mas o meu caso tem particularidades fáticas Y e Z que a tornam inaplicável”.
Isso é muito comum em questões tributárias e previdenciárias. Demonstrar a distinção exige uma análise fática refinada, mas sem reexaminar provas. Você deve mostrar que a moldura fática descrita na decisão recorrida não se encaixa na moldura fática do precedente. Se conseguir isso, você afasta a aplicação automática de teses desfavoráveis.
Comparativo: Reclamação x Mandado de Segurança x Recurso Extraordinário[5][7][10]
Para visualizar melhor onde a Reclamação se encaixa no seu arsenal, preparei este quadro comparativo. Veja como ela se destaca em situações específicas.
| Característica | Reclamação Constitucional | Mandado de Segurança | Recurso Extraordinário |
| Objetivo Principal | Preservar competência e autoridade de decisões/súmulas do Tribunal.[4][5][6][7][9][10][12] | Proteger direito líquido e certo contra ilegalidade ou abuso de poder.[4] | Discutir matéria constitucional após esgotamento de instâncias.[4] |
| Prazo | Não há prazo em dias (desde que antes do trânsito em julgado). | 120 dias da ciência do ato. | 15 dias após a decisão recorrida. |
| Necessidade de Provas | Prova pré-constituída documental (decisão impugnada + paradigma). | Prova pré-constituída documental robusta do direito líquido e certo. | Não admite reexame de provas (Súmula 279 STF).[3] Discussão de teses. |
| Esgotamento de Instância | Regra: Não exige (atalho).<br>Exceção: Exige em casos de Repercussão Geral. | Não exige (se não houver recurso com efeito suspensivo), mas é subsidiário. | Obrigatório. Exige pré-questionamento e percorrer todo o caminho recursal. |
| Custo/Preparo | Geralmente exige custas judiciais (salvo AJG), mas costuma ser mais acessível. | Custas iniciais. Sem condenação em honorários sucumbenciais (Súmula 512 STF). | Custas de preparo recursal (geralmente altas) + risco de honorários recursais. |
| Efeito Imediato | Possibilidade alta de liminar para suspender o ato ou processo. | Liminar possível, mas requisitos são rigorosos. | Em regra, apenas efeito devolutivo (sem suspender a decisão). |
A Reclamação Constitucional é, portanto, a arma do advogado que não aceita o “não” como resposta quando a lei está do seu lado. Ela exige coragem para enfrentar a autoridade local e técnica para dialogar com a autoridade superior.
Use-a com parcimônia, use-a com técnica, mas, por favor, use-a. Seu cliente não pode pagar o preço da morosidade judiciária quando a solução já foi dada pela instância máxima.[4] Boa sorte na sua próxima petição!
