É Possível Ter União Estável Morando em Casas Separadas? Entenda Seus Direitos
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É Possível Ter União Estável Morando em Casas Separadas? Entenda Seus Direitos

Você já se pegou pensando se o seu relacionamento atual, onde cada um mantém seu próprio espaço e sua própria chave de casa, poderia ser considerado um casamento aos olhos da lei? Essa é uma dúvida cada vez mais comum no meu escritório. A dinâmica dos relacionamentos mudou drasticamente nas últimas décadas. Hoje, vejo muitos casais que se amam, compartilham a vida, mas prezam pela individualidade geográfica.

A grande questão que trago para você hoje é: viver sob o mesmo teto é realmente um requisito obrigatório para a união estável? Se você acredita que precisa juntar as escovas de dente no mesmo banheiro para ter direitos (ou deveres) jurídicos, preciso te dizer que você pode estar enganado.

Vamos conversar francamente, de advogado para cliente, sobre como a justiça brasileira enxerga esses relacionamentos modernos e o que você precisa fazer para se proteger ou para garantir seus direitos.

O Mito da Coabitação Obrigatória[1]

Muitas pessoas chegam até mim com a certeza absoluta de que, por não morarem juntas, estão isentas de qualquer vínculo jurídico mais sério. Elas acreditam que a “união estável” é sinônimo de “morar junto”. No entanto, o Direito de Família não é uma ciência exata e estática; ele acompanha a evolução da sociedade.

O que diz a Lei (Código Civil)[1][2][3]

Se você abrir o Código Civil Brasileiro, especificamente no artigo 1.723, verá que a lei define a união estável como uma convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.[1][3][4] Perceba um detalhe crucial: em nenhum momento o texto legal diz “morando na mesma casa”.

O legislador foi sábio ao não impor a coabitação como requisito. A lei foca na intenção e na natureza do relacionamento, não no endereço postal dos companheiros. Portanto, juridicamente falando, o fato de você manter seu apartamento e seu parceiro ou parceira manter o dele não impede, por si só, que o juiz reconheça que vocês são uma família.

Isso significa que você deve ficar atento. Se o relacionamento preenche os outros requisitos legais, o endereço diferente é apenas um detalhe logístico, não um escudo jurídico.

O Entendimento dos Tribunais (Súmula 382 do STF)

Para reforçar o que estou dizendo, não precisamos apenas da minha opinião, mas do entendimento consolidado da mais alta corte do país. O Supremo Tribunal Federal (STF) editou há tempos a Súmula 382. Ela diz, com todas as letras, que a vida em comum sob o mesmo teto não é indispensável à caracterização do concubinato (termo antigo para o que hoje chamamos de união estável).

Esse entendimento é aplicado diariamente pelos juízes em todo o Brasil. Já vi casos em que o casal vivia em cidades diferentes por motivos de trabalho, mas passava todos os finais de semana e feriados juntos, dividia contas e se apresentava socialmente como marido e mulher. O resultado? União estável reconhecida.[1][2][4][5][6][7][8][9][10][11][12][13]

O tribunal entende que a coabitação é um indício forte, sim, mas sua ausência não desqualifica o afeto e o projeto de vida em comum. Se a “alma” da relação é de família, o corpo físico da casa separada não anula isso.[8]

Por que Casais Escolhem Viver Separados?

Você deve conhecer o termo “Living Apart Together” (vivendo separados, mas juntos). Essa tendência mundial reflete o desejo de manter a autonomia. Talvez você tenha filhos de um casamento anterior e não queira mudar a rotina deles. Ou talvez você e seu companheiro tenham hábitos de sono incompatíveis, ou trabalhem em locais distantes.

No meu dia a dia, atendo clientes idosos que encontram um novo amor, mas não querem abrir mão da casa onde viveram a vida toda. Atendo também jovens profissionais que priorizam a carreira e a independência espacial. O Direito não pode punir ou ignorar essas escolhas legítimas.

O importante é você saber que essa escolha de estilo de vida não retira de você a proteção do Estado, mas também não o isenta das responsabilidades patrimoniais caso a relação termine.

Os Verdadeiros Pilares da União Estável

Agora que derrubamos o mito do teto único, você deve estar se perguntando: “Então, doutor, o que define se estou ou não em uma união estável?”. A resposta reside em três pilares fundamentais que sustentam esse instituto jurídico. Sem eles, não há família, apenas namoro.

Convivência Pública e Contínua[1][2][3][4][7][10][12]

O primeiro pilar é a visibilidade. O relacionamento de vocês é de conhecimento geral? Vocês frequentam festas de família, eventos de trabalho e locais públicos como um casal? A clandestinidade não combina com união estável.[5][7] A sociedade precisa enxergar vocês como um par consolidado.

Além de pública, a relação precisa ser contínua.[1][2][13] Aqueles relacionamentos “ioiô”, onde se termina e volta a cada semana, dificilmente configuram união estável, pois falta a estabilidade necessária para se planejar uma vida. A continuidade demonstra o compromisso sério.

Mas cuidado: “público e contínuo” também pode descrever um namoro longo.[2][3][4][10][12] Por isso, esses requisitos sozinhos não bastam. Eles são a base, mas o que define o jogo é o próximo item.

O Elemento Subjetivo: Animus Familiae[1][14]

Aqui entramos no “pulo do gato” jurídico. O termo em latim animus familiae significa “intenção de constituir família”. É isso que separa o joio do trigo. Você e seu parceiro se tratam como marido e mulher? Existe um apoio mútuo, não apenas emocional, mas prático e moral, típico de uma família?

Na união estável, o objetivo de constituir família é presente.[10][13] Vocês já são uma família hoje. Não é um plano para o futuro, como “um dia vamos casar”. Na união estável, vocês já vivem como se casados fossem, mesmo que em casas separadas.[8]

Essa intenção se manifesta em atos concretos: dependência no plano de saúde, conta conjunta, compra de bens em parceria ou simplesmente o tratamento social de “meu marido” ou “minha esposa”. Se você age como família, o Direito entende que você é família.

A Estabilidade do Vínculo[1][2][4][5][6][7][8][9][11][12][13][15]

A estabilidade não tem um prazo fixo em lei.[4][8][12] Antigamente falava-se em cinco anos, mas hoje esse prazo não existe mais. Uma relação de meses pode ser união estável, e uma de dez anos pode ser namoro.[5] O que importa é a solidez.

A estabilidade significa que o vínculo criou raízes.[15] Não é uma aventura passageira. Mesmo morando em casas separadas, existe uma rotina compartilhada? Vocês sabem o que acontece na vida do outro diariamente? Existe uma comunhão de vidas?

Se a resposta for sim, a distância física entre as residências torna-se irrelevante. A conexão emocional e a parceria de vida (a comunhão de vida) são os verdadeiros cimentos dessa construção jurídica.

A Linha Tênue: Namoro Qualificado vs. União Estável[1][2][4][5][7][9][10][11][12][13][14]

Este é o ponto onde a maioria dos meus clientes se confunde e onde os maiores problemas patrimoniais acontecem. Você precisa entender a diferença entre um “Namoro Qualificado” e a “União Estável”. A linha é fina, mas o tombo financeiro pode ser grande.

Entendendo o Namoro Qualificado[1][3][5][7][8][9][10][12][13][14][15]

O termo “namoro qualificado” foi criado pela doutrina e acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para descrever aquelas relações modernas, longas, públicas e contínuas, mas que não são família.

Imagine um casal que namora há cinco anos. Eles dormem na casa um do outro frequentemente, viajam juntos, conhecem as famílias, mas cada um tem sua vida financeira totalmente separada e não há aquela mistura de patrimônio ou o tratamento de “cônjuge”. Isso é um namoro qualificado.[7][10][12]

No namoro qualificado, a relação é profunda, mas o objetivo de constituir família é um projeto futuro.[10] Eles planejam casar ou morar junto um dia. Hoje, eles são apenas companheiros de jornada, sem o vínculo jurídico que gera partilha de bens.

A Diferença Crucial: Hoje vs. Amanhã[10][12]

Vou simplificar para você com uma analogia. No namoro (mesmo o qualificado), vocês estão olhando para a família como um destino onde querem chegar. Na união estável, vocês já chegaram lá e já estão vivendo essa realidade, mesmo que em casas distintas.[8]

A diferença é o tempo verbal do objetivo: “queremos ser uma família” (namoro) versus “já somos uma família” (união estável).[1][10][12]

Morar em casas separadas muitas vezes é o argumento usado para defender que é apenas um namoro qualificado.[15] “Veja, Excelência, não somos casados, tanto que cada um tem sua casa!”. Mas se as provas mostrarem que, apesar das casas, a vida era entrelaçada como a de casados, esse argumento cai por terra.

Riscos Jurídicos da Confusão[7][9]

Por que isso importa para o seu bolso? Simples: no namoro qualificado, se vocês terminarem, cada um sai com o que é seu. Não há partilha de bens, não há pensão alimentícia (em regra), não há direitos sucessórios.

Já na união estável, aplica-se, via de regra, o regime da comunhão parcial de bens.[1][13] Isso significa que tudo o que você comprou onerosamente durante a relação (mesmo que esteja só no seu nome e morando na sua casa) pertence 50% ao outro.

Imagine você comprar um apartamento sozinho, com seu esforço, achando que é solteiro. Se o juiz reconhecer união estável, seu “namorado(a)” pode ter direito à metade desse imóvel.[7] É um risco real que você não pode ignorar.

Como Provar a Existência (ou Inexistência) da União[1]

Como advogado experiente, digo sempre: o Direito não socorre aos que dormem. Se você quer comprovar que vive uma união estável (para garantir herança, por exemplo) ou quer provar que não vive (para proteger seus bens), você precisa de provas.[15] Em casos de casas separadas, a prova é ainda mais vital.

A Prova Documental[5][11][15]

Papel canta. Em um processo, documentos têm um peso enorme. Se vocês moram em casas separadas, o que liga vocês documentalmente?

  • Dependência Econômica: Declaração de Imposto de Renda colocando o outro como dependente é quase uma confissão de união estável.[3][8]
  • Seguros e Planos: Apólices de seguro de vida ou planos de saúde empresarial onde o parceiro figura como beneficiário/dependente.
  • Contas Bancárias: Uma conta conjunta, mesmo que pouco movimentada, indica confusão patrimonial.

Se você quer evitar a união estável, evite criar esses documentos. Mantenha as finanças segregadas. Se quer provar a união, trate de formalizar esses vínculos.[2][3][10][15]

A Prova Testemunhal e Social[3]

Na ausência de papéis, as testemunhas salvam ou condenam. O que os porteiros dos seus prédios diriam? Que seu parceiro é visita ou morador? O que seus amigos dizem? Que vocês são namorados ou casados?

Redes sociais também são um campo minado. Postagens frequentes com legendas como “meu marido”, “minha família”, “construindo nossa vida” são usadas em tribunal. O juiz vai analisar como vocês se projetam para o mundo.

Em casos de casas separadas, a prova testemunhal precisa demonstrar que a frequência e a intensidade da convivência suprem a ausência do teto comum.

A Importância do Contrato de Namoro[2][3][5][7][10]

Aqui vai meu conselho de ouro, aquele que vale a consulta: faça um contrato. Se você quer viver em casas separadas e ter certeza de que isso não será confundido com união estável, faça um Contrato de Namoro por escritura pública.[2]

Nesse documento, vocês declaram expressamente que, apesar do afeto e do tempo juntos, não há intenção de constituir família no presente e que não há comunhão patrimonial.

Por outro lado, se vocês querem a proteção da união estável mantendo as casas, façam uma Escritura Pública de União Estável.[2] Nela, vocês podem inclusive deixar claro que a residência separada é uma opção do casal e fixar o regime de bens. Isso traz segurança jurídica e paz de espírito.

Impactos Patrimoniais e Sucessórios[1][3][5][7][10][13][15]

Vamos falar de dinheiro e herança, pois é onde as brigas de família geralmente começam. Morar em casas separadas altera os efeitos patrimoniais da união estável? A resposta curta é: não deveria, mas complica a prova.

Regime de Bens Aplicável[5]

Se a união estável for reconhecida, e não houver contrato dizendo o contrário, vigora o regime da Comunhão Parcial de Bens.[1][5] Tudo que foi adquirido onerosamente durante a união é dos dois.

O fato de morarem em casas separadas não muda isso.[8] Se você comprou um carro novo e guardou na sua garagem, ele é meio a meio. A única exceção é se vocês tiverem um contrato escrito definindo o regime da Separação Total de Bens.

A separação física das residências, ironicamente, ajuda a manter a individualidade dos bens móveis (móveis, eletrodomésticos), mas para bens imóveis e investimentos, a regra da comunhão impera se houver união estável.

Direitos na Herança[1][2][5][6][9][10][12][13][15]

E se um dos companheiros falecer? O STF já equiparou a união estável ao casamento para fins sucessórios. O companheiro sobrevivente tem direito à herança, concorrendo com os filhos ou ascendentes do falecido.

Aqui, o fato de morar em casas separadas pode gerar uma batalha judicial com os herdeiros (filhos do primeiro casamento, por exemplo). Eles podem alegar que era apenas um namoro para não dividir a herança.[10]

Você, como companheiro(a) sobrevivente, terá o ônus de provar que aquela relação, apesar da distância física, era uma família. Ter a escritura pública que mencionei antes facilita imensamente esse processo e garante que você não fique desamparado.

Pensão por Morte em Casas Separadas[4][15]

Para obter pensão por morte no INSS, a coabitação também não é exigida, mas a prova de dependência econômica ou de união estável é rigorosa.

Se vocês moravam em casas separadas, o INSS quase sempre nega o benefício administrativamente, exigindo prova de mesmo domicílio. Você provavelmente terá que recorrer à Justiça Federal.

Na justiça, com as provas de animus familiae (fotos, testemunhas, despesas compartilhadas), é perfeitamente possível reverter a negativa e conseguir a pensão vitalícia, provando que a união era sólida independente do teto.

Quadro Comparativo: Entenda Onde Você Se Encaixa

Para que não restem dúvidas, preparei este quadro comparativo simples. Visualize sua relação aqui e veja onde ela se enquadra.

CaracterísticaNamoro SimplesNamoro QualificadoUnião Estável (Casas Separadas)
Moram juntos?NãoGeralmente não (às vezes dormem juntos)Não (por opção ou necessidade)
Intenção de FamíliaNenhuma ou muito vagaFutura (“queremos casar um dia”)Presente (“já somos uma família”)
Divisão de BensNão existeNão existeSim (Regime de Comunhão Parcial, em regra)
Direito a HerançaNãoNãoSim (Equiparado ao casamento)
Pensão por MorteNãoNãoSim (Mediante prova judicial)
Dependência em IRNão permitidaNão permitidaPermitida legalmente

Espero que essa conversa tenha clareado sua mente. O universo do Direito de Família é fascinante porque lida com a complexidade humana. Não existe uma fórmula única para amar ou para viver junto.[4][7] O que existe são consequências jurídicas para as escolhas que fazemos.[1][7][10]

Morar em casas separadas é uma opção moderna, válida e cada vez mais comum. Se é o seu caso, não deixe a informalidade gerar riscos. Seja para garantir que é uma união estável, seja para garantir que não é, a formalização através de um advogado de confiança é o melhor investimento para o seu futuro e para a sua paz. Proteja seu patrimônio e suas relações com a seriedade que eles merecem.

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