O pai é obrigado a fazer o exame de DNA?
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O pai é obrigado a fazer o exame de DNA?

O princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si[4][5]

Você já deve ter ouvido em filmes ou séries aquela frase clássica: “você tem o direito de permanecer calado”. No Brasil, temos um princípio constitucional similar que diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Isso vale para o Direito Penal, mas também ecoa no Direito Civil. A integridade física é inviolável.[2] Ninguém, nem mesmo o juiz, pode ordenar que um oficial de justiça segure um suposto pai à força para coletar sangue ou saliva.[2] Isso seria uma violência absurda contra a liberdade individual e o corpo da pessoa.

No entanto, o Direito não é uma ciência exata e isolada; ele é um sistema de pesos e contrapesos. Se de um lado temos a intangibilidade do corpo do réu, do outro temos o direito personalíssimo da criança (ou do adulto) de conhecer sua própria história.[1][4] O princípio da dignidade da pessoa humana protege tanto quem não quer ser invadido fisicamente quanto quem precisa saber de onde veio. Por isso, a recusa é “permitida” fisicamente, mas o sistema jurídico criou mecanismos para que essa recusa não vire uma ferramenta de impunidade ou de fuga das responsabilidades parentais.

Imagine se bastasse recusar o exame para se livrar de uma pensão alimentícia. Seria o caos, não é? Por isso, sempre explico aos meus clientes: você tem o direito de não ceder seu material genético, mas não tem o direito de impedir que a Justiça busque a verdade por outros meios. A recusa é um ato voluntário, mas as consequências desse ato fogem do seu controle. É uma escolha tática processual que, na maioria das vezes, acaba sendo um “tiro no pé” para quem tenta esconder a paternidade.

A intervenção do Estado para garantir o direito à origem biológica

O Estado tem um interesse muito forte em garantir que todos os cidadãos tenham seu registro civil completo. Ter o nome do pai na certidão de nascimento não é apenas uma questão de herança ou dinheiro; é uma questão de identidade psicológica e social. A Constituição Federal de 1988 colocou a criança e o adolescente como prioridade absoluta, e isso inclui o direito ao reconhecimento do estado de filiação. O Estado não pode ficar de braços cruzados quando alguém tenta obstruir esse direito fundamental com uma simples negativa.

Quando o Estado intervém nessas ações de investigação de paternidade, ele está atuando como um guardião da verdade real. O juiz, representando o Estado, vai usar de todos os meios legais e moralmente legítimos para descobrir se aquele vínculo existe. A recusa ao exame de DNA é vista pelo Estado não como um exercício de defesa, mas muitas vezes como uma tentativa de burlar a justiça.[1] Por isso, a legislação evoluiu para endurecer o tratamento dado àqueles que se recusam a colaborar com a perícia genética.

Essa intervenção estatal é tão séria que o Ministério Público muitas vezes participa ativamente desses processos, especialmente quando há menores envolvidos. O promotor de justiça vai fiscalizar se o suposto pai está criando embaraços indevidos. A ideia é que a verdade biológica é um bem maior que a privacidade momentânea do suposto pai. O Estado diz, basicamente: “Você não quer fazer o exame? Tudo bem. Mas nós vamos proteger o direito dessa criança de ter um pai, com ou sem a sua colaboração direta”.

A diferença entre obrigação física e coerção jurídica

Aqui reside a grande “pegadinha” que confunde muitos leigos e até alguns profissionais iniciantes. A diferença entre obrigação física e coerção jurídica é sutil, mas define o jogo. Obrigação física seria, como dissemos, amarrar a pessoa para tirar sangue. Isso não existe no nosso ordenamento. A coerção jurídica, por outro lado, é a pressão que a lei exerce sobre a vontade da pessoa, impondo sanções e perdas de direitos caso ela não colabore. É como uma multa de trânsito: ninguém te impede fisicamente de correr, mas se correr, vai pagar caro.

No caso do DNA, a coerção jurídica se manifesta através da presunção de veracidade.[2][7][8][9][11] O juiz diz ao réu: “Se você não fizer o exame, vou entender que você está assumindo que é o pai”. É uma forma indireta de obrigar. A pessoa faz o exame não porque será furada à força, mas porque tem medo de ser declarada pai sem ter a chance de provar o contrário. Essa pressão psicológica e processual é perfeitamente legal e é a ferramenta mais poderosa que temos para garantir a efetividade das ações de paternidade.

Além disso, a recusa reiterada e injustificada pode até ser considerada um ato atentatório à dignidade da justiça em alguns contextos, ou litigância de má-fé, embora a consequência principal continue sendo a presunção da paternidade.[1] Como advogado, minha função é alertar o cliente: a liberdade de recusar existe, mas o preço dessa liberdade é, paradoxalmente, perder a chance de se defender. Quem não deve, não teme — é esse o ditado popular que a Justiça, de certa forma, adotou como regra processual aqui.


Consequências jurídicas da recusa: Entendendo a Súmula 301 do STJ[4][6][8][9][11]

O que diz a Súmula 301 do STJ na prática?

Para nós, advogados, as Súmulas dos tribunais superiores são como faróis que iluminam o caminho de como os juízes devem decidir. A Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é curta, mas devastadora para quem pretende fugir do exame. Ela diz: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.[2][6][7][8][9][11] Mas o que isso significa no dia a dia do fórum, na vida real das pessoas?

Na prática, isso inverte o jogo do processo. Normalmente, quem processa (o autor) tem que provar o que diz. Mas quando a Súmula 301 entra em cena, o ônus da prova se inverte ou se facilita imensamente. Se o suposto pai é intimado para o exame, marca-se a data, ele não aparece ou diz que não vai, o juiz já olha para aquele processo com outros olhos. A recusa funciona como uma confissão tácita.[1] É como se o réu estivesse gritando para o juiz: “Eu não quero fazer porque sei que vai dar positivo!”.

Essa Súmula pacificou o entendimento em todo o Brasil. Antes dela, havia discussões intermináveis se a recusa poderia ou não ser usada contra o réu. Hoje, a discussão acabou. Se você é advogado de defesa e seu cliente quer recusar, você tem a obrigação ética de ler essa Súmula para ele. Ela é a base legal que permite que milhares de crianças sejam registradas todos os anos, mesmo contra a vontade de pais que tentam se esquivar de suas obrigações biológicas e afetivas.

O conceito de presunção de paternidade (Juris Tantum)[2][6][7][8][9]

Vamos traduzir esse termo em latim que usamos muito: Juris Tantum. Significa “presunção relativa”.[4][5] Isso quer dizer que a presunção admite prova em contrário, mas ela é muito forte. Não é uma certeza absoluta (chamada Juris et de Jure), mas é quase isso. Quando o juiz aplica a presunção relativa, ele está dizendo que, até que se prove o contrário, aquele fato é verdadeiro.[9] A recusa cria uma “verdade provisória” que se torna definitiva se não houver outras provas muito robustas que a derrubem.

A presunção relativa é inteligente. Ela não fecha as portas totalmente, caso haja um erro absurdo, mas coloca o réu numa posição muito delicada. Imagine que o suposto pai estava, comprovadamente, morando em outro país no ano da concepção e tem carimbos no passaporte para provar. Nesse caso, mesmo recusando o DNA (talvez por teimosia), ele poderia tentar usar essa prova documental para derrubar a presunção. Mas convenhamos, é um risco enorme. Na maioria esmagadora dos casos, a presunção relativa vira sentença procedente.

Essa presunção serve para destravar o processo. Sem ela, os processos de paternidade ficariam parados anos esperando a “boa vontade” do réu. Com a presunção Juris Tantum, o processo anda.[7][9] O juiz tem material para sentenciar.[5][9] É uma ferramenta de celeridade e de justiça social. Ela diz que a dúvida não pode beneficiar quem causou a dúvida. Se a dúvida existe porque você se recusou a fazer o teste que a resolveria, então a dúvida será resolvida contra você.

Como o juiz decide quando não há exame de DNA?

Quando chega o momento de dar a sentença e não há o laudo de DNA na mesa, o juiz vai olhar para o “conjunto probatório”.[6] Ele vai pegar a Súmula 301, que gera a presunção, e vai somar isso a qualquer outro indício que a mãe tenha trazido.[11] Pode ser pouca coisa: uma foto antiga, uma testemunha que viu o casal saindo junto, ou até mesmo a semelhança física (embora isso seja subjetivo). A recusa do DNA é a peça principal, o “rei” do tabuleiro de xadrez, mas as outras peças ajudam a fechar o cerco.

O juiz fundamentará a decisão dizendo que oportunizou ao réu a chance de produzir a prova técnica, que é a rainha das provas nessas ações. Como o réu desperdiçou essa chance, o magistrado não tem outra alternativa senão acolher o pedido da autora ou autor. A sentença vai declarar a paternidade, mandar expedir o mandado para o cartório averbar o nome do pai e dos avós paternos na certidão de nascimento, e provavelmente já fixar os alimentos. Tudo isso sem uma gota de sangue coletada.

É importante notar que o juiz precisa ser cuidadoso. A recusa deve ser injustificada. Se o réu estava internado em UTI no dia do exame, isso não é recusa, é impossibilidade. O advogado do autor deve ficar atento para pedir novas datas se houver justificativa. Mas se foi mero capricho ou estratégia de defesa, a caneta do juiz será pesada. A sentença declaratória de paternidade baseada na recusa tem a mesma validade e força legal de uma sentença baseada num teste de 99,99% de certeza.


Investigação de Paternidade Post Mortem: Quando os herdeiros recusam[1][2][5][7][8]

A responsabilidade dos parentes em fornecer material genético[2][6][7]

A situação complica um pouco, e fica mais triste, quando o suposto pai já faleceu. É o que chamamos de investigação post mortem. Nesse cenário, quem vai para o polo passivo da ação (os réus) são os herdeiros do falecido: os filhos que ele já tinha, a viúva, ou, se não houver filhos, os pais ou irmãos dele. A lei estendeu a possibilidade de realizar o exame de DNA nesses parentes consanguíneos.[6][8] Afinal, eles carregam o material genético do falecido.

Muitas vezes, os herdeiros se recusam a fazer o exame por medo de ter que dividir a herança com um novo irmão “aparecido do nada”. Mas a jurisprudência (as decisões dos tribunais) já se adaptou a isso. A recusa dos herdeiros em fornecer material genético também gera a presunção de paternidade em relação ao falecido.[1][4][6][7][8][9][10] O STJ entende que a lógica é a mesma: não se pode premiar a obstrução da justiça. Se os filhos legítimos se negam a doar um pouco de saliva para confirmar se têm um irmão, a justiça presume que o irmão existe.

Essa responsabilidade dos parentes é moral e legal.[4][6] Não se trata de invadir a privacidade deles, mas de reconstruir a verdade biológica de um terceiro. Claro que o grau de precisão de um teste com tios ou irmãos é diferente de um teste direto com o pai, mas a tecnologia de reconstrução genética hoje é avançadíssima. Quando os parentes colaboram, é possível chegar a resultados conclusivos. Quando não colaboram, assumem o risco de ver a paternidade reconhecida judicialmente por presunção, o que vai impactar diretamente no bolso deles na hora da partilha.

Exumação de cadáver: quando é necessária?

Essa é a medida mais drástica, dolorosa e cara de todo o processo: a exumação dos restos mortais do suposto pai. Geralmente, a exumação é o último recurso. Os juízes evitam deferir isso logo de cara por respeito à memória do morto e pelo sofrimento que causa à família. No entanto, se os herdeiros se recusam a fazer o exame e não há outras provas suficientes, ou se não há parentes vivos próximos o suficiente para um teste confiável, a exumação se torna o único caminho.

Eu já atuei em casos onde a família preferiu a exumação a ter que ceder seu próprio sangue, numa espécie de birra familiar. Em outros casos, é o autor da ação que requer a exumação porque não confia no material genético dos parentes ou porque os parentes simplesmente não existem. A exumação é um procedimento complexo, envolve autorização sanitária, cemitério, peritos, e é uma cena forte. Mas o material coletado (geralmente ossos ou dentes) é capaz de fornecer o DNA necessário para o confronto.

A recusa dos herdeiros pode, inclusive, precipitar o pedido de exumação. Se os herdeiros dizem “não vamos fazer o exame”, o advogado do autor pode pedir ao juiz: “Excelência, diante da recusa, requeiro a exumação do falecido custeada pelos réus”. E os juízes têm deferido.[4] É uma forma de dizer que a verdade vai aparecer, seja pelo caminho fácil (exame nos parentes), seja pelo caminho difícil (exumação). E quem paga a conta dessa perícia complexa, ao final, costuma ser quem perdeu a ação.

Impactos na herança e inventário[2]

Aqui é onde o “bicho pega”. O reconhecimento de paternidade post mortem tem efeito direto e imediato no inventário. Se o inventário ainda está correndo, ele deve ser suspenso ou o quinhão (a parte) do suposto filho deve ser reservado até a decisão final da investigação de paternidade. Se os herdeiros recusaram o DNA e o juiz declarou a paternidade por presunção, esse novo herdeiro entra na divisão dos bens com os mesmos direitos dos outros. Ele é filho tanto quanto os que foram criados na casa do falecido.

Se a partilha já foi feita e os bens já foram divididos, a situação é ainda mais grave. O novo filho pode entrar com uma Ação de Petição de Herança. Isso pode anular a partilha anterior e obrigar os irmãos a devolverem bens ou pagarem a parte que cabia ao novo herdeiro. Imagine a confusão: imóveis vendidos, dinheiro gasto, e de repente chega uma sentença judicial dizendo que tudo aquilo precisa ser recalculado porque um herdeiro foi deixado de fora.

A recusa ao exame de DNA pelos herdeiros, na tentativa de proteger o patrimônio, acaba sendo uma estratégia ineficaz a longo prazo. O reconhecimento judicial por presunção garante ao novo filho o acesso aos bens. Muitas vezes, a briga judicial sai mais cara do que simplesmente fazer o exame, confirmar a verdade e fazer um acordo honesto na divisão dos bens. Como advogado, sempre oriento: a matemática financeira sugere que colaborar com a justiça é mais barato do que brigar contra a biologia.


Além do DNA: Outras provas que confirmam a paternidade[5][10][11][12]

Provas documentais: mensagens, fotos e redes sociais

Vivemos na era digital, e isso mudou a forma como provamos relacionamentos. Antigamente, precisávamos de cartas de amor guardadas em caixas de sapato. Hoje, um print de WhatsApp vale ouro. Em processos onde há recusa do DNA, o advogado precisa ser um verdadeiro detetive digital. Mensagens onde o suposto pai pergunta sobre a gravidez, oferece dinheiro para “resolver o problema” ou comenta sobre a semelhança da criança são provas indiciárias fortíssimas.

As redes sociais também são um campo fértil. Fotos em festas comuns, check-ins nos mesmos locais, comentários em fotos de amigos em comum. Tudo isso ajuda a montar o quebra-cabeça do relacionamento que gerou a criança. Às vezes o pai nega que conhecia a mãe, mas há uma foto de três anos atrás onde eles aparecem abraçados num churrasco. Essa contradição destrói a credibilidade do réu perante o juiz e fortalece a presunção gerada pela recusa do exame.

Documentos mais formais também contam muito: comprovantes de transferência bancária na época da gestação, notas fiscais de farmácia ou enxoval pagas pelo suposto pai, registros de entrada em hotéis ou motéis. O DNA é a prova rainha, mas essas provas documentais são os soldados que cercam o réu. Quando ele recusa o DNA, esses documentos ganham um peso probatório gigantesco, servindo de base para o convencimento do magistrado de que houve, sim, relação sexual na época da concepção.

Provas testemunhais: a importância de quem viu a relação

A prova testemunhal é clássica no Direito. “A testemunha é a prostituta das provas”, dizem alguns doutrinadores antigos de forma pejorativa, pela facilidade de manipulação, mas no Direito de Família ela tem seu valor resgatado. Trazer para a audiência pessoas que conviviam com o casal na época da concepção é fundamental. Amigos, vizinhos, porteiros, colegas de trabalho. Pessoas que podem dizer: “Sim, eu via ele saindo da casa dela toda semana”, ou “Ele comentou comigo que ela estava grávida”.

O depoimento precisa ser consistente. O juiz vai perguntar detalhes para testar a veracidade. Não adianta levar alguém que só “ouviu falar”. Precisa ser alguém que presenciou a dinâmica do casal. Em casos de recusa de DNA, o depoimento de uma testemunha idônea que confirma o namoro ou os encontros casuais preenche a lacuna deixada pela falta do laudo genético. O juiz pensa: “Ele recusou o DNA e a testemunha confirmou que eles tinham um caso. A conta fecha”.

É importante preparar essas testemunhas para que elas mantenham a calma e contem a verdade com clareza. Muitas vezes, o suposto pai tenta desqualificar as testemunhas da mãe, dizendo que são “amigas íntimas” e que estão mentindo. Por isso, quanto mais isenta for a testemunha, melhor. Um ex-colega de trabalho que não tem contato frequente, mas que sabia do relacionamento, tem um peso enorme na formação da convicção do juiz.

A “posse do estado de filho” e o vínculo afetivo

Existe um conceito jurídico muito bonito chamado “posse do estado de filho”. Isso acontece quando, embora não haja registro formal, a pessoa é tratada socialmente como filho. O pai leva na escola, apresenta aos amigos, paga as contas, chama de filho em público. Se houve esse tipo de comportamento e depois o pai tenta negar a paternidade biológica recusando o DNA, a posse do estado de filho serve como prova robusta.

Em alguns casos, a paternidade socioafetiva (aquela baseada no amor e na convivência) pode até se sobrepor ou coexistir com a biológica. Mas focando na investigação biológica: se você tem provas de que esse pai agia como pai antes de ser processado, a recusa dele em fazer o DNA se torna quase irrelevante para o desfecho, pois o vínculo já está socialmente provado. O exame seria apenas uma formalidade técnica para confirmar o que a sociedade já via.

Isso também vale para avós. Se os avós paternos tratam a criança como neta, dão presentes, levam para passear, isso cria indícios fortes de paternidade. O juiz observa toda essa dinâmica familiar. O Direito de Família não olha apenas para o sangue; ele olha para o afeto e para a conduta social. A recusa fria do exame laboratorial não consegue apagar anos de convivência ou meses de um relacionamento público e notório.


Direitos do filho reconhecido após a recusa do pai[1][4][11]

Alteração do registro civil e o sobrenome[11]

Uma vez que o juiz bate o martelo e declara a paternidade (baseado na presunção pela recusa), a vida daquele filho muda documentalmente. A primeira consequência prática é a expedição de um mandado ao Cartório de Registro Civil. A certidão de nascimento será retificada. O nome do pai passa a constar lá, assim como o nome dos avós paternos. Isso preenche aquela lacuna que tanto incomoda quem tem “pai desconhecido” no documento.

Além da filiação, o filho ganha o direito de usar o sobrenome do pai. Isso é opcional na maioria das vezes — o filho (ou a mãe, se ele for menor) pode escolher se quer ou não adicionar o sobrenome. Para muitos, carregar o nome da família paterna é uma questão de honra, de pertencimento e de dignidade. É a prova social de que ele faz parte daquela linhagem.

Essa alteração documental é gratuita para quem tem justiça gratuita, e é feita diretamente pelo cartório após a ordem judicial. Não depende mais da vontade do pai. Ele pode ter recusado o DNA, pode ter recorrido da sentença, mas se a decisão transitou em julgado (não cabe mais recurso), o nome dele vai para a certidão, queira ele ou não. É a força do Estado garantindo a identidade do cidadão.

Pensão alimentícia retroativa: é possível?

Essa é a pergunta que mais recebo no escritório: “Doutor, agora que ele foi declarado pai, ele tem que pagar os atrasados?”. A resposta técnica é: depende do momento em que a citação ocorreu. A pensão alimentícia é devida a partir da citação (o momento em que o réu recebeu a notificação do processo). Se o processo demorou 5 anos porque ele ficou fugindo do DNA, ele terá que pagar esses 5 anos retroativos, com juros e correção monetária.

Porém, a pensão não retroage à data do nascimento da criança se o processo só foi aberto anos depois. O Direito entende que “quem paga mal, paga duas vezes”, mas também que “o direito não socorre aos que dormem”. Se a mãe demorou 10 anos para entrar com a ação, ela perdeu os alimentos desses 10 anos passados. Mas a partir do momento que o oficial de justiça entregou a intimação, a conta começa a rodar.

A recusa em fazer o DNA, portanto, é um péssimo negócio financeiro para o pai. O processo se arrasta, os juros correm, e no final a conta chega acumulada. Muitas vezes, o valor retroativo vira uma dívida impagável que pode levar à penhora de bens ou até a acordos forçados. Se o pai tivesse feito o exame logo no início e começado a pagar, o impacto financeiro seria diluído mês a mês. A procrastinação gerada pela recusa sai cara.

Direitos sucessórios: garantindo a parte na herança

Por fim, o direito mais duradouro: a herança. O filho reconhecido judicialmente, mesmo contra a vontade do pai, torna-se herdeiro necessário. Isso significa que ele tem direito a uma parte legítima da herança, competindo em igualdade de condições com os outros irmãos (se houver) e com a cônjuge (dependendo do regime de bens). O pai não pode fazer um testamento deserdando esse filho apenas porque não gosta dele ou porque ele foi fruto de uma relação extraconjugal.

A lei brasileira protege a legítima (50% do patrimônio do falecido) para os herdeiros necessários. O filho reconhecido via presunção de paternidade entra nessa divisão automaticamente. Se o pai falecer décadas depois do processo, aquele filho estará lá, habilitado no inventário. A recusa do DNA lá atrás não tira um centavo do direito sucessório dele no futuro. Pelo contrário, garante documentalmente esse direito.

É importante que o cliente saiba disso: a sentença de paternidade é um passaporte vitalício para os direitos de família e sucessões. Ela não prescreve. Uma vez filho, filho para sempre. E isso inclui o direito de herdar bens, dívidas (até o limite da herança) e até de pedir pensão por morte junto ao INSS, caso o pai fosse segurado. A proteção é integral e irrestrita.


Comparativo: Caminhos da Paternidade

Para visualizar melhor onde você está pisando, preparei este quadro comparativo entre os três caminhos mais comuns no reconhecimento de paternidade. Veja como a recusa (coluna do meio) se compara às outras opções.

CaracterísticaReconhecimento VoluntárioInvestigação com Recusa (Presunção)Investigação com DNA Realizado
Atitude do PaiVai ao cartório espontaneamente.Nega-se a fazer o exame e cria obstáculos.[2][4][7][11]Aceita fazer o exame em juízo.[2]
Tempo de ResoluçãoImediato (dias).Demorado (anos de processo e recursos).[6][11]Médio (alguns meses para o laudo).
Custo EmocionalBaixo (resolvido com diálogo).Altíssimo (desgaste, incerteza, conflito).Médio (ansiedade pelo resultado).
Segurança JurídicaTotal (ato irrevogável).Alta (sentença baseada em Súmula do STJ).[4][6][8][9][11]Total (prova científica de 99,99%).
Custo FinanceiroBaixo (apenas custas de cartório).Alto (advogados, sucumbência, juros).Médio (custo da perícia e advogados).

Espero que essa conversa tenha clareado as suas ideias. A recusa em fazer o exame de DNA não é o fim da linha para quem busca seus direitos; na verdade, é apenas um obstáculo que o nosso sistema jurídico já aprendeu a contornar com bastante eficácia. Se você está passando por isso, saiba que a lei está, na maioria esmagadora das vezes, do lado de quem busca a verdade.

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