Doença Ocupacional: O Guia Definitivo sobre LER/DORT e Seus Direitos
Você já sentiu aquela pontada no punho ao final do expediente? Ou talvez um formigamento constante nos dedos que insiste em acordar você no meio da noite? Se você está lendo isso, é provável que a dor já não seja mais uma visita ocasional, mas uma inquilina indesejada na sua rotina.
Vamos ter uma conversa franca aqui. Eu vejo centenas de casos como o seu todos os anos. Trabalhadores dedicados que, de repente, se veem limitados pelo próprio corpo. O nome técnico assusta: LER (Lesão por Esforço Repetitivo) ou DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho).[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10] Mas o que assusta mais é a incerteza: “Será que vou perder meu emprego?”, “Tenho direito a alguma coisa?”, “Como provo que a culpa é do trabalho?”.
Neste artigo, vamos desmistificar tudo isso. Não vou usar aquele “juridiquês” complicado que a gente vê nos tribunais. Quero que você entenda as regras do jogo para poder jogar de igual para igual. Prepare-se, porque vamos mergulhar fundo nos seus direitos.
Entendendo o Inimigo: O Que Realmente São LER e DORT?
A diferença técnica (que o perito vai usar contra ou a seu favor)
Muita gente chega no meu escritório achando que LER e DORT são doenças específicas. Na verdade, pense nelas como grandes guarda-chuvas. Debaixo desses guarda-chuvas, vivem várias condições médicas que você provavelmente já ouviu falar: tendinite, bursite, síndrome do túnel do carpo, mialgias e por aí vai.
A LER foi o primeiro termo a surgir.[4] Ela foca muito na ideia de “esforço repetitivo”. Só que a ciência evoluiu e percebeu que não é só a repetição que machuca. Ficar parado na mesma posição por horas (como segurar um telefone ou manter o pescoço torto olhando para o monitor) também adoece. Aí nasceu a sigla DORT.
Por que isso importa para você? Porque, na hora da perícia no INSS ou na justiça, se você disser apenas que “tem LER”, o perito pode alegar que sua função não tem repetição suficiente. Mas se enquadrarmos como DORT, a gente amplia o leque. Podemos culpar a postura, a vibração de máquinas, o frio excessivo ou até a pressão psicológica que tensiona seus músculos. Saber nomear o inimigo é o primeiro passo para vencê-lo.
Sintomas comuns que você não deve ignorar[1][2][8]
O corpo humano é uma máquina inteligente. Antes de quebrar, ele acende luzes de alerta no painel. O problema é que a gente foi treinado para ignorar esses avisos e “vestir a camisa da empresa”. O primeiro sinal clássico é a dor localizada. Ela começa sutil, melhora no fim de semana e volta na segunda-feira. Esse é o estágio 1.
Se você não para, a dor vira crônica. Começa a aparecer inchaço, vermelhidão ou uma sensação de calor na articulação. Aqui, você já começa a perder força. Sabe quando a xícara de café parece pesar uma tonelada? Ou quando a caneta escorrega da mão? Isso é perda de força motora.[1]
No estágio mais avançado, a dor não vai embora nem quando você está de férias. O formigamento vira dormência. O sono é prejudicado. E aqui entra um detalhe que poucos advogados te contam: a dor crônica muda seu humor. A irritabilidade e a tristeza muitas vezes são sintomas físicos de uma DORT mal tratada, e não “frescura”. Se você se identifica com isso, o sinal vermelho já acendeu.
O mito da “doença de digitador” (quem mais afeta)[5][9]
Existe uma lenda urbana de que LER/DORT é doença de quem trabalha em escritório, no ar-condicionado, digitando o dia todo. Esqueça isso. A realidade dos tribunais mostra um cenário muito mais brutal e diversificado.
Eu atendo muitos bancários? Sim. Mas a fila de espera está cheia de trabalhadores de frigoríficos, que fazem o mesmo movimento de corte milhares de vezes no frio congelante. Vejo costureiras, operadores de caixa de supermercado, faxineiros que torcem panos o dia todo e operários de linha de montagem.
Até profissões que exigem força bruta, como pedreiros ou carregadores, sofrem com DORT. O motorista de ônibus, que vibra o corpo inteiro e faz câmbio manual centenas de vezes, é uma vítima clássica. O mito de que é “doença de gente fraca” ou “doença de escritório” serve apenas para tirar a responsabilidade das empresas de outros setores. Se o seu trabalho exige que seu corpo faça algo antinatural por longos períodos, você está no grupo de risco.
O Caminho das Pedras: Provando que a Culpa é do Trabalho[8][9]
O tal do Nexo Causal (O Elo Perdido)[4]
Aqui é onde a mágica (e a briga) acontece no Direito. Ter uma doença não te dá direito a indenização ou estabilidade. Ter uma doença causada pelo trabalho é o que muda tudo. Chamamos essa ligação de “Nexo Causal”. É a ponte que liga a sua dor à mesa onde você senta ou à máquina que você opera.
Imagine que você tem uma hérnia de disco. A empresa vai dizer: “Isso é degenerativo, é da idade, ele jogava futebol”. O nosso trabalho é dizer: “Pode até ter um fator de idade, mas o trabalho dele, carregando peso de forma errada por 10 anos, foi a gota d’água que estourou a represa”. Chamamos isso de concausa.
Para estabelecer o nexo, não basta a sua palavra. Precisamos mostrar que a atividade tinha risco. Se a empresa não fez análise ergonômica, não dava pausas, cobrava metas inalcançáveis que te faziam trabalhar correndo, tudo isso constrói o nexo. Sem essa ponte bem construída, o juiz não consegue atravessar para o lado da condenação.
A importância da CAT (e o que fazer se a empresa não emitir)
A Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) é o documento mais importante que você precisa conhecer hoje. A lei diz que, ao suspeitar de uma doença ocupacional, a empresa deve emitir a CAT em até um dia útil. Perceba a palavra: suspeitar. Não precisa ter certeza absoluta.
Mas no mundo real, as empresas fogem da CAT como o diabo foge da cruz. Por quê? Porque admitir a doença aumenta os impostos dela (o FAP) e gera estabilidade para você. Então, o que acontece? Você apresenta o atestado e o RH te manda para o INSS como “doença comum” (B31), e não “acidentária” (B91).
Se a empresa se recusar a emitir a CAT, não entre em pânico. A lei permite que o seu sindicato, o seu médico ou até você mesmo (com ajuda de um advogado ou autoridade pública) emita esse documento. Ter a CAT na mão é meio caminho andado para provar que a empresa sabia do risco e que o INSS deve te tratar de forma diferenciada.
O Perito do INSS: Como se preparar para a batalha
Vou ser brutalmente honesto com você: a perícia do INSS não é uma consulta médica carinhosa. O perito tem 15 minutos para decidir o seu futuro e ele está programado para achar que você está exagerando. Você não vai lá para se tratar; você vai lá para ser avaliado.
Como vencer essa etapa? Primeiro, documentação organizada. Não leve uma sacola de exames bagunçados. Leve os laudos atuais, legíveis, com CID (Código Internacional de Doenças) e tempo sugerido de afastamento.
Segundo, a atitude.[2][8] Não tente fingir uma dor que não existe, eles percebem. Mas também não se faça de herói. Se dói para levantar o braço, não levante sorrindo. Responda o que for perguntado de forma direta. Explique como o seu trabalho causa a dor: “Doutor, eu faço esse movimento de pinça 3.000 vezes por dia”. O perito precisa entender a biomecânica da sua função, não apenas a sua dor.
Seus Direitos na Mesa: O Que Você Pode Receber?
Estabilidade de 12 meses: O escudo contra demissão
Este é o direito que mais tira o sono dos patrões. Se você ficou afastado pelo INSS por causa de uma doença ocupacional (recebendo o auxílio B91) por mais de 15 dias, quando você volta, você tem uma “armadura”. A empresa não pode te demitir sem justa causa pelos próximos 12 meses.
Essa estabilidade serve para evitar que a empresa “descarte” o trabalhador machucado assim que ele retorna. E atenção: se a empresa te demitir mesmo assim, podemos entrar com uma ação pedindo a reintegração (sua volta ao trabalho) ou a indenização de todo o período. Ou seja, eles teriam que pagar os salários de um ano inteiro de uma vez só.
Muitas vezes, conseguimos reverter na justiça o benefício comum (B31) para acidentário (B91), e aí a estabilidade “nasce” retroativamente. É uma ferramenta de negociação poderosíssima nas mãos de um advogado que sabe o que está fazendo.
Indenizações: Danos Morais, Materiais e Estéticos[5][10]
Aqui entramos na esfera da responsabilidade civil. Se o trabalho te adoeceu, alguém tem que pagar a conta.[5] O dano moral é pela dor, pelo sofrimento, pela angústia de se sentir inválido. O valor varia muito, dependendo da gravidade e do porte da empresa.
O dano material é o ressarcimento do que você gastou (remédios, fisioterapia, consultas) e do que você deixou de ganhar. Se a doença reduziu sua capacidade de trabalho e você nunca mais vai poder exercer a mesma função com o mesmo salário, a empresa pode ser condenada a pagar uma pensão mensal vitalícia. Imagine receber uma “aposentadoria” paga pela empresa para compensar a perda da sua força de trabalho.
E o dano estético? Sim, ele existe em casos de LER/DORT, embora seja mais raro. Pense numa cirurgia de túnel do carpo que deixou uma cicatriz feia ou numa atrofia muscular visível. Se a doença alterou sua aparência, isso também tem preço.
Benefícios do INSS: Auxílio-doença vs. Aposentadoria por invalidez[2][4][5]
O sistema previdenciário tem dois grandes momentos para quem sofre de LER/DORT. O primeiro é a incapacidade temporária (antigo auxílio-doença).[4] Você recebe enquanto está se tratando e há chance de melhora. O valor é uma média das suas contribuições.
Agora, se a perícia concluir que não tem mais jeito, que a lesão é definitiva e você não consegue fazer mais nada (nem ser reabilitado para outra função), entra a Aposentadoria por Invalidez. Hoje em dia ela é chamada de “Aposentadoria por Incapacidade Permanente”.
Existe ainda um terceiro benefício, o “Auxílio-Acidente”.[5][11] Esse é pouco conhecido e é uma mina de ouro. Se você ficou com uma sequela definitiva (ex: perdeu 30% da força da mão), mas ainda consegue trabalhar, você volta ao trabalho, recebe seu salário normal mais uma indenização mensal do INSS (geralmente 50% do benefício) até se aposentar. É um “bônus” pela sua perda parcial.
A Carga Invisível: Impactos Psicológicos e Assédio Moral
“É só dorzinha”: Combatendo o assédio moral e a discriminação
Você já ouviu piadinhas no corredor? “Lá vem o braço de vidro”, “O encostado voltou”, “Tá fazendo corpo mole”. Isso tem nome: assédio moral. Nas doenças invisíveis como a LER/DORT, onde não há sangue nem gesso, a descrença é a arma dos agressores.
Muitos gestores, despreparados ou mal-intencionados, começam a isolar o funcionário que retorna de licença. Deixam ele sem função (o chamado “ócio forçado”) ou dão tarefas humilhantes. Isso não é apenas falta de educação; é um ato ilícito.
O judiciário tem sido implacável com empresas que permitem esse ambiente tóxico. A dor física já é punição suficiente; você não é obrigado a tolerar a tortura psicológica. Se isso acontecer, a indenização por danos morais pode dobrar ou triplicar, pois estamos punindo a conduta da empresa, não só a doença.
O ciclo vicioso: Quando a dor física vira sofrimento mental
Existe uma conexão biológica direta entre dor crônica e depressão. Quando você sente dor por meses a fio, seu cérebro muda a química. A serotonina cai. A ansiedade sobe.[7] Você começa a ter medo de perder o emprego, medo de não conseguir sustentar a família, medo de nunca mais sarar.
Muitas vezes, o perito do INSS nega o benefício ortopédico, mas concede o psiquiátrico. E para nós, advogados, isso também é doença ocupacional. Se a depressão veio da pressão por metas ou da dor causada pelo trabalho, o nexo causal continua existindo.
Não tenha vergonha de procurar ajuda psicológica. E, mais importante, guarde os laudos do psiquiatra e as receitas de antidepressivos. Eles são provas cabais de que o dano transbordou do corpo para a alma.
Blindagem jurídica: Como documentar o abuso psicológico
Provar dor nas costas é “fácil” com uma ressonância. Provar humilhação é mais difícil. Como você se blinda? Comece a documentar tudo. O assédio raramente é feito por e-mail formal, ele acontece nas entrelinhas.
Mas você pode criar provas. Se o chefe foi grosseiro, mande um e-mail logo em seguida: “Prezado fulano, conforme nossa conversa onde foi dito X e Y, gostaria de confirmar se devo proceder dessa forma”. Se ele não negar, é um indício.
Grave conversas (gravar uma conversa onde você participa é legal, não é grampo). Anote datas, horários e nomes de quem presenciou os abusos. Esse “diário de bordo” do assédio é valioso para mostrar ao juiz que a conduta era reiterada, e não um caso isolado.
Estratégia de Mestre: A Arte de Produzir Provas Robustas
O Dossiê Médico Perfeito: Muito além do Raio-X
Um erro comum é achar que um exame de imagem ganha o processo. O Raio-X mostra a anatomia, mas não mostra a dor nem a incapacidade. O osso pode estar “feio” na foto e a pessoa não sentir nada, ou estar “bonito” e a pessoa urrar de dor.
O dossiê perfeito precisa de um relatório médico detalhado (Laudo). O médico deve escrever não só “tem tendinite”, mas sim: “Paciente com tendinite crônica, refratária a tratamento conservador, com limitação de movimento em X graus, impossibilitado de exercer atividades que exijam preensão palmar”.
Além disso, junte receitas, comprovantes de sessões de fisioterapia (para mostrar que você tentou se tratar e não sarou) e prontuários de pronto-socorro. A quantidade e a continuidade dos documentos mostram a veracidade do seu sofrimento ao longo do tempo.
Testemunhas e Diário de Dor: A prova do cotidiano
Muitas vezes, a prova técnica falha. O perito do juiz pode dizer que não viu nexo. Aí entra a “prova oral”. Testemunhas que trabalhavam com você são fundamentais. Elas não vão falar da sua saúde (não são médicos), mas vão falar da rotina.
“O João trabalhava sem pausa”, “A máquina da Maria era muito alta para ela”, “O chefe gritava para acelerar a produção”. Quem vivenciou o ambiente de trabalho valida a sua tese de que o local era doentio.
Outra estratégia que gosto de usar é o “Diário de Dor”. Um registro simples onde você anota os dias que a dor foi pior e o que você estava fazendo. Isso ajuda a lembrar detalhes anos depois, na hora da audiência, dando riqueza e credibilidade ao seu depoimento.
O NTEP joga a seu favor? Entenda a presunção legal
O governo criou uma ferramenta chamada NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário). É uma tabela gigante que cruza o CNAE da empresa (o ramo de atividade) com o CID da doença.
Exemplo: Se você trabalha num abatedouro de aves e tem dor no ombro, o sistema do INSS cruza os dados e diz: “Estatisticamente, abatedouros geram muita dor no ombro. Presumo que é doença ocupacional”.
Isso inverte o jogo. Com o NTEP, a empresa é que tem que provar que a sua doença não veio do trabalho. O ônus da prova muda de lado. Como seu advogado, eu verifico se o seu caso se enquadra no NTEP. Se enquadrar, já entramos no jogo ganhando de 1×0, e a empresa que lute para virar.
Comparativo Prático: LER/DORT vs. Outras Condições
Para clarear sua mente, montei este quadro que diferencia o que você tem de outras situações comuns que confundem os trabalhadores e até alguns juízes.
| Característica | LER/DORT (Doença Ocupacional) | Doença Degenerativa Comum | Acidente de Trabalho Típico |
| Origem | Causada ou agravada pela atividade laboral (repetição, postura, etc).[1][3][4][7][8][9][12] | Causada pelo envelhecimento natural ou genética (ex: artrose). | Evento súbito e violento (ex: cair da escada, cortar o dedo). |
| Início dos Sintomas | Gradual, insidioso. Começa leve e piora com o tempo. | Lento, ao longo dos anos, independente do trabalho. | Imediato. Você sabe a hora exata que aconteceu. |
| Direitos Trabalhistas | Estabilidade de 12 meses, FGTS durante afastamento, Indenizações. | Geralmente sem estabilidade (salvo se o trabalho agravar – concausa). | Estabilidade de 12 meses, FGTS durante afastamento, Indenizações. |
| Nexo Causal | Precisa de perícia complexa para ligar a rotina à lesão. | Difícil estabelecer nexo, defesa comum das empresas. | Nexo evidente e fácil de provar (estava lá e caiu). |
O próximo passo é seu
Não espere a dor te paralisar para agir. O direito não socorre quem dorme. Se você identificou os sintomas e a realidade do seu ambiente de trabalho nas linhas acima, você tem um caminho a trilhar.
Reúna seus papéis. Não jogue fora nenhum atestado. Se a empresa negar a CAT, busque o sindicato. E procure um especialista em direito previdenciário ou trabalhista que entenda a fundo a biomecânica da LER/DORT.
Lembre-se: sua saúde é o único bem que não tem reposição. O trabalho é importante, o salário é essencial, mas nada paga o preço de viver com dor crônica. Use a lei como seu escudo e exija a dignidade que você merece. Estou aqui torcendo — e lutando — por você.
