Como Aplicar Advertências e Suspensões: O Guia Definitivo para Gestores e Empregadores
Gerir pessoas é uma arte, mas corrigir comportamentos é uma ciência jurídica que exige precisão cirúrgica. Você provavelmente já se viu naquela situação desconfortável onde um colaborador talentoso começa a chegar atrasado, ou aquele funcionário antigo de repente decide ignorar as regras de segurança. O seu instinto pode ser gritar ou demitir na hora, mas o Direito do Trabalho brasileiro exige sangue frio e estratégia.
Aplicar uma sanção disciplinar não é apenas sobre punir alguém por um erro.[1][2][3][4][5][6][7][8] É sobre construir um histórico documental que proteja sua empresa no futuro e, idealmente, trazer o funcionário de volta aos trilhos. Se você errar na mão, corre o risco de transformar um funcionário relapso em uma vítima perante um juiz do trabalho.[7] E acredite, reverter uma justa causa ou pagar indenização por danos morais sai muito mais caro do que aprender a fazer o processo corretamente.
Neste guia, vamos conversar de igual para igual. Vou te explicar como usar o poder diretivo da sua empresa sem medo, garantindo que cada papel assinado seja um escudo para o seu negócio. Vamos desmistificar o “juridiquês” e focar no que funciona no chão de fábrica e no escritório.
Entendendo o Poder Diretivo e a Base Legal
O que a CLT realmente diz sobre punições
Muitos clientes chegam ao meu escritório procurando o “artigo da advertência” na CLT, e ficam surpresos quando digo que ele não existe de forma explícita. A Consolidação das Leis do Trabalho menciona a suspensão disciplinar no artigo 474 e lista os motivos para justa causa no artigo 482, mas a advertência é uma construção dos costumes e da jurisprudência. Isso significa que o poder de advertir nasce do seu “Poder Diretivo”, que é o direito do dono do negócio de comandar como o trabalho deve ser feito.
O artigo 474 é claro ao limitar a suspensão a trinta dias consecutivos.[1][3][9] Qualquer prazo superior a isso é considerado uma rescisão injusta do contrato.[6] Isso é uma armadilha comum: o gestor quer dar um “gelo” longo no funcionário e acaba demitindo-o sem querer. A lei entende que deixar alguém sem salário por mais de um mês é desumano e equivale a quebrar o vínculo empregatício. Portanto, conhecer os limites da lei é o primeiro passo para não cometer abusos.
Além disso, o artigo 482 funciona como um cardápio de faltas graves. Desídia (preguiça), indisciplina (desobedecer regras verbais), insubordinação (desobedecer ordens diretas) e mau procedimento são os termos que você deve ter na ponta da língua. Quando você aplica uma advertência, você não está apenas dando um aviso; você está tipificando a conduta do empregado em uma dessas categorias legais. Isso será crucial caso a situação escale para uma demissão.
A hierarquia das punições e a gradatividade
Você não começa uma guerra soltando a bomba atômica. No Direito do Trabalho, chamamos isso de princípio da gradatividade das penas. A ideia é que a punição deve começar leve e ir aumentando conforme a gravidade ou a repetição do erro.[10] O juiz do trabalho vai sempre olhar se você deu chance ao empregado de se corrigir. Pular etapas pode ser fatal para a validade da sua punição.
A escada clássica começa com a advertência verbal, passa pela escrita, sobe para a suspensão e termina no topo com a justa causa.[8] Claro que existem exceções. Se um funcionário roubar o caixa ou agredir um colega fisicamente, você não vai dar uma advertência verbal. A quebra de confiança foi imediata e total. Mas para a maioria dos casos — atrasos, erros operacionais, uso indevido de celular — você precisa respeitar os degraus dessa escada.
Essa gradatividade serve como prova da sua boa-fé. Ela demonstra que a empresa não persegue o funcionário, mas sim que tentou educá-lo diversas vezes. Cada degrau que você sobe deve ser muito bem documentado. Se você suspende alguém por três dias sem nunca ter dado uma advertência escrita antes, um advogado de defesa astuto vai alegar rigor excessivo. E ele terá grandes chances de ganhar, anulando sua suspensão e obrigando você a pagar os dias parados.
O objetivo pedagógico: não é só punir
Aqui está o segredo que diferencia o gestor amador do profissional: o foco da sanção disciplinar deve ser pedagógico, não punitivo.[2][5][7][10] A palavra “disciplina” vem de discípulo, aquele que aprende. Quando você aplica uma advertência, o objetivo principal deve ser ensinar ao colaborador que aquele comportamento não é aceitável na cultura da sua empresa. A punição é apenas o meio para alcançar essa educação.
Se você usa a advertência como ferramenta de vingança ou para humilhar quem errou, você está criando um passivo trabalhista. O “animus corrigendi” (a intenção de corrigir) deve transparecer no texto da advertência e na sua atitude. Explique o porquê da regra existir. Mostre como o erro dele impactou a equipe ou o cliente. Quando o funcionário percebe que a punição tem uma lógica e um propósito educativo, a chance de ele aceitar e mudar é muito maior.
Essa postura pedagógica também é sua melhor defesa no tribunal. Juízes tendem a ser mais simpáticos a empresas que demonstram paciência e vontade de manter o emprego do colaborador. Se o seu histórico mostra que você orientou, treinou, advertiu e suspendeu antes de demitir, fica claro que a culpa do desligamento foi inteiramente do trabalhador, que recusou todas as oportunidades de melhoria que você ofereceu.
A Escada da Disciplina na Prática
Advertência Verbal: O primeiro aviso
A advertência verbal é o momento do “olho no olho”. É aquela conversa séria, em local privado, onde você pontua o erro assim que ele acontece. Apesar de ser “verbal”, eu recomendo fortemente que você faça um registro simples disso. Pode ser um e-mail para o próprio RH ou uma anotação na ficha do funcionário com a data e o motivo da conversa. “Memória de gestor é curta, memória de juiz exige papel.”
Use esse momento para alinhar expectativas. Muitas vezes, o funcionário nem percebe que está cometendo um erro grave. Pode ser um vício de uma empresa anterior ou simples desatenção.[9][11] A abordagem deve ser firme, mas respeitosa. Diga claramente: “Fulano, isso é uma advertência verbal. Preciso que você entenda que essa conduta não pode se repetir”. A clareza evita o famoso “eu não sabia que era sério”.
Não subestime o poder deste primeiro passo. Ele resolve cerca de 70% dos problemas disciplinares. A maioria das pessoas quer fazer um bom trabalho e, ao receberem um feedback corretivo imediato, ajustam a rota. Se você ignorar as pequenas falhas esperando que elas sumam sozinhas, você está tacitamente aprovando o comportamento errado. E quando decidir agir, o funcionário vai alegar que “sempre fez assim e ninguém nunca reclamou”.
Advertência Escrita: Formalizando o erro
Quando a conversa não surte efeito ou a falha é um pouco mais séria, entramos no terreno da advertência escrita.[6] Aqui a coisa fica formal. Este documento é a prova material de que o funcionário está ciente do erro e das consequências futuras. O texto deve ser seco, direto e livre de emoções. Descreva o fato, a data, a hora e a regra violada. Nada de adjetivos como “irresponsável” ou “preguiçoso”. Atenha-se aos fatos.
A advertência escrita deve ser entregue preferencialmente no dia do ocorrido ou no dia seguinte. Chame o funcionário em uma sala reservada, explique que, devido à reincidência ou gravidade, a orientação verbal evoluiu para uma medida escrita. Leia o documento com ele. Garanta que ele entendeu o que está escrito. Muitos gestores apenas empurram o papel para assinatura, o que gera um sentimento de injustiça e revolta.
Este documento tem um peso jurídico enorme. Ele quebra a primariedade do infrator. Se ele cometer o mesmo erro novamente, não poderá dizer que foi um deslize isolado.[2][8][12] A advertência escrita constrói a tese da “desídia” (o comportamento negligente habitual). Tenha sempre duas vias: uma fica com a empresa, assinada pelo trabalhador, e a outra deve ser entregue a ele.[11] Nunca negue a cópia ao funcionário.
Suspensão Disciplinar: A “geladeira”
A suspensão é a última parada antes da rua. É uma medida drástica que mexe no bolso do trabalhador, pois ele perde o salário dos dias parados e o reflexo no descanso semanal remunerado. Ela serve para dizer: “A situação é crítica. Ou você muda, ou não serve mais para esta empresa”. O período de suspensão deve ser razoável.[12] Um dia, três dias, no máximo cinco dias costumam ser suficientes para o caráter pedagógico.
Evite aplicar suspensões muito longas, como 15 ou 20 dias, a menos que o caso seja extremamente grave e você esteja sob orientação jurídica específica. Uma suspensão muito longa gera um prejuízo financeiro tão grande para a família do trabalhador que pode ser revertida na justiça como desproporcional. O objetivo é doer no bolso o suficiente para ele sentir, mas não destruir a subsistência dele no mês.
Durante a suspensão, o funcionário está proibido de trabalhar. Não permita que ele entre na empresa, acesse e-mails ou atenda telefone. Se ele trabalhar durante a suspensão, a punição é anulada, pois caracteriza perdão tácito.[12] Corte o acesso aos sistemas. A suspensão deve ser um afastamento total. É um período de reflexão forçada para que ele decida se quer realmente continuar fazendo parte da sua equipe.
Os Princípios de Ouro da Aplicação
Imediatidade: A hora é agora
No Direito do Trabalho, tempo é essência. O princípio da imediatidade dita que a punição deve ser aplicada tão logo a empresa tome conhecimento do fato.[4] Se você descobre que um funcionário faltou injustificadamente na segunda-feira, mas só aplica a advertência na sexta-feira seguinte, você corre um risco enorme. O juiz pode entender que houve “perdão tácito”. A demora em punir sinaliza que a falta não foi tão grave assim para a empresa.
Isso não significa que você deve agir de cabeça quente. Se a falta exige apuração — como um sumiço de estoque ou uma briga sem testemunhas óbvias —, você deve abrir uma sindicância interna. Nesse caso, a imediatidade conta a partir do momento em que a apuração é concluída e a culpa é definida. Mas lembre-se: documente o início e o fim dessa investigação para justificar o tempo decorrido.
Para pequenas faltas do dia a dia, a regra é clara: errou hoje, pune hoje ou no máximo amanhã. Deixar acumular “vacilos” para punir tudo de uma vez no final do mês é uma prática terrível e juridicamente inválida. Cada dia que passa sem punição enfraquece o seu poder disciplinar sobre aquele fato específico. Seja ágil e resolutivo.
Proporcionalidade: O castigo cabe no crime?
A proporcionalidade é a balança da justiça na sua mão. Você não demite alguém por justa causa porque chegou 5 minutos atrasado uma única vez. Da mesma forma, você não dá apenas uma advertência verbal para alguém que desviou dinheiro da empresa. A pena deve ser espelho da gravidade da falta.[1][4][7][8][12] O bom senso é sua principal ferramenta aqui, mas ele deve estar alinhado com o que a jurisprudência aceita.
Erros de comportamento leve, como atrasos, uso de uniforme incorreto ou conversas excessivas, pedem uma progressão lenta (verbal > escrita > suspensão). Já erros de natureza ética ou de segurança, como não usar EPI em altura, ofender clientes ou embriaguez, permitem pular etapas. Uma suspensão direta pode ser aplicada na primeira ocorrência se a falta colocar em risco a vida de alguém ou a imagem da empresa.
Analise sempre o histórico e o cargo. Um gerente tem um dever de conduta maior que um estagiário. O que é tolerável para um aprendiz pode ser inadmissível para um líder. A proporcionalidade também olha para o passado: um funcionário com 10 anos de casa sem nenhuma mancha no currículo merece uma abordagem diferente de alguém que está na experiência e já cometeu três erros. Trate os desiguais na medida de suas desigualdades.
Non Bis In Idem: Uma falta, uma pena
Este é o erro técnico mais comum que vejo empresários cometerem. “Non bis in idem” é um termo latino que significa “não duas vezes pela mesma coisa”. Você não pode advertir um funcionário de manhã por ter chegado atrasado e, à tarde, decidir suspendê-lo pelo mesmo atraso porque estava irritado. Uma vez aplicada a sanção, o poder punitivo da empresa sobre aquele fato específico se esgota.
Isso gera muita confusão quando o funcionário comete uma sequência de erros. Se ele faltou na segunda e você advertiu, e ele faltou na terça de novo, você pode aplicar uma nova pena (talvez uma suspensão) pela falta de terça. Mas você não pode somar a falta de segunda para punir novamente.[4][8] Cada ato faltoso gera uma única resposta disciplinar.[8]
Cuidado também com a “dupla punição” disfarçada. Por exemplo, suspender o funcionário e, ao mesmo tempo, transferi-lo de setor como castigo. A transferência punitiva é ilegal. Ou você suspende, ou você adverte. Acumular penas mostra perseguição e é um prato cheio para anulação na justiça. Escolha a melhor ferramenta para o momento e use-a uma única vez para aquele evento.
Como Redigir e Aplicar com Segurança
Elementos essenciais do documento
Um documento disciplinar bem feito deve ser à prova de dúvidas. No cabeçalho, identifique claramente as partes. No corpo do texto, seja um narrador frio dos fatos. Descreva o “o quê”, “quando”, “onde” e “como”. Evite termos vagos como “comportamento inadequado”.[2] Em vez disso, escreva: “O colaborador foi flagrado utilizando o celular pessoal para redes sociais durante o horário de expediente no dia X, às Y horas, contrariando a norma interna Z”.
É crucial citar a base legal ou a norma interna violada.[4] Se você tem um Regulamento Interno (e deveria ter), cite o artigo específico que foi infringido. Se for uma violação da CLT, cite o artigo 482 e a alínea correspondente (ex: alínea ‘e’ para desídia). Isso mostra que a punição não é capricho seu, mas consequência de uma regra preestabelecida.
No final do documento, inclua um campo para a ciência do empregado e para a assinatura de duas testemunhas.[5][8][9][11][12] Deixe um espaço também para o funcionário escrever suas observações, caso ele queira. Isso demonstra transparência e democracia. Um documento que parece um contrato de adesão forçado tem menos credibilidade do que um que registra o fato com precisão técnica.
A hora da conversa: postura e local
A entrega da punição é um ritual tenso. Nunca, jamais, faça isso na frente de outros funcionários ou clientes. Expor o trabalhador ao ridículo gera dano moral automático, independentemente de ele estar errado ou não. Leve-o para uma sala fechada. Tenha uma testemunha presente, de preferência alguém do RH ou um gerente de outra área, para garantir que não haja acusações de agressão verbal ou coação.
Mantenha o tom de voz calmo e profissional. Você não está lá para brigar, está lá para comunicar uma decisão administrativa. Comece explicando os fatos que levaram àquela decisão. Mostre as provas se necessário (cartão de ponto, e-mail, filmagem). Permita que o funcionário fale, mas não deixe a conversa virar um debate interminável. Se ele se exaltar, mantenha a calma e diga que a decisão já foi tomada.
Use uma linguagem corporal que transmita seriedade, mas não hostilidade. Evite apontar o dedo no rosto. Sente-se à mesa, não fique em pé “crescendo” sobre o funcionário sentado. A forma como você conduz essa reunião define se o funcionário sairá dela com raiva da empresa ou com vergonha do próprio erro. O respeito deve ser mantido mesmo nos momentos mais duros.[4]
O que fazer se ele não assinar
A recusa em assinar a advertência ou suspensão é um clássico. O funcionário acha que, se não assinar, a punição não vale. Isso é um mito. A assinatura dele serve apenas para provar que ele recebeu o documento. Se ele se recusar, a lei tem uma solução simples e eficaz: a assinatura de duas testemunhas.
Se o funcionário disser “eu não vou assinar isso”, você deve responder calmamente: “É um direito seu não assinar, mas a punição será aplicada da mesma forma e registrada com testemunhas”. Chame dois colegas que presenciaram a leitura do documento ou a recusa. Peça para que eles assinem no campo “Testemunhas da Recusa”.[12]
Pronto. Juridicamente, o documento tem a mesma validade daquele assinado pelo infrator. O importante é ler o teor da punição para o funcionário antes da recusa, para que ele não possa alegar desconhecimento do conteúdo.[4] As testemunhas não precisam ter visto o ato faltoso (o atraso ou o erro), elas precisam apenas testemunhar que a empresa tentou entregar a advertência e o funcionário se negou a receber.
A Psicologia da Punição e Estratégia de Gestão
Separando a emoção da razão
O maior inimigo de uma aplicação correta de penalidade é o fígado do gestor. Quando um funcionário de confiança trai as regras, a tendência é levar para o pessoal. Você sente raiva, decepção. Mas decisões tomadas no calor da emoção quase sempre resultam em excessos. Antes de redigir a advertência, respire. Dê uma volta. Espere a adrenalina baixar.
Pergunte a si mesmo: “Se fosse outro funcionário cometendo o mesmo erro, eu aplicaria a mesma pena?”. Se a resposta for não, você está sendo parcial. A consistência é fundamental para a moral da equipe. Se você pune o João pelo atraso mas perdoa a Maria porque gosta mais dela, você destrói sua autoridade e cria um ambiente tóxico. A regra deve ser cega e impessoal.
Lembre-se que você está gerindo um contrato, não uma relação familiar. A punição é uma cláusula contratual sendo exercida.[1][2][6][9][12] Ao remover a carga emocional, você consegue ser mais assertivo e menos agressivo. O funcionário percebe quando a punição é técnica e quando é perseguição. A técnica ele respeita (mesmo que a contragosto); a perseguição ele ataca na justiça.
O feedback construtivo pós-punição
Aplicou a suspensão? O clima ficou pesado? No dia seguinte ao retorno do funcionário, ou após a assinatura da advertência, é crucial fazer o “resgate”. Chame-o para uma conversa rápida focada no futuro. Diga algo como: “O episódio de ontem está encerrado e documentado. Agora, quero falar sobre como vamos seguir daqui para frente. Conto com você para retomar o padrão de qualidade que sei que você tem”.
Isso mostra que você não guarda rancor. Mostra que o problema foi pontual com a atitude, não com a pessoa. Esse feedback pós-punição é o que evita que o funcionário entre em “operação tartaruga” ou comece a sabotar a empresa silenciosamente. Você precisa reintegrá-lo psicologicamente à equipe.
Estabeleça metas claras de melhoria. “Espero que nos próximos 30 dias não tenhamos mais atrasos”. Deixe claro o que se espera dele para recuperar a confiança plena da gestão. O ser humano precisa de um caminho para a redenção. Se ele sentir que, não importa o que faça, já está “queimado”, ele vai parar de se esforçar ou vai forçar a demissão.
Quando “zerar” o histórico: Perdão tácito vs. Reincidência
Uma dúvida comum é: “Uma advertência vale para sempre?”. A lei não define um prazo de validade, mas a jurisprudência usa o bom senso. Se o funcionário tomou uma advertência por atraso há três anos e hoje atrasou de novo, não faz sentido tratar como reincidência grave para fins de suspensão imediata. Houve um longo período de bom comportamento. O “zerar” do histórico ocorre naturalmente com o tempo.
Normalmente, consideramos um ciclo de 6 a 12 meses como um período razoável para considerar a reincidência. Se dentro de seis meses ele repete o erro, você sobe a escada da punição. Se passaram dois anos, é mais seguro recomeçar a escada ou aplicar uma pena leve novamente. O objetivo não é somar penas ad eternum para justificar uma justa causa daqui a dez anos.
Cuidado com o perdão tácito por omissão contínua.[2] Se você parou de advertir por seis meses mesmo com o funcionário errando, você criou um novo padrão de aceitação. Retomar as punições do nada pode ser visto como perseguição. A vigilância e a disciplina devem ser constantes para manterem sua validade jurídica.
Blindagem Jurídica: Preparando-se para o Pior
A importância das provas materiais
Em um processo trabalhista, a palavra da empresa vale muito pouco sem provas. O ônus da prova para justificar uma punição ou uma justa causa é sempre do empregador. Por isso, a advertência ou suspensão não pode ser baseada em “eu acho” ou “me disseram”. Você precisa materializar o fato.
Se foi um erro de produção, tire foto da peça estragada. Se foi um e-mail ofensivo, imprima e anexe. Se foi atraso, junte o espelho de ponto. Se foi uma ofensa verbal, colha declarações escritas de quem ouviu na hora. Monte um dossiê. Anexe cópias dessas provas junto à via da advertência que fica arquivada na empresa.
Muitas empresas perdem ações porque aplicam a punição descrita como “mau comportamento”, mas quando o juiz pede a prova do tal comportamento, a empresa não tem nada além da memória do gerente. E memória falha ou é contestada.[4] Documento e foto não mudam de versão. Trate cada advertência como se ela fosse ser lida por um juiz amanhã.
Testemunhas: Quem pode e quem não pode ser
A escolha das testemunhas é estratégica. Evite usar pessoas que tenham cargos de diretoria estatutária ou que tenham interesse direto na demissão do funcionário. O ideal são colegas de trabalho do mesmo nível hierárquico ou de setores neutros que presenciaram o fato ou a recusa da assinatura.
Testemunhas “viciadas”, que testemunham em todos os processos da empresa, são mal vistas pelos juízes. Tente variar. E instrua suas testemunhas a dizerem apenas a verdade sobre o que viram, sem exageros. Uma testemunha que tenta “ajudar” demais a empresa e mente, pode acabar invalidando toda a sua defesa e ainda ser multada por litigância de má-fé.
Lembre-se também que testemunha não é quem “ouviu falar”. Testemunha é quem viu e ouviu o fato acontecer. Se a falta ocorreu num local isolado, a prova testemunhal fica fraca. Nesse caso, reforce as provas materiais ou circunstanciais.
O risco da Rescisão Indireta
O uso excessivo ou abusivo de suspensões pode ser um tiro no pé.[1][6][7] O artigo 483 da CLT permite que o funcionário “demita o patrão”.[6] É a chamada Rescisão Indireta.[1][6] Se você aplica suspensões com rigor excessivo, humilha o funcionário ao entregar as advertências, ou persegue o trabalhador com punições infundadas, ele pode entrar na justiça pedindo a rescisão indireta.[1]
Se ele ganhar, você terá que pagar todas as verbas rescisórias como se o tivesse demitido sem justa causa, mais a multa de 40% do FGTS, e ainda pode ser condenado por danos morais. A linha entre o poder diretivo (direito de punir) e o assédio moral é tênue. A blindagem jurídica consiste em nunca cruzar essa linha. Mantenha a técnica, a impessoalidade e a gradatividade, e você estará seguro.
Quadro Comparativo: Advertência vs. Suspensão vs. Justa Causa[1][4][5][6][7][9][12]
Para facilitar sua visualização estratégica, preparei este quadro que coloca as três principais ferramentas lado a lado. Use isso como seu mapa de navegação.
| Característica | Advertência | Suspensão | Justa Causa |
| Natureza | Educativa e de alerta.[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10][12] | Punitiva e disciplinar.[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10][12] | Rescisória (Pena Máxima).[2][5][7][8][9][10][12] |
| Impacto Salarial | Nenhum (zero desconto). | Desconto dos dias parados + DSR. | Perda de férias prop., 13º prop., 40% FGTS e Aviso Prévio. |
| Forma Ideal | Verbal (leve) ou Escrita (reincidência).[2][4][6][8][10][11][12] | Sempre Escrita. | Sempre Escrita e Formalizada. |
| Duração | Instantânea. | 1 a 30 dias (recomendado: 1 a 3).[9] | Definitiva (Término do contrato). |
| Quando Usar | Faltas leves, primeiros atrasos, desatenção.[12] | Reincidência de faltas leves ou uma falta média.[9] | Faltas gravíssimas ou esgotamento da escala punitiva.[1][3][4] |
| Risco Jurídico | Baixo (se não for vexatória). | Médio (risco de rigor excessivo). | Alto (exige prova robusta). |
Dominar a arte de aplicar advertências e suspensões é o que separa empresas organizadas daquelas que vivem apagando incêndios trabalhistas. Use essas ferramentas com sabedoria, firmeza e, acima de tudo, estratégia. Seu objetivo final é ter uma equipe produtiva e alinhada, não uma coleção de termos assinados. Mas se a assinatura for necessária, agora você sabe exatamente como consegui-la sem medo
