Aumento Abusivo na Conta de Energia: A Defesa Técnica do Seu Patrimônio
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Aumento Abusivo na Conta de Energia: A Defesa Técnica do Seu Patrimônio

Você recebeu a fatura de energia elétrica deste mês e o valor causou um verdadeiro espanto. Esse cenário é muito mais comum do que você imagina nos tribunais brasileiros. Estamos diante de uma relação de consumo clássica. A concessionária de energia possui o monopólio do serviço e você figura como a parte hipossuficiente dessa relação. Vou explicar agora, com a experiência de quem vive o dia a dia forense, como vamos desconstruir essa cobrança abusiva e garantir seus direitos.

O Diagnóstico da Ilegalidade e o Fato Gerador do Aumento

Precisamos começar analisando friamente os números. O primeiro indício de abuso não é apenas o valor final em reais. Você deve observar o histórico de consumo em quilowatts-hora (kWh). O Código de Defesa do Consumidor protege você contra variações injustificadas. Se a sua residência manteve os mesmos eletrodomésticos e a mesma rotina de uso. Não existe lógica física para que o consumo triplique de um mês para o outro. Esse aumento abrupto sem alteração na unidade consumidora é o que chamamos de fato gerador da controvérsia.

Aqui entra um conceito processual fundamental que é a inversão do ônus da prova. Como consumidor, você não tem capacidade técnica para abrir o medidor e provar que ele está com defeito. A lei sabe disso. O artigo 6º, inciso VIII, do CDC determina que cabe à concessionária provar que aquele consumo realmente aconteceu. Se eles não conseguirem provar que você gastou aquela energia através de uma perícia técnica imparcial. A cobrança é considerada indevida. A presunção de veracidade da concessionária é relativa e pode ser derrubada.

Outra prática comum e perigosa é o faturamento por estimativa. Muitas vezes o leiturista não passa na sua casa e a empresa lança uma média baseada nos meses anteriores ou, pior, lança um valor arbitrário para compensar depois. Isso gera um acúmulo de leitura. Quando a leitura real é feita meses depois. O consumo vem todo de uma vez e joga você para uma faixa de tarifa mais cara devido à tributação progressiva de ICMS. Essa prática fere o princípio da transparência e da informação adequada. Você tem direito de pagar exatamente pelo que consumiu no período correto.

A Armadilha do TOI: Termo de Ocorrência de Irregularidade

Você precisa ter cuidado redobrado se recebeu a visita de técnicos e eles emitiram um TOI. O Termo de Ocorrência de Irregularidade é o instrumento usado pela concessionária para alegar que há um “gato” ou defeito no medidor. O problema jurídico aqui é a unilateralidade da prova. Os funcionários da própria empresa, que têm interesse no faturamento, são os mesmos que atestam a irregularidade. Isso viola o princípio do contraditório. Uma prova produzida sem a presença de um perito oficial não pode, por si só, fundamentar uma cobrança astronômica retroativa.

Muitos clientes chegam ao meu escritório relatando que foram coagidos a assinar esse termo. O técnico diz que se você não assinar o reconhecimento da dívida e o parcelamento ali na hora. A luz será cortada imediatamente. Isso configura um vício de consentimento grave. Assinar um documento sob ameaça de corte de serviço essencial anula a validade desse reconhecimento de dívida. Nós advogados batemos muito nessa tecla. A assinatura obtida sob coação moral não tem valor jurídico para sustentar a confissão de uma fraude que você não cometeu.

Existe ainda a questão da suspensão do fornecimento baseada nessas dívidas de TOI. O entendimento consolidado nos tribunais superiores é claro. A energia elétrica só pode ser cortada por inadimplência da fatura mensal atual. O débito apurado unilateralmente através de um TOI refere-se a um suposto consumo pretérito. Dívida velha se cobra na justiça através de ação de cobrança. Não se usa o corte de luz como meio coercitivo para pagamento de débitos antigos. Isso é considerado exercício arbitrário das próprias razões pela concessionária.

O Esgotamento da Via Administrativa e a Produção de Provas

Você deve agir rápido e criar um lastro probatório antes de pensarmos em processo judicial. A primeira etapa é entrar em contato com a concessionária e contestar a fatura. Não espere que eles resolvam. O objetivo aqui é obter o número de protocolo. Esse número é a prova material de que você tentou resolver o problema de boa fé e a empresa falhou em prestar o serviço adequado. Grave as ligações se possível ou anote dia, hora e nome do atendente. Sem essa tentativa administrativa, o juiz pode entender que falta interesse de agir.

O papel da ouvidoria e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) costuma ser mais regulatório do que prático para o caso individual. Reclamar na ANEEL é importante para gerar estatísticas e multas contra a empresa. Mas raramente resolve a sua conta de mil reais que vence amanhã. No entanto, a resposta insatisfatória da ouvidoria serve como mais uma prova da falha na prestação do serviço. Junte todos os e-mails e respostas padrão que eles enviarem. Isso demonstra ao judiciário o descaso com o consumidor.

Se o valor da causa for muito alto, recomendo a contratação de um laudo técnico particular. Um eletricista ou engenheiro de sua confiança pode emitir um parecer técnico sobre as condições da sua instalação elétrica. Se o laudo do seu engenheiro atestar que não há fuga de energia interna na sua residência. A responsabilidade recai automaticamente sobre o medidor da concessionária ou erro de leitura. Esse documento técnico desequilibra a balança a seu favor e muitas vezes evita a necessidade de uma perícia judicial complexa e demorada.

A Batalha Judicial: Estratégias Processuais Vencedoras

Vamos falar agora de como levamos isso ao judiciário. A nossa ferramenta mais potente é a tutela de urgência, popularmente conhecida como liminar. Quando entramos com a ação, pedimos ao juiz que determine imediatamente que a concessionária não corte a sua luz enquanto discutimos a dívida. Precisamos demonstrar o fumus boni iuris (a fumaça do bom direito), mostrando os erros na cobrança, e o periculum in mora (perigo da demora), afinal, ninguém vive com dignidade sem energia elétrica. Conseguida a liminar, você respira aliviado para discutir o mérito do processo sem ficar no escuro.

A escolha do rito processual é uma decisão técnica que tomaremos juntos. Temos o Juizado Especial Cível (Pequenas Causas) e a Justiça Comum. O Juizado é mais rápido e não tem custas iniciais. Porém, ele não aceita perícia técnica complexa. Se o seu caso depender exclusivamente de provar que o medidor está quebrado através de uma perícia de engenharia sofisticada. O Juizado vai extinguir o processo por incompetência. Nesse caso, a Justiça Comum é o caminho, mesmo sendo mais lenta. Essa análise depende da complexidade da prova que precisamos produzir.

Aplicamos também a tese do Desvio Produtivo do Consumidor. Essa teoria jurídica, já amplamente aceita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), defende que o tempo vital do consumidor é um bem precioso. O tempo que você perdeu em ligações intermináveis, filas de atendimento presencial e angústia para resolver um problema criado pela empresa deve ser indenizado. Não estamos falando apenas do aborrecimento. Estamos falando de tempo de vida desperdiçado para consertar a incompetência alheia. Isso tem valor econômico e deve ser reparado.

A Reparação Integral: Indo Além do Mero Cancelamento da Dívida

Você não quer apenas deixar de pagar o que não deve. Você merece ser ressarcido pelos danos sofridos. Se você, por medo do corte, pagou a fatura abusiva, temos o direito de pedir a repetição do indébito. O parágrafo único do artigo 42 do CDC é claro. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso. Não é apenas a devolução simples. É a devolução em dobro, acrescida de correção monetária e juros legais, salvo se houver engano justificável, o que raramente se aplica a erros sistêmicos das concessionárias.

O dano moral ganha contornos especiais quando ocorre o corte de energia. A jurisprudência entende que a suspensão indevida de serviço essencial gera dano moral in re ipsa. Isso significa que o dano é presumido. Você não precisa provar que sofreu, chorou ou ficou humilhado. O simples fato de ficar sem luz por um erro da empresa já configura a ofensa à sua dignidade e gera o dever de indenizar. Os valores variam conforme o tribunal e o tempo que você ficou sem serviço. Mas servem como uma sanção pedagógica para a empresa.

Lembre-se sempre que a responsabilidade das concessionárias é objetiva. Isso está na Constituição Federal, artigo 37, §6º. Não precisamos provar que o funcionário agiu com intenção de prejudicar ou com negligência. Basta provar o fato (a cobrança errada), o dano (o prejuízo financeiro ou moral) e o nexo causal (a ligação entre um e outro). A empresa responde pelos riscos da sua atividade. Se o sistema deles falhou, se o medidor deu defeito ou se o funcionário errou o dedo na hora de digitar. O problema é deles, não seu.

Quadro Comparativo: Escolhendo sua Batalha

Para facilitar sua visualização das opções que temos na mesa, preparei este comparativo entre as vias de resolução.

CaracterísticaVia Administrativa (Ouvidoria/Procon)Via Judicial (Ação Declaratória + Indenização)
Objetivo PrincipalTentativa de acordo e retificação da fatura.Anulação da dívida, liminar e indenização.
Custo InicialZero. Apenas tempo e paciência.Variável (Custas processuais se não houver gratuidade).
Poder de CoerçãoBaixo. As empresas frequentemente ignoram.Alto. Decisões judiciais têm força de lei e multas.
Possibilidade de IndenizaçãoQuase nula. Apenas devolvem o cobrado a mais.Alta. Inclui danos morais e repetição em dobro.
Tempo de ResoluçãoCurto (dias ou semanas), mas com baixa efetividade.Médio/Longo (meses ou anos), mas com solução definitiva.
Necessidade de AdvogadoNão é obrigatória, mas recomendável para instrução.Essencial para garantir a técnica jurídica adequada.

Espero que essa explicação tenha iluminado o caminho jurídico que podemos trilhar. A lei é dura, mas ela está, neste caso, ao lado do consumidor vulnerável. Reúna suas faturas, anote os protocolos e não aceite pagar pelo que você não consumiu. A justiça serve para reequilibrar essas forças

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