Você já parou para pensar que aquele período em que você serviu à Pátria pode ser a chave para adiantar a sua aposentadoria ou aumentar o valor que você recebe mensalmente. Muitos clientes chegam ao meu escritório achando que o tempo de caserna é apenas uma memória distante ou uma história para contar aos netos.
A realidade jurídica é bem diferente e muito mais vantajosa para o seu bolso. O tempo que você passou no serviço militar, seja ele obrigatório ou voluntário, é considerado tempo de serviço efetivo pela legislação previdenciária brasileira. Isso não é um favor do governo. É um direito adquirido seu.
Vamos conversar francamente sobre como transformar esse período em vantagem previdenciária. Vou lhe explicar os detalhes técnicos sem juridiquês desnecessário, mas com a precisão que um processo administrativo exige. Pegue seu café e vamos analisar o seu caso.
A Natureza Jurídica e a Importância da Averbação
O instituto da averbação não é apenas um carimbo em um papel velho. Trata-se de um ato administrativo complexo que reconhece um direito preexistente. Quando falamos de serviço militar, estamos lidando com uma obrigação imposta pelo Estado que, em contrapartida, deve gerar proteção social.
O fundamento constitucional da contagem de tempo
A nossa Constituição Federal é clara ao proteger o trabalhador e o segurado da previdência social. O legislador constituinte teve o cuidado de garantir que o tempo de serviço militar fosse computado para fins de aposentadoria. Isso significa que a lei maior do país equipara o tempo que você passou “batendo continência” ao tempo que um operário passa na fábrica ou um contador no escritório.
Essa garantia constitucional impede que o INSS ou qualquer órgão de regime próprio negue a validade desse período, desde que devidamente comprovado. Você precisa entender que a Constituição está acima de qualquer instrução normativa interna do INSS. Se a norma interna criar embaraço, ela é inconstitucional. O seu direito nasce na Constituição e a administração pública apenas o formaliza.
Muitos advogados inexperientes esquecem de citar a base constitucional em seus requerimentos. Isso é um erro crasso. Ao fundamentar o pedido na Constituição, blindamos o seu direito contra mudanças legislativas menores ou interpretações restritivas de servidores públicos mal informados. O tempo militar é tempo de serviço público federal para todos os efeitos legais.
O conceito de contagem recíproca entre regimes
Aqui entramos em um terreno que exige atenção máxima. A contagem recíproca é a possibilidade de pegar o tempo de um regime e levar para outro. Imagine que você serviu ao Exército (regime militar/federal) e depois foi trabalhar em uma empresa privada (Regime Geral – INSS). Ou então, serviu ao Exército e depois passou num concurso público (Regime Próprio).
O sistema previdenciário brasileiro permite que esses tempos conversem entre si. Você não perde o tempo do quartel só porque foi para a iniciativa privada. O princípio da contagem recíproca assegura que o tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada sejam somados. No entanto, essa soma não é automática. O sistema não adivinha que você serviu.
É necessária a averbação expressa. Você precisa provocar a administração para que ela faça essa compensação financeira entre os sistemas. Sem esse pedido formal, o tempo fica num limbo jurídico, existindo de fato, mas não produzindo efeitos de direito. É como ter dinheiro no banco e não ter a senha do cartão. O recurso está lá, mas você não usa.
A distinção entre tempo de contribuição e tempo de serviço
Essa é uma daquelas pegadinhas que derrubam muitos processos. Antigamente, falávamos muito em “tempo de serviço”. Hoje, a regra geral é “tempo de contribuição”. Mas onde entra o serviço militar obrigatório, onde muitas vezes não houve recolhimento previdenciário formal nos moldes de uma empresa?
A legislação equipara o serviço militar ao tempo de contribuição. Mesmo que você não tenha pago uma guia de previdência naquela época, o Estado assume essa responsabilidade ficta. Para a lei, o tempo de serviço militar conta como tempo de contribuição para a aposentadoria por tempo de contribuição e também para a aposentadoria por idade.
O ponto crucial aqui é a prova. Enquanto o tempo de contribuição comum é provado pelos recolhimentos no CNIS, o tempo de serviço militar é provado pelo exercício da atividade. A natureza da prova muda. Não buscamos comprovantes de pagamento, buscamos comprovantes de que você estava à disposição das Forças Armadas. É uma distinção técnica sutil, mas que muda toda a documentação que precisamos reunir.
O Procedimento Administrativo e a Prova Material
Agora que você entendeu a teoria, vamos para a prática de balcão. Como transformamos o conceito em realidade? O processo administrativo previdenciário tem seus rituais e ignorá-los é pedir para ter o benefício negado. A burocracia é chata, mas é ela que garante a segurança do ato.
A indispensabilidade do Certificado de Reservista
O documento rei neste processo é o Certificado de Reservista. Parece óbvio, mas a quantidade de pessoas que perderam esse documento ou possuem uma via ilegível é assustadora. Sem o original ou uma cópia autenticada legível, o INSS não vai averbar nada. O servidor precisa ver as datas de incorporação e desincorporação com clareza absoluta.
Se você perdeu, o primeiro passo não é ir ao INSS. É ir à Junta de Serviço Militar (JSM) mais próxima e pedir uma segunda via ou uma Certidão de Tempo de Serviço Militar. Esse documento deve conter o início e o fim do serviço. Não adianta levar apenas a foto de farda ou declarações de amigos. O Direito Previdenciário trabalha com prova material documental.
Outro ponto importante é verificar se há anotações de tempo que não contam, como períodos de deserção ou licenças não remuneradas. O certificado detalha tudo isso. O INSS vai descontar qualquer dia que você não tenha estado efetivamente em serviço ou à disposição. Por isso, analise o documento antes de apresentá-lo. Se houver erro na data, retifique na Junta Militar antes de levar ao INSS.
O processo de retificação do CNIS
O CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais) é o coração da sua aposentadoria. É um extrato gigante com toda a sua vida laboral. O problema é que o serviço militar quase nunca aparece lá automaticamente. O sistema das Forças Armadas não é integrado em tempo real com o banco de dados do INSS para registros antigos.
Você terá que pedir a “Retificação de CNIS”. Esse é um serviço específico. Você abre um requerimento, junta o Certificado de Reservista e pede a inclusão do vínculo. O servidor do INSS vai criar um vínculo fictício no sistema com a data de início e fim que consta no seu documento militar.
Cuidado com o indicador de pendência que pode surgir após a averbação. Às vezes o sistema acusa “vínculo extemporâneo”, o que significa que foi inserido fora do prazo. Você deve monitorar o processo até que a pendência suma e o tempo esteja “limpo” no extrato. Só depois de o CNIS estar correto é que você deve pedir a aposentadoria. Pedir o benefício com o CNIS errado é garantia de dor de cabeça.
A emissão de certidão para Regimes Próprios (RPPS)
Se o seu objetivo é usar o tempo militar para se aposentar como servidor público (seja professor, policial, analista), o caminho muda. O INSS não averba tempo para regime próprio diretamente. Você precisará de uma Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) ou levar o documento militar diretamente ao órgão de RH do seu serviço público.
No caso do serviço militar, como é um tempo federal, geralmente a averbação é feita apresentando o certificado original no próprio departamento de recursos humanos do órgão onde você trabalha hoje. Eles fazem um processo administrativo interno de averbação nos assentamentos funcionais do servidor.
Fique atento à duplicidade. Você não pode usar esse tempo no INSS e no Regime Próprio ao mesmo tempo. É um ou outro. Se você averbar no Estado para ganhar um anuênio ou triênio, esse tempo fica “preso” lá. O planejamento previdenciário deve definir onde esse tempo vale mais dinheiro: na sua aposentadoria do INSS ou na do serviço público.
Reflexos Financeiros e Planejamento Previdenciário
Chegamos à parte que você mais gosta: o resultado financeiro. Direito não é apenas sobre justiça abstrata, é sobre garantir sua subsistência com dignidade. A averbação correta pode significar a diferença entre um benefício de salário mínimo e um benefício próximo ao teto, dependendo do seu histórico.
O impacto direto no Fator Previdenciário e coeficientes
Antes da Reforma da Previdência de 2019, o Fator Previdenciário era o terror de muitos. Ele reduzia o valor de quem se aposentava cedo. Ao adicionar um ou dois anos de serviço militar, você aumentava seu tempo de contribuição. Isso aumentava o fator, reduzindo o prejuízo financeiro.
Nas regras atuais, o tempo de contribuição influencia a porcentagem da média salarial que você vai receber. A regra geral começa com 60% e aumenta 2% a cada ano que excede 20 anos de contribuição (para homens). Aquele ano no exército pode ser exatamente o ano que faltava para pular de 60% para 62% ou mais.
Matematicamente falando, cada mês conta. Um ano de serviço militar não é apenas tempo, é coeficiente de cálculo. Em uma aposentadoria que dura 20 ou 30 anos, essa pequena diferença percentual soma milhares de reais ao longo da vida. Não subestime o poder dos juros compostos e da correção monetária sobre um benefício calculado corretamente desde o início.
A antecipação da data de aposentadoria
O tempo é o ativo mais valioso que temos. Averbar o tempo militar pode antecipar sua aposentadoria em um ano ou mais. Se você serviu por 12 meses, você se aposenta um ano mais cedo. Isso significa receber 13 salários (12 meses + 13º) a mais na sua vida do que receberia se esperasse.
Para quem está nas regras de transição da Reforma da Previdência, como a regra do pedágio de 50% ou 100%, o tempo militar é ouro. Muitas vezes o cliente precisa pagar um pedágio de tempo que falta. O tempo militar abate esse saldo devedor, permitindo que você entre na regra de transição imediatamente.
Imagine que falta 1 ano para você atingir a regra do pedágio. Sem a averbação, você trabalha mais um ano. Com a averbação do tempo de exército, você pode requerer o benefício hoje. A economia de não ter que pagar INSS por mais um ano e já começar a receber é uma vantagem dupla no seu fluxo de caixa pessoal.
O serviço militar na revisão de benefícios concedidos
E se você já se aposentou e esqueceu de averbar? Nem tudo está perdido. Existe a possibilidade de revisão do ato de concessão. Se você já recebe benefício, podemos pedir uma revisão para incluir esse tempo. Isso gera um recálculo da Renda Mensal Inicial (RMI).
O INSS terá que pagar a diferença dos últimos 5 anos (prescrição quinquenal). Você recebe os “atrasados”. Muitas vezes, essa bolada é significativa. O processo de revisão é administrativo, mas pode virar judicial se o INSS negar.
Contudo, é preciso fazer os cálculos antes. Em casos raros, adicionar tempo pode alterar o divisor do cálculo da média de formas inesperadas (dependendo da época da concessão). Um advogado previdenciarista deve simular o novo valor antes de protocolar o pedido. A regra é: nunca peça revisão sem ter certeza absoluta de que o valor vai aumentar.
As Armadilhas Processuais e a Estratégia de Defesa
Como profissional que atua na trincheira do direito, vejo clientes perderem direitos por erros bobos. O sistema é impiedoso com quem cochila. Vou listar as armadilhas mais comuns para que você não seja mais uma estatística de indeferimento.
O perigo da averbação em duplicidade
Como mencionei brevemente, o tempo de serviço militar é único. Você não pode usá-lo para se aposentar no INSS e depois usar o mesmo período para se aposentar num regime próprio de prefeitura ou estado. Isso é fraude e gera a obrigação de devolver o dinheiro recebido indevidamente.
O sistema de cruzamento de dados do governo está cada vez mais eficiente. O Tribunal de Contas cruza aposentadorias de regimes diferentes. Se detectarem o uso duplo, cortam o benefício e abrem processo administrativo disciplinar (se você for servidor) ou cobrança judicial.
A estratégia aqui é a escolha consciente. Faça o planejamento. Onde esse tempo me dá mais retorno? Se a aposentadoria do INSS for limitada ao teto e a do serviço público for integral, obviamente vale mais a pena levar o tempo para o serviço público. A decisão é matemática e estratégica, não emocional.
A prescrição e a decadência na revisão do ato
No direito, o tempo que dá o direito também é o tempo que tira o direito. Existe um prazo decadencial de 10 anos para revisar atos de concessão de benefício previdenciário. Se você se aposentou há 12 anos e descobriu hoje que poderia ter usado o tempo militar, infelizmente, o direito de revisar decaiu.
Você perdeu a chance de alterar a forma de cálculo inicial. A decadência é a morte do direito de revisão. Por isso a urgência é sua amiga. Assim que se aposentar, ou melhor, antes de se aposentar, verifique toda a documentação.
Para averbação pura e simples (sem ser revisão de benefício já concedido), não há prazo decadencial. Você pode averbar a qualquer momento antes da aposentadoria. Mas para corrigir um benefício errado, o relógio dos 10 anos está correndo. Não deixe para resolver isso “quando der tempo”.
O indeferimento administrativo e a via judicial
O INSS nega pedidos. É a rotina da autarquia. Muitas vezes negam porque o servidor não entendeu a letra do Certificado de Reservista ou porque o sistema deu erro. Um indeferimento administrativo não é o fim da linha. É apenas o começo da fase judicial.
Na Justiça Federal, a análise é feita por um juiz, e temos mais liberdade para produzir provas. Se o documento militar estiver rasurado, podemos pedir ofício ao Exército. A via judicial costuma ser mais técnica e menos burocrática que a via administrativa em termos de análise de mérito.
Não tenha medo de processar o INSS se você tiver o direito. Os tribunais têm jurisprudência pacífica sobre o reconhecimento do tempo militar. O ônus da sucumbência (pagar advogado do INSS) existe, mas em causas previdenciárias de valor menor (Juizado Especial), o risco é baixo. A persistência é a marca do vencedor em direito previdenciário.
Quadro Comparativo de Institutos de Averbação
Para consolidar seu entendimento, preparei um quadro comparativo entre a Averbação de Tempo Militar e outros dois tipos comuns de averbação que geram confusão.
| Característica | Averbação de Tempo Militar | Averbação de Tempo Rural (Economia Familiar) | Averbação de Tempo Especial (Insalubridade) |
| Documento Principal | Certificado de Reservista ou Certidão da JSM. | Autodeclaração, documentos de terra, notas fiscais antigas. | Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e Laudo Técnico (LTCAT). |
| Custo de Contribuição | Isento (o tempo conta sem necessidade de indenização financeira). | Geralmente isento para segurado especial antes de 1991; após, exige indenização. | Não exige pagamento extra, mas exige prova da exposição a agentes nocivos. |
| Vantagem Principal | Aumenta o tempo total de forma direta (1 dia = 1 dia). | Permite computar tempo trabalhado desde os 12 anos de idade em alguns casos. | Pode converter tempo especial em comum com acréscimo (ex: homem ganha 40% a mais no tempo). |
| Risco Comum | Documento ilegível ou perda do original. | INSS não reconhecer a atividade como subsistência. | Empresa ter fechado e não fornecer o PPP. |
Meu caro, espero que essa conversa tenha iluminado o caminho para sua aposentadoria. O tempo que você dedicou ao serviço militar é valioso e deve ser tratado com o respeito jurídico que merece. Não deixe dinheiro na mesa por falta de informação ou preguiça burocrática. Reúna seus documentos, analise seu CNIS e faça valer o seu direito. Se tiver dúvidas complexas, procure sempre um especialista para desenhar o melhor cenário para o seu futuro.
