BPC/LOAS: Segredos para comprovar a miserabilidade e a deficiência na prática
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BPC/LOAS: Segredos para comprovar a miserabilidade e a deficiência na prática

Você provavelmente já ouviu falar que o direito não socorre aos que dormem. Essa máxima latina, tão repetida nos corredores das faculdades de direito, nunca foi tão verdadeira quanto no universo do Benefício de Prestação Continuada. Estamos lidando com a sobrevivência de pessoas em estado de vulnerabilidade extrema e o INSS, infelizmente, atua muitas vezes como um guardião rigoroso do cofre público e não como um garantidor de direitos sociais. Entender a fundo como comprovar a miserabilidade e a deficiência não é apenas burocracia. É uma questão de dignidade humana e justiça social, ao escolher um curso de direito previdenciário

Quando recebemos um cliente no escritório buscando o amparo da LOAS, a Lei Orgânica da Assistência Social, precisamos despir a beca da formalidade excessiva e olhar para a realidade nua e crua daquela família. Não basta preencher formulários. O segredo do sucesso administrativo ou judicial reside na construção probatória robusta. Você precisa provar que aquela pessoa não possui meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. E essa prova, meu caro, exige estratégia, conhecimento técnico e uma dose de sensibilidade para enxergar detalhes que passam despercebidos na análise fria de um servidor da autarquia.

Neste diálogo franco que teremos agora, vou compartilhar com você o que a prática da advocacia previdenciária me ensinou após anos de batalhas nos tribunais e nas agências da Previdência. Vamos fugir do óbvio. Não vou apenas recitar a lei para você. Vamos dissecar como o sistema funciona por dentro e como você pode utilizar as ferramentas jurídicas corretas para garantir que o benefício seja concedido. Prepare-se para entender a hipossuficiência econômica e o impedimento de longo prazo como nunca lhe ensinaram antes.

O Cenário Geral do Benefício Assistencial

O Benefício de Prestação Continuada não é uma aposentadoria, embora muitos clientes cheguem ao escritório usando esse termo equivocadamente. É fundamental esclarecer desde o início que estamos tratando de um benefício de natureza assistencial, gerido pelo INSS, mas pago com recursos do Tesouro Nacional. Isso significa que ele não depende de contribuição prévia. O fato de o seu cliente nunca ter pago uma guia da previdência não o desqualifica. O que está em jogo aqui é a solidariedade social prevista na nossa Constituição Federal de 1988.

A natureza jurídica do BPC é garantir um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção. Parece simples na teoria, mas a prática é um campo minado. O benefício é personalíssimo e intransferível, o que significa que ele não gera pensão por morte e não dá direito ao décimo terceiro salário. Entender essas limitações é o primeiro passo para alinhar as expectativas e focar no que realmente importa: a concessão imediata para suprir a necessidade alimentar urgente.

Muitos advogados iniciantes cometem o erro crasso de tratar o BPC como se fosse um benefício por incapacidade comum, focando apenas na doença. Esquecem que esse benefício possui dois pilares de sustentação obrigatórios. Se um deles ruir, todo o processo desmorona. Você precisa sustentar o pilar da deficiência (ou idade) e o pilar da miserabilidade simultaneamente. Se provar que a pessoa está acamada, mas a renda familiar per capita for alta para os padrões legais, o benefício será negado. Se provar a miséria absoluta, mas a perícia não constatar impedimento de longo prazo, será negado. O equilíbrio desses dois pratos da balança é a arte da nossa atuação.

O Requisito Econômico e a Luta pela Miserabilidade

A comprovação da miserabilidade é, sem dúvida, o ponto mais controverso e litigioso deste benefício. A lei estabelece um critério objetivo que, à primeira vista, parece intransponível. No entanto, a realidade social brasileira é muito mais complexa do que uma simples operação matemática. O advogado astuto sabe que a análise da condição socioeconômica deve ir além dos números frios apresentados no sistema do INSS. É preciso retratar a vida como ela é, com todas as suas carências e dificuldades.

A armadilha do 1/4 do salário mínimo e a inconstitucionalidade

A Lei 8.742/93 definiu originalmente que a família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso é aquela cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Esse critério é extremamente restritivo e defasado. O INSS, na via administrativa, segue essa régua com uma rigidez quase cega. Se a conta der um centavo a mais, o robô do INSS indefere o pedido automaticamente. É frustrante, mas é o modus operandi da autarquia. Você precisa estar preparado para esse indeferimento inicial e já vislumbrar a batalha judicial.

O Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade desse critério fixo, entendendo que ele não pode ser a única forma de aferir a miserabilidade. O Judiciário adota o conceito de miserabilidade relativa. Isso significa que, mesmo que a renda ultrapasse ligeiramente o limite de 1/4, o juiz pode conceder o benefício se ficar comprovado, por outros meios, que a família vive em estado de vulnerabilidade social. O critério numérico é apenas um indício, não uma sentença final. É aqui que entra o seu trabalho de demonstrar o “estado de necessidade” real.

Na prática jurídica, trabalhamos com a tese de que a renda per capita de até meio salário mínimo ainda pode caracterizar a vulnerabilidade, dependendo do caso concreto. Existem diversas decisões e até legislações esparsas (como a do Auxílio-Inclusão) que aceitam tetos maiores. O segredo é não se deixar paralisar pela negativa administrativa baseada na matemática simples. O seu recurso ou a sua petição inicial deve atacar frontalmente a insuficiência desse critério para medir a dignidade daquela família específica.

O conceito de Grupo Familiar para fins previdenciários

Outro ponto onde muitos perdem a causa é na definição de quem compõe o grupo familiar. Para o INSS, o grupo familiar é restrito: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Perceba a expressão “sob o mesmo teto”. Pessoas que moram no mesmo terreno, mas em casas separadas (o famoso puxadinho), não devem ter suas rendas somadas.

É comum o INSS tentar incluir a renda de um tio, de um avô ou de um irmão casado que mora na casa ao lado para inflar a renda per capita e negar o benefício. Você deve ser cirúrgico na hora de preencher o CadÚnico e instruir o cliente. Se as economias são separadas, se os relógios de luz são distintos ou se há uma clara divisão de núcleos familiares, isso deve ser respeitado. A coabitação não presume, necessariamente, a confusão patrimonial ou a obrigação alimentar de parentes que a lei não elenca no rol taxativo do artigo 20 da LOAS.

Existem situações ainda mais específicas que jogam a favor do seu cliente. Por exemplo, a renda proveniente de outro BPC recebido por um idoso ou deficiente da mesma família não entra no cálculo. Da mesma forma, benefícios previdenciários de até um salário mínimo recebidos por idosos acima de 65 anos ou deficientes também devem ser excluídos do cálculo da renda familiar. O sistema do INSS muitas vezes não faz essa exclusão automaticamente. Cabe a você, operador do direito, apontar essa falha e exigir o recálculo correto da renda per capita.

A importância vital do CadÚnico atualizado

O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) é a porta de entrada obrigatória. Sem ele, não há nem como protocolar o pedido. Mas o erro não está em não ter o cadastro, e sim em tê-lo desatualizado ou preenchido de forma equivocada. As informações constantes no CadÚnico têm presunção de veracidade e cruzam dados com outras bases do governo, como o CNIS. Se o cliente declarou há dois anos que o marido trabalhava fazendo bicos e ganhava mil reais, mas hoje ele está desempregado, essa informação antiga vai derrubar o pedido.

A instrução ao cliente deve ser clara: antes de pedir o benefício, vá ao CRAS e atualize o CadÚnico. A realidade fática do momento do requerimento deve estar espelhada no sistema. Qualquer divergência entre o que é dito na entrevista social do INSS e o que está no CadÚnico gera suspeita de fraude ou ocultação de renda. O advogado deve analisar o espelho do CadÚnico antes de qualquer movimento processual. É um documento técnico que serve de prova documental pré-constituída da composição familiar e da renda declarada.

Além da renda, o CadÚnico traz informações sobre as condições de moradia, acesso a saneamento básico e despesas. Esses dados são fundamentais para o assistente social analisar o contexto de vida. Uma casa sem reboco, sem esgoto tratado ou em área de risco conta pontos a favor da caracterização da vulnerabilidade social. O CadÚnico é o mapa da pobreza daquela família. Trate-o com a seriedade de uma prova pericial. Um cadastro bem feito é meio caminho andado para a concessão administrativa ou para facilitar a prova judicial.

A Prova da Deficiência e o Impedimento de Longo Prazo

Superada a barreira econômica, entramos no terreno da saúde. Mas cuidado: BPC não é auxílio-doença. O conceito de deficiência para a LOAS evoluiu muito e se afastou do modelo biomédico puro para abraçar o modelo biopsicossocial. Isso significa que não basta ter uma doença grave. É preciso provar que essa condição impõe barreiras que, em interação com o ambiente, impedem a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Essa mudança de paradigma é sutil, mas define o resultado do processo.

Diferenciando doença de deficiência na visão da lei

Um cliente pode ter hérnia de disco e estar incapaz para o trabalho braçal, o que lhe daria direito ao auxílio-doença se tivesse qualidade de segurado. Para o BPC, essa mesma hérnia precisa gerar um impedimento de longo prazo (mínimo de 2 anos) e criar barreiras sociais. A lógica não é apenas a incapacidade laborativa, mas a desvantagem social. Uma criança com autismo, por exemplo, não trabalha, mas tem direito ao BPC não porque é “incapaz”, mas porque sua condição impõe barreiras de aprendizado, comunicação e interação que a colocam em desvantagem em relação às outras crianças.

O advogado deve modular a narrativa. Ao invés de focar apenas na dor ou no sintoma, foque no que o cliente não consegue fazer por causa da condição. Ele não consegue pegar um ônibus sozinho? Não consegue gerir o próprio dinheiro? Precisa de ajuda para higiene pessoal? Sofre estigma ou preconceito que impede sua contratação? Essas são as perguntas que a perícia biopsicossocial quer responder. A doença é o fato gerador, mas as barreiras são o objeto da prova.

É vital explicar ao cliente essa distinção. Muitas vezes o perito médico do INSS nega o benefício dizendo “apto para o trabalho”. Isso é um erro técnico grave quando falamos de pessoas com deficiência sob a ótica da Lei Brasileira de Inclusão. O perito deve analisar a funcionalidade global, não apenas a capacidade de apertar um parafuso. Se o laudo vier focado apenas na capacidade laboral, ele deve ser impugnado por cerceamento de defesa e por não seguir o protocolo da avaliação biopsicossocial exigido pela legislação vigente.

A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF)

A base técnica de toda essa avaliação é a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde). Enquanto a CID (Classificação Internacional de Doenças) diz o que a pessoa tem, a CIF diz como a pessoa vive com o que tem. Os peritos utilizam domínios da CIF para pontuar as limitações. Esses domínios incluem mobilidade, comunicação, cuidados pessoais, vida doméstica, e interações interpessoais. O advogado previdenciarista de elite estuda a CIF para formular quesitos que obriguem o perito a pontuar corretamente cada domínio.

Se o seu cliente tem esquizofrenia, a limitação física pode ser zero. Ele anda, corre e levanta peso. Mas o domínio das “interações interpessoais” e “cuidados pessoais” pode estar gravemente comprometido. Se o perito ignorar isso e focar no físico, o benefício será negado. Você deve conduzir o olhar do julgador para os códigos da CIF que são relevantes para aquela patologia específica. Demonstrar que a estrutura do corpo está preservada, mas a função e a participação estão aniquiladas.

A aplicação correta da CIF é o que permite, por exemplo, que pessoas com visão monocular ou com HIV (mesmo assintomáticos, mas sofrendo estigma social severo) consigam o benefício. O foco sai da biologia e vai para a sociologia da deficiência. Utilize termos da CIF nas suas petições. Fale em “barreiras urbanísticas”, “barreiras atitudinais” e “restrição de participação”. Isso demonstra domínio técnico e força o Judiciário a analisar o caso sob a lente correta.

Documentação médica indispensável para o processo

Nenhum argumento jurídico salva uma instrução probatória deficiente de documentos médicos. Mas não serve qualquer atestado. Atestados de “comparecimento” ou aqueles genéricos de “encontra-se em tratamento” são inúteis para o BPC. O laudo médico ideal deve conter: o diagnóstico com CID, o histórico da evolução da doença, as terapias tentadas e, crucialmente, a data de início da incapacidade ou da doença e o prognóstico. O perito precisa saber se aquilo vai durar mais de dois anos.

Além dos laudos, o prontuário médico completo é uma arma poderosa. Ele conta a história do sofrimento do cliente. Receitas de medicamentos de uso contínuo, exames de imagem e relatórios de internamentos compõem o dossiê. Para casos de deficiência intelectual ou transtornos mentais, relatórios da escola (para crianças) ou de centros de atenção psicossocial (CAPS) são ouro. O relatório escolar que descreve que a criança não acompanha a turma e precisa de monitor exclusivo vale mais que um raio-x.

Instrua seu cliente a criar o hábito de guardar papel. No direito previdenciário, quem tem papel tem poder. Se o cliente faz uso de fraldas, sonda ou oxigênio, precisamos de laudos que prescrevam esses insumos. Isso não só prova a gravidade da doença como servirá, mais à frente, para abater esses gastos do cálculo da renda familiar, como veremos no próximo tópico. A documentação deve ser cronológica e organizada, facilitando a vida do perito e do juiz que vai folhear os autos.

Estratégias Processuais para Flexibilizar a Renda

Chegamos agora aos segredos que separam os amadores dos especialistas. Quando a renda ultrapassa o limite legal, a maioria desiste. O especialista, no entanto, sabe que a renda líquida real disponível é o que importa. A estratégia aqui é “limpar” a renda bruta, deduzindo gastos essenciais que o Estado deveria prover, mas não provê, obrigando a família a gastar o pouco que tem para manter a vida do deficiente ou do idoso.

O abatimento de despesas médicas e medicamentos

A legislação e a jurisprudência permitem que sejam deduzidos da renda familiar os gastos com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis e consultas na área da saúde, desde que não sejam fornecidos gratuitamente pelo SUS. Para aplicar essa técnica, você precisa comprovar duas coisas: a necessidade médica (através da prescrição) e o efetivo desembolso (através de notas fiscais) e a negativa do SUS em fornecer.

É vital juntar as notas fiscais mensais no processo. Se a família gasta trezentos reais por mês com remédios que não estão na farmácia popular, esse valor deve ser subtraído da renda total antes de dividir pelo número de membros. Muitas vezes, essa subtração é o suficiente para enquadrar a família novamente no critério de miserabilidade. Não despreze recibos de fisioterapia, fonoaudiologia ou transporte para tratamento médico em outra cidade. Tudo isso compõe o custo da deficiência.

Essa estratégia transforma a análise matemática fria em uma análise de subsistência real. Se a família ganha dois salários mínimos, mas gasta um e meio com a saúde do deficiente, a renda disponível para alimentação e moradia é de apenas meio salário. Eles são, na prática, miseráveis, apesar da renda nominal. O advogado deve apresentar uma planilha de cálculo na petição inicial, mostrando explicitamente a renda bruta, as deduções legais e a renda líquida final, facilitando o trabalho do juiz.

A utilização do Tema 187 da TNU a seu favor

O advogado deve ter o Tema 187 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) na ponta da língua. Ele consolidou o entendimento de que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser flexibilizado. O tema diz que a análise da miserabilidade deve ser global, considerando as condições pessoais e sociais. Isso é a chave mestra para abrir as portas do benefício quando a calculadora diz “não”.

Citar o Tema 187 não é apenas uma formalidade; é um argumento de autoridade. Ele obriga o juiz a analisar outros fatores além da renda, como a condição do imóvel, a ajuda de terceiros e o nível de endividamento da família. Use esse precedente para pedir, em sede de instrução, que o oficial de justiça ou assistente social verifique in loco essas condições que a renda bancária não mostra.

Além da TNU, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também possui entendimento pacificado no mesmo sentido. A construção da sua peça deve amarrar os fatos do cliente (a vida difícil) com essas teses jurídicas (a flexibilização). Mostre que negar o benefício com base apenas na renda, ignorando o Tema 187, é uma afronta à jurisprudência uniformizada e gera nulidade da sentença.

A prova testemunhal para demonstrar vulnerabilidade social

Documentos são ótimos, mas testemunhas dão vida ao processo. A prova testemunhal é fundamental para corroborar o estado de miserabilidade e a dependência econômica. Vizinhos, líderes comunitários ou professores podem relatar como a família sobrevive: se recebem cestas básicas da igreja, se os vizinhos pagam a conta de luz, se a criança vai para a escola com roupas doadas. Esses relatos fáticos demonstram a falência da capacidade financeira do núcleo familiar.

A testemunha não serve para provar doença (isso é com o médico), mas serve para provar a miséria e a barreira social. Elas podem confirmar que o idoso vive isolado, que a casa não tem móveis adequados ou que a família escolhe entre comprar remédio ou comida. Prepare suas testemunhas para falarem sobre a rotina e as privações. Perguntas como “quem compra a comida?”, “vocês ajudam com dinheiro?”, “como é a casa por dentro?” são essenciais na audiência.

O juiz, ao ouvir de uma testemunha que a família cozinha com lenha porque não tem dinheiro para o gás, sensibilidade-se muito mais do que lendo uma declaração de pobreza. A audiência de instrução e julgamento é o palco onde a realidade social é encenada. Não abra mão de produzir essa prova, especialmente nos casos onde a renda beira o limite legal. A prova oral muitas vezes é o fiel da balança que inclina a decisão para a concessão da tutela de urgência.

A Batalha das Perícias: Médica e Social

O momento da verdade no processo de BPC ocorre nas perícias. São dois exames distintos: a perícia médica e a avaliação social. O sucesso depende de uma atuação proativa do advogado antes, durante e depois desses eventos. Não basta mandar o cliente ir lá e esperar o resultado. É preciso prepará-lo psicologicamente e tecnicamente para enfrentar esses examinadores.

Como instruir o cliente para o momento da perícia médica

O cliente deve ser instruído a não simular, mas também a não ser herói. Muitos idosos, por orgulho, chegam ao médico dizendo que “está tudo bem”, que “fazem tudo em casa”. Isso é fatal. O cliente precisa relatar suas piores dores e suas maiores dificuldades. Se ele tem dias bons e dias ruins, ele deve descrever os dias ruins. A perícia é uma fotografia de um momento, e precisamos garantir que essa foto revele a incapacidade.

Oriente o cliente a levar todos os exames originais no dia. Ele deve ser objetivo nas respostas, focando nas limitações. “Doutor, eu não consigo me vestir sozinho”, “eu caio na rua”, “eu esqueço o fogão ligado”. Exemplos práticos da vida diária valem mais que termos técnicos que o cliente mal sabe pronunciar. A vestimenta também comunica. Não é para ir fantasiado de mendigo, mas ir com as melhores roupas de domingo pode passar uma falsa impressão de bonança econômica que não condiz com a realidade.

Explique que o perito do INSS ou da Justiça muitas vezes tem poucos minutos por paciente. O cliente deve ser direto ao ponto. A queixa principal deve ser falada logo de cara. “Estou aqui porque minha coluna travou e não consigo nem varrer a casa”. Essa clareza ajuda o perito a focar no problema central e preencher o laudo de forma favorável.

O Estudo Social e a visita do assistente social

A perícia social é onde a miserabilidade é posta à prova. O assistente social vai avaliar as condições de habitabilidade e a estrutura familiar. Em muitos casos judiciais, essa avaliação é feita por oficial de justiça. Eles vão olhar os móveis, os eletrodomésticos, o estado das paredes. Instrua o cliente a receber o perito e mostrar a realidade sem vergonha. Se a geladeira está vazia, deixe-a vazia. Se há goteiras, mostre as goteiras.

Muitas famílias cometem o erro de pegar móveis emprestados ou encher a despensa com ajuda de parentes só para “receber bem” a visita. Isso é um tiro no pé. O perito vai relatar uma casa bem guarnecida e despensa cheia, concluindo pela ausência de miserabilidade. A honestidade brutal da pobreza deve ser exposta. O perito precisa ver a vulnerabilidade para poder atestá-la.

Além da casa, o assistente social fará perguntas sobre a renda e despesas. As respostas devem bater com o CadÚnico e com a petição inicial. Divergências aqui são fatais. Se o cliente disser que o filho manda 500 reais todo mês, e isso não foi declarado antes, a renda per capita sobe e o benefício cai. A coerência entre o que se diz no escritório e o que se diz na sala de casa é fundamental.

Quesitos estratégicos para o perito

Nunca, jamais deixe de apresentar quesitos. Eles são as perguntas que o perito é obrigado a responder. Quesitos genéricos do tipo “o autor tem deficiência?” são fracos. Faça quesitos vinculados à CIF e à realidade do cliente. “Considerando a patologia X, o autor apresenta barreiras para utilizar transporte público?”; “O autor necessita de supervisão de terceiros para atos da vida civil?”; “A renda declarada é suficiente para cobrir os gastos apresentados com saúde e alimentação especial?”.

Quesitos bem formulados encurralam o perito. Se ele responder “sim” para as limitações, ele praticamente defere o benefício para você. Se ele responder “não” contradizendo os documentos médicos, você tem material para impugnar o laudo e pedir uma nova perícia. Os quesitos são a voz do advogado dentro do consultório pericial.

Use a linguagem do perito. Pergunte sobre prognóstico, sobre irreversibilidade, sobre estigma. Na perícia social, pergunte se a renda per capita reflete a real condição de sobrevivência ou se há risco social evidente. Esses quesitos direcionam o olhar do expert para onde você quer: a necessidade urgente do benefício.

Comparativo Prático de Benefícios

Para finalizar, é crucial que você saiba diferenciar o BPC de outros “produtos” jurídicos similares. O cliente muitas vezes não sabe o que quer, ele só sabe que precisa de dinheiro. Cabe a você indicar o melhor caminho. Veja o quadro comparativo abaixo para visualizar as diferenças gritantes:

CaracterísticaBPC/LOASAposentadoria por InvalidezAuxílio-Doença (Incapacidade Temp.)
NaturezaAssistencial (não exige contribuição).Previdenciária (exige contribuição/qualidade de segurado).Previdenciária (exige contribuição/qualidade de segurado).
Requisito FinanceiroExige prova de miserabilidade (baixa renda).Indiferente (pode ser milionário, se estiver inválido).Indiferente.
Tipo de IncapacidadeDeficiência (barreiras de longo prazo) ou Idade.Incapacidade total e permanente para o trabalho.Incapacidade total e temporária para o trabalho.
ValorFixo em 1 Salário Mínimo.Calculado sobre a média salarial (pode ser maior que o mínimo).Calculado sobre a média salarial (91%).
13º SalárioNão paga.Paga.Paga.
Pensão por MorteNão deixa pensão.Deixa pensão aos dependentes.Deixa pensão (se convertido ou mantida a qualidade).

Entender essas distinções evita que você peça BPC para quem tem direito a uma aposentadoria (que paga mais e dá 13º) ou peça aposentadoria para quem não tem carência, gerando uma negativa desnecessária. A advocacia de precisão analisa o histórico contributivo antes de analisar a pobreza.

Espero que estas linhas tenham iluminado o caminho árduo, mas gratificante, da defesa dos direitos sociais. Lidar com BPC é lidar com a última rede de proteção antes do abismo social. Com técnica apurada, humanidade e combatividade, você não apenas ganha um processo; você coloca comida na mesa de quem tem fome. E data venia, não há honorário que pague a satisfação de ver a justiça sendo feita na vida dessas pessoas. Vamos ao trabalho!

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