Carência em Plano de Saúde: Seus Direitos Quando a Vida Não Pode Esperar
Advertisement

Carência em Plano de Saúde: Seus Direitos Quando a Vida Não Pode Esperar

Sente-se, meu caro. A situação que você me traz é uma das mais comuns e angustiantes que enfrentamos aqui no escritório. Você paga o plano de saúde religiosamente, muitas vezes com sacrifício, acreditando estar protegido. De repente, uma dor no peito, um acidente ou uma febre incontrolável te leva ao hospital. E lá, na recepção, num momento de total fragilidade, você ouve aquele termo frio e burocrático: “carência”.

É revoltante, eu sei. Mas, como seu advogado, preciso que você respire fundo agora. Vamos deixar a emoção de lado por um instante para armar a sua defesa com a lógica implacável da lei. O que os atendentes de operadoras de saúde muitas vezes não explicam — ou omitem deliberadamente — é que a tal “carência” não é um muro intransponível. A legislação brasileira, felizmente, coloca a vida humana acima de qualquer cláusula contratual de tempo.

Vamos conversar sobre isso detalhadamente. Quero que você saia daqui hoje entendendo não apenas que tem direitos, mas sabendo exatamente o porquê deles existirem e como vamos fazer para garanti-los. Preparei uma verdadeira aula para você, sem aquele “juridiquês” desnecessário, mas com a profundidade técnica que o seu caso exige.

A Natureza Jurídica da Carência e seus Limites Contratuais

Você precisa compreender primeiramente o que é a carência aos olhos do Direito. Não se trata de uma punição ao consumidor, embora pareça. Juridicamente, é um período de espera previsto em contrato para que o usuário comece a usufruir de determinados serviços. A lógica atuarial das seguradoras é evitar que alguém contrate o plano hoje apenas para fazer uma cirurgia milionária amanhã e cancele depois.

No entanto, essa proteção financeira da operadora tem um teto de validade muito claro. O contrato de adesão que você assinou é regido pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso significa que qualquer cláusula que coloque você em desvantagem exagerada é considerada nula de pleno direito. A carência existe, é legal em situações eletivas (aquelas consultas de rotina), mas ela perde a força quando nos deparamos com o imponderável.

Quando a operadora tenta aplicar os prazos gerais de carência — que podem chegar a 180 dias para internações comuns — em um momento de crise aguda de saúde, ela está cometendo um ilícito. O contrato não pode ser uma sentença de morte ou de agravamento irreversível da sua saúde. A função social do contrato de seguro saúde é justamente garantir assistência, e não negá-la quando você mais precisa.

A Distinção Técnica e Legal entre Urgência e Emergência

Muitos clientes me perguntam se existe diferença prática entre urgência e emergência. Para o médico, pode haver nuances técnicas. Para nós, operadores do direito, a Lei 9.656/98 foi muito feliz ao definir esses conceitos para blindar o paciente. É fundamental que você saiba diferenciá-los para narrar os fatos corretamente em uma eventual ação judicial.

A emergência é aquela situação que implica risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente. Estamos falando aqui do infarto, do AVC, do trauma craniano após uma queda, da apendicite supurada. É aquele momento em que cada segundo conta e a intervenção médica precisa ser instantânea para que o paciente sobreviva.

Já a urgência é definida como o resultado de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional. Veja que interessante: se você quebra a perna jogando futebol, isso é um acidente pessoal, logo, é urgência. Se uma gestante tem um sangramento imprevisto, é urgência. Em ambos os casos, a lei impõe um tratamento diferenciado quanto aos prazos de espera, ignorando aquela tabela padrão que o corretor te mostrou.

A Regra de Ouro das 24 Horas e a Lei 9.656/98

Aqui reside o coração da sua defesa. Grave bem este número: vinte e quatro horas. A Lei dos Planos de Saúde estabelece que o prazo máximo de carência para casos de urgência e emergência é de apenas 24 horas a partir da contratação. Passou um dia da assinatura do contrato? Você está coberto para salvar sua vida.

As operadoras adoram citar o prazo de 180 dias para internação. Elas dizem: “O senhor tem cobertura para a consulta no pronto-socorro, mas como tem menos de 180 dias de plano, não cobrimos a internação, cirurgia ou UTI”. Isso é uma mentira travestida de regra administrativa. A jurisprudência, que é o conjunto de decisões dos nossos tribunais, já pacificou o entendimento de que o prazo de 24 horas prevalece sobre qualquer outro.

Se a sua condição médica foi atestada pelo médico plantonista como urgência ou emergência, a carência de 180 dias cai por terra imediatamente. A recusa da operadora sob esse argumento é abusiva. Eles tentam vencer o paciente pelo cansaço ou pelo medo, forçando-o a assinar cheques-caução ou a buscar a rede pública (SUS), transferindo uma responsabilidade que é privada para o Estado.

A Ilegalidade da Limitação de Tempo de Internação

Vamos aprofundar um ponto onde a maldade das seguradoras costuma ser mais refinada. Muitas vezes, elas autorizam o atendimento inicial nas primeiras 12 horas. Elas pagam o soro, o exame de sangue e o médico do plantão. Mas, quando o relógio bate a décima segunda hora e o médico diz “ele precisa ser internado”, a operadora nega a cobertura da continuidade.

Existe até uma resolução antiga da agência reguladora que dava margem para essa interpretação, sugerindo que a responsabilidade do plano acabava após o atendimento ambulatorial de 12 horas. Esqueça isso. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 302, que diz claramente: é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita o tempo de internação hospitalar.

O tratamento deve durar o tempo que for necessário para a sua recuperação completa, e não o tempo que a tabela financeira do plano deseja. Se o médico disse que você precisa ficar na UTI por dez dias, o plano deve cobrir os dez dias. Interromper o tratamento na 12ª hora ou forçar uma transferência de um paciente instável para um hospital público é um ato ilícito gravíssimo, passível de indenização pesada.

Doenças Preexistentes e o Conflito com a Urgência

Este é um tópico delicado e que as operadoras usam como um verdadeiro escudo para negar atendimento. Quando você contrata o plano, deve declarar se possui doenças preexistentes. Se declarar, ou se o plano descobrir depois, eles impõem a chamada Cobertura Parcial Temporária (CPT), que suspende procedimentos de alta complexidade, leitos de alta tecnologia e cirurgias relacionadas àquela doença por 24 meses.

O instituto da Cobertura Parcial Temporária

A CPT é válida legalmente para procedimentos eletivos. Imagine que você tem uma hérnia de disco antiga e contrata o plano hoje. Você não poderá marcar a cirurgia da hérnia para o mês que vem. Terá que esperar os dois anos. Até aqui, tudo bem, é o equilíbrio contratual para evitar fraudes. O problema é quando essa condição preexistente gera uma emergência.

A prevalência da preservação da vida sobre prazos administrativos

Se essa sua hérnia de disco comprimir a medula de tal forma que você perca os movimentos ou sinta uma dor intratável que configure urgência, a regra do jogo muda. O Tribunal de Justiça entende majoritariamente que a situação de emergência “quebra” a barreira dos 24 meses da CPT. A vida não pode esperar dois anos. O risco iminente supera a cláusula de barreira temporal.

A responsabilidade médica na caracterização do risco imediato

Para garantir esse direito, o relatório médico é a sua arma mais potente. O médico precisa ser claro, detalhista e incisivo ao descrever o quadro clínico. Não basta escrever “paciente com dor”. Ele precisa colocar termos como “risco de morte”, “risco de lesão permanente”, “necessidade de intervenção imediata”. É esse documento que desarma o argumento da operadora de que se trata de um procedimento eletivo mascarado de urgência.

A Tutela Jurisdicional e a Reparação de Danos

Agora você me pergunta: “Doutor, e se eles negarem mesmo assim?”. É aí que nós entramos com a força do Estado-Juiz. O Poder Judiciário brasileiro tem sido extremamente sensível e ágil nessas questões de saúde. Não vamos esperar o trâmite de um processo normal que leva anos. Usaremos ferramentas processuais de velocidade.

O instrumento processual da Liminar (Tutela de Urgência)

Nós ingressamos com um pedido de “liminar”, tecnicamente chamada de Tutela de Urgência. Explicamos ao juiz que existe o fumus boni iuris (a fumaça do bom direito, ou seja, a lei está do seu lado) e o periculum in mora (o perigo da demora). Nesses casos, é comum conseguirmos uma ordem judicial em questão de horas — às vezes no mesmo dia — obrigando o plano a custear o tratamento sob pena de multa diária pesada.

A caracterização do Dano Moral pela recusa injustificada

Além de conseguir o tratamento, vamos buscar a reparação pelo sofrimento. A recusa de cobertura em momento de aflição psicológica e física ultrapassa o mero aborrecimento. Configura dano moral in re ipsa, ou seja, um dano presumido. A dor de estar numa maca, sem saber se será atendido, enquanto a família briga ao telefone com a operadora, merece uma compensação financeira pedagógica para que a empresa sinta no bolso e não repita a conduta.

O reembolso integral de despesas particulares forçadas

Se, no desespero, você ou sua família pagaram caução, assinaram notas promissórias ou custearam a internação particular para salvar a vida do paciente, nós pediremos o reembolso integral. Não aquele reembolso de tabela do plano, que paga uma miséria, mas a devolução de cada centavo gasto. Quem deu causa ao pagamento indevido foi a operadora com sua negativa ilegal, logo, ela deve restituir o status anterior do seu patrimônio.

Comparativo de Cenários de Cobertura

Para que você visualize melhor onde seu caso se encaixa, preparei este quadro comparativo simples entre tipos de contratação e a resposta legal para urgências.

CaracterísticaPlano AmbulatorialPlano HospitalarPlano Referência
Cobertura em Urgência (após 24h)Garante o atendimento nas primeiras 12 horas em ambulatório/PS.Garante a internação integral, sem limite de tempo.Garante a internação integral, sem limite de tempo.
Limitação de 12 horasLegalmente aceita, pois o plano não cobre internação por natureza.Ilegal e Abusiva. A operadora deve cobrir até a alta.Ilegal e Abusiva. Cobertura total obrigatória.
Doença Preexistente (CPT)Cobertura de urgência limitada à complexidade ambulatorial.Em emergência com risco de vida, a carência de 24 meses deve ser afastada.A carência de 24 meses cai em casos de risco de vida comprovado.

A batalha contra os planos de saúde é árdua, mas o Direito nos fornece uma armadura robusta. A regra das 24 horas é clara e soberana. Não aceite “nãos” automáticos de call centers ou recepcionistas treinados para negar. A sua saúde e a sua dignidade não são negociáveis e, se eles fecharem a porta, nós a arrombaremos com a força da lei.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Facebook Twitter Instagram Linkedin Youtube