Para vencer qualquer disputa, você precisa conhecer as regras melhor do que o seu adversário. No caso do despejo, nossa “bíblia” é a Lei do Inquilinato.[1][2][3][5][6][7][8][9][10] Mas não se preocupe, não vou ficar citando artigos sem parar. O que você precisa entender é a lógica por trás da lei.
O Que Realmente Diz a Lei (Sem “Juridiquês”)
A legislação brasileira protege muito a moradia, o que cria um mito de que o inquilino é intocável. Isso não é verdade. A lei é clara: o aluguel é a contrapartida pelo uso do imóvel. Sem pagamento, não há uso. Simples assim. O contrato de locação cria obrigações recíprocas. Você entrega o teto, ele entrega o dinheiro.
Quando essa balança desequilibra, o Estado (via Juiz) deve intervir para devolver a posse a você. O “Despejo” nada mais é do que essa ordem estatal dizendo: “O contrato acabou, saia”. A falta de pagamento é considerada uma infração grave, uma quebra de contrato que justifica a rescisão imediata. Você não precisa esperar o contrato vencer para agir. Atrasou um dia, em tese, você já poderia agir (embora na prática, tenhamos o bom senso).
É vital que você entenda que a ação de despejo tem natureza “desconstitutiva”. Ela quebra o vínculo jurídico. Enquanto você não tiver essa sentença ou uma liminar, aquele imóvel, juridicamente, ainda está na posse legítima do inquilino, mesmo que ele esteja devendo. Por isso, nunca tente retomar o imóvel na base da força ou trocando a fechadura. Isso transformaria você, a vítima, em réu.
Não é Só Aluguel: O “Pacote” da Dívida
Um erro clássico é achar que a ação só serve para cobrar o valor líquido do aluguel. Na verdade, a falta de pagamento engloba todos os “acessórios da locação”. Se o contrato prevê que o inquilino deve pagar o condomínio e o IPTU, e ele deixa de pagar, isso é motivo para despejo, mesmo que o aluguel base esteja em dia.[1][9][10]
Imagine que seu inquilino paga o aluguel religiosamente, mas parou de pagar o condomínio há seis meses. O síndico vai cobrar de você, proprietário. Essa dívida “propter rem” gruda no imóvel. Você pode, e deve, usar a ação de despejo para rescindir o contrato baseando-se na falta de pagamento desses encargos.[2][3][4][5][6][7][8][9][10]
Além disso, contas de consumo como água e luz, se estiverem no nome do proprietário (o que não recomendo, mas acontece), também entram nessa conta. A ação de despejo por falta de pagamento é um “combo”: você pede o imóvel de volta e, no mesmo processo, cobra tudo o que está atrasado, incluindo multas e juros.[4][9]
A Notificação: Obrigatória ou Recomendada?
Aqui mora uma das maiores confusões. Muita gente acha que precisa mandar uma notificação via cartório antes de entrar com a ação de despejo por falta de pagamento. A resposta curta é: não precisa. A lei entende que a dívida de aluguel tem data certa para vencer. O devedor sabe que deve (“dies interpellat pro homine” – o dia interpela o homem).
No entanto, como seu advogado estratégico, eu quase sempre recomendo fazer uma notificação extrajudicial simples. Por quê? Porque ela serve como uma última tentativa amigável e, mais importante, constitui prova de boa-fé. Se o inquilino alegar no processo que “tentou pagar e você recusou”, a notificação prova o contrário.
Mas atenção: não deixe a notificação virar uma novela. Dê um prazo curto (48 ou 72 horas). Se não pagar, é processo.[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10] Ficar trocando e-mails por meses só aumenta o seu prejuízo e dá tempo para o inquilino ocultar bens ou depredar o imóvel. A notificação é um “tiro de alerta”, não um convite para um chá.
A Liminar de Despejo: O Atalho de 15 Dias[5][6][8][9]
Se existe uma “arma secreta” na ação de despejo, é a Liminar. A justiça brasileira é lenta, todos sabemos. Uma ação comum pode levar anos. Mas a liminar é uma ordem de urgência. O juiz olha e diz: “Ok, parece que o proprietário tem razão, saia em 15 dias antes mesmo de discutirmos o resto”.
Quando é Possível Acionar o “Botão de Ejeção”?
A Lei do Inquilinato (artigo 59) traz situações específicas para isso. A mais comum e poderosa para falta de pagamento é quando o contrato não tem garantia ou a garantia foi extinta/exaurida.
O que isso significa? Se você alugou no “fio do bigode” (sem fiador, sem seguro, sem caução), ou se a caução (aqueles 3 meses de depósito) já foi “comida” pela dívida, você tem o direito de pedir a liminar. É contra-intuitivo, não é? Parece que quem aluga sem garantia está mais protegido. E está mesmo, processualmente falando.
Se o seu contrato tem fiador, a liminar é mais difícil (embora existam teses jurídicas para isso). Mas se a garantia acabou (por exemplo, a dívida já ultrapassou o valor dos 3 meses de depósito), o caminho para a liminar se abre. É o momento em que transformamos a fraqueza do contrato (falta de garantia) em força processual (rapidez no despejo).[3]
O Preço da Rapidez: A Caução Judicial
Para conseguir essa liminar, a lei exige que você, locador, deposite uma caução no processo. Geralmente, o valor é equivalente a três meses de aluguel. “Mas doutor, ele já me deve, e eu ainda tenho que pagar?” Sim, infelizmente.
Essa caução serve para indenizar o inquilino caso, lá no final do processo, se descubra que o despejo foi injusto (o que é raríssimo se a falta de pagamento for real). A boa notícia é que você recupera esse dinheiro ao final, corrigido.
Muitos clientes travam nessa hora por falta de fluxo de caixa. Mas pense como um investidor: é melhor “travar” o valor de 3 aluguéis por um tempo e tirar o inquilino em 1 mês, ou não depositar nada e deixar o inquilino morando de graça por 2 anos? A matemática é clara. A caução é um investimento na estancagem do prejuízo.
E se Ele Não Sair em 15 Dias?
A liminar é uma ordem judicial.[1][2][3][4][5][6][8][9][10] O oficial de justiça vai até lá e notifica: “Você tem 15 dias para desocupar voluntariamente”. Na maioria das vezes, o susto funciona. O inquilino percebe que a coisa ficou séria e sai.
Mas, se ele ignorar, o próximo passo é o despejo forçado. O juiz autoriza o uso de força policial e arrombamento.[3] Não é uma cena bonita, e tentamos evitar ao máximo, mas é a garantia de que a propriedade privada será respeitada. Você não precisa ir lá brigar. O Estado vai por você.
É importante que, nesse momento, você já tenha providenciado os meios para a mudança (caminhão e carregadores) caso o inquilino não tenha como tirar as coisas. Os bens dele serão levados para um depósito público ou depositário particular se ele não os retirar. O foco é liberar o imóvel para você voltar a alugar.[2]
Purga da Mora: A “Vida Extra” do Inquilino
Nem tudo está perdido para o inquilino quando o processo começa. A lei permite que ele evite o despejo se pagar o que deve.[8][10] Chamamos isso de “Purga da Mora”. É como se ele limpasse o nome e o contrato continuasse valendo.
A Janela de Oportunidade para Pagar
Após ser citado no processo, o inquilino tem um prazo (geralmente 15 dias) para depositar em juízo o valor da dívida.[5] Se ele fizer isso, o despejo é cancelado. O contrato é “ressuscitado”.
Para você, locador, isso pode ser frustrante se você queria apenas o imóvel de volta. Mas, financeiramente, é uma vitória. Você recebe tudo de uma vez. No entanto, é crucial saber que o inquilino não pode fazer isso a vida toda. A lei limita essa “graça”.
Se ele purgar a mora, ele ganha o direito de ficar. Mas ele fica “marcado”. Se ele atrasar de novo, a tolerância do juiz (e a sua) será zero. A purga da mora é uma chance de redenção, não um passe livre para a inadimplência crônica.
O Que Entra na Conta (Não Aceite Menos)
Para evitar o despejo, o inquilino não pode pagar apenas o “principal”. A purga da mora deve ser integral. Isso significa:
- Aluguéis vencidos até a data do pagamento.[4]
- Multas contratuais (moratória).[4][9]
- Juros de mora.[8][9]
- Custas processuais (o que você gastou para entrar com a ação).
- Honorários do seu advogado (fixados pelo juiz, geralmente 10% a 20%).
Se ele depositar 1 centavo a menos, nós podemos contestar e dizer: “A mora não foi purgada integralmente, prossiga com o despejo”. Como seu advogado, meu papel é calcular cada centavo. Muitas vezes, o inquilino deposita apenas o valor histórico do aluguel, esquecendo a correção monetária. Nesse caso, pedimos o despejo do mesmo jeito.
O Limite da Paciência: A Regra dos 24 Meses
Antigamente, o inquilino podia purgar a mora quantas vezes quisesse. Hoje, a lei diz que ele não pode utilizar esse benefício se já o utilizou nos 24 meses anteriores à propositura da nova ação.
Ou seja, se você processou ele em Janeiro de 2024, ele pagou e ficou, e agora em Janeiro de 2025 ele parou de pagar de novo, ele não pode mais purgar a mora para evitar o despejo. Mesmo que ele ofereça o dinheiro, você tem o direito de recusar e exigir o imóvel. Isso é uma ferramenta poderosa para se livrar de maus pagadores contumazes.
Mitos Comuns e Erros Estratégicos
No calor da emoção e do prejuízo financeiro, é normal que você queira tomar medidas drásticas. Mas cuidado: o “jeitinho” pode sair caro. Vamos derrubar alguns mitos que circulam nas conversas de bar e grupos de WhatsApp.
Mito 1: “Vou Cortar a Luz e a Água para Ele Sair”
Parece lógico, não é? A conta está no seu nome, você corta. Não faça isso. Cortar serviços essenciais é considerado exercício arbitrário das próprias razões e pode gerar dano moral.
Já vi casos onde o inquilino devia 6 meses de aluguel. O proprietário cortou a água. O inquilino processou, ganhou 5 mil reais de dano moral e o juiz mandou religar a água em 24 horas sob pena de multa diária. Você acaba financiando o seu próprio caloteiro. Deixe que a falta de pagamento das contas gere o corte pelas concessionárias, mas nunca intervenha diretamente no relógio ou solicite o desligamento enquanto ele mora lá. Mantenha as mãos limpas para que a justiça esteja do seu lado.
Mito 2: “Inquilino com Filho Menor ou Idoso Não Sai”
Isso é um dos maiores mitos urbanos do Brasil. A lei protege a dignidade da pessoa humana, sim, mas não às custas da propriedade alheia privada eternamente. Ter crianças, idosos ou pessoas doentes no imóvel não impede o despejo.[10]
O que acontece, na prática, é uma sensibilidade maior no cumprimento do mandado. O oficial de justiça pode dar um prazo um pouco mais flexível (alguns dias a mais) para a desocupação voluntária ou acionar o conselho tutelar/assistência social para acompanhar. Mas o despejo vai acontecer. A condição pessoal do inquilino não anula o seu direito de reaver o bem. Não deixe de entrar com a ação por “pena” ou medo de não funcionar. A lei vale para todos.
Mito 3: Aceitar “Pingadinhos” Durante o Processo
O processo está rolando e o inquilino te liga: “Doutor, tenho R$ 500,00 aqui, posso depositar na sua conta para abater?”. A tentação de aceitar é grande, afinal, “dinheiro é dinheiro”.
Cuidado. Receber pagamentos parciais extrajudicialmente sem um acordo formalizado pelo seu advogado pode ser interpretado como um “perdão” tácito da infração ou uma novação da dívida. Isso pode atrapalhar o pedido de despejo liminar ou confundir a contagem da dívida no processo.
A regra de ouro é: uma vez ajuizada a ação, todo pagamento deve ser feito em juízo ou mediante boleto emitido pelo escritório de advocacia com termos claros de que aquilo é apenas amortização da dívida e não suspende o pedido de despejo. Nunca negocie informalmente pelo WhatsApp depois que a briga judicial começou.
O Aspecto Financeiro: Custos e Recuperação[1][3][4]
No fim do dia, estamos falando de negócios. Uma ação de despejo tem custos, e você precisa saber se vale a pena perseguir a dívida até o fim ou se o foco é apenas o imóvel.
A Matemática da Dívida
A conta do despejo vira uma bola de neve a favor do credor. O contrato geralmente prevê multa de 10% sobre o atraso, mais 1% de juros ao mês e correção monetária (IGPM ou IPCA). Além disso, há a multa rescisória (geralmente 3 aluguéis proporcionais ao tempo restante de contrato).
Quando somamos tudo isso aos honorários advocatícios (normalmente 20% sobre o valor da condenação), a dívida dobra rapidamente. É essencial ter uma planilha atualizada mês a mês. Essa planilha é a sua “arma” na hora de tentar um acordo. Mostrar ao inquilino que a dívida de R
5.000,00vaivirarR5.000,00vaivirarR
12.000,00 em pouco tempo costuma ser um ótimo incentivo para ele sair logo.
Execução de Bens: E Se Ele Não Tiver Dinheiro?
Você ganhou a ação, despejou o inquilino, mas ele não pagou os atrasados. E agora? Entramos na fase de “Cumprimento de Sentença”.[3][4] Aqui, a justiça autoriza caçar bens.
Hoje em dia, os sistemas do judiciário são avançados. O “SISBAJUD” rastreia contas bancárias e investimentos (até criptomoedas em exchanges nacionais). O “RENAJUD” bloqueia carros. O “INFOJUD” acessa a declaração de Imposto de Renda.
Se o inquilino for um “profissional do calote” e não tiver nada no nome, a situação complica. Mas a dívida dura 5 anos (ou mais, se executada). Nome sujo atrapalha a vida. Muitas vezes, o devedor aparece anos depois querendo negociar porque precisa financiar um carro ou uma casa e a sua dívida está lá, travando o crédito dele.
Usando a Caução para Abater Prejuízo
Se o seu contrato tinha garantia de caução (os famosos 3 depósitos), esse valor já está com você (ou deveria estar, numa conta poupança conjunta). Ao final do despejo, você não precisa “devolver” a caução.
Você faz um “encontro de contas”. Calcula-se a dívida total e subtrai-se o valor da caução atualizada. O inquilino só paga a diferença. Se a dívida for menor que a caução (raro em despejos demorados), você devolve o troco. É crucial que o contrato tenha cláusula expressa autorizando essa compensação para evitar burocracia.
Comparativo Estratégico: Qual Caminho Seguir?
Para visualizar melhor suas opções, preparei este quadro comparativo. Nem sempre o despejo judicial imediato é a única carta na manga, mas é a mais potente.
| Característica | Ação de Despejo Judicial | Negociação Extrajudicial | Ação de Cobrança (Sem Despejo) |
| Objetivo Principal | Retomar o imóvel e cobrar a dívida.[1][3][4][6] | Receber o dinheiro e manter o inquilino (ou saída amigável).[2] | Apenas receber o dinheiro (inquilino continua no imóvel). |
| Tempo Estimado | 6 a 12 meses (com liminar pode ser 1 mês). | 1 a 4 semanas. | 1 a 2 anos. |
| Custo Inicial | Médio/Alto (Taxas judiciais, advogado, caução se liminar). | Baixo (Notificações, reuniões). | Médio (Taxas judiciais).[3][8] |
| Eficácia | Alta (Resolve o problema da posse definitivamente). | Média (Depende da boa vontade do devedor). | Baixa (Se ele não tem dinheiro e continua lá, a dívida só aumenta). |
| Recomendado Quando | Inquilino não responde, não paga e recusa sair. | Atraso é recente e inquilino tem histórico de bom pagador. | Quase nunca. Se ele não paga, você quer ele fora, não só o dinheiro. |
Um Conselho de Amigo (e Advogado)
Lidar com despejo é estressante. Você vê seu patrimônio sendo usado de graça e sente uma injustiça tremenda. Mas a chave para o sucesso aqui é a frieza.
Não leve para o pessoal. Encare como um problema de gestão de ativos que precisa de uma solução técnica. Quanto mais rápido você agir, menor o prejuízo. Aquele proprietário que espera “mais um mês” porque o inquilino prometeu pagar, geralmente é o que acumula os maiores prejuízos.
Se o aluguel atrasou e a conversa não resolveu em 15 dias, procure orientação jurídica.[7][8][9] O custo de um advogado é infinitamente menor do que 12 meses de aluguel perdido e um imóvel depredado. Proteja o seu investimento. Você trabalhou duro por ele.
Agora, me diga: qual é a situação do seu contrato hoje? Tem garantia ou foi na confiança? Essa resposta define se vamos pelo caminho rápido da liminar ou se preparamos o terreno para uma batalha um pouco mais longa. De qualquer forma, a lei tem ferramentas para te defender. Use-as.
