Esgotamento das Instâncias Ordinárias: Quando cabe (e quando não cabe) ir para Brasília
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Se você advoga há algum tempo, já deve ter ouvido aquela frase clássica de corredor de fórum: “Vamos levar isso até Brasília!”. Soa bonito, soa combativo e, para o cliente, soa como uma promessa de justiça suprema. Mas nós sabemos que a realidade processual é bem mais áspera. Brasília não é apenas uma cidade; no juridiquês, é um estado de espírito processual onde a técnica supera a emoção e onde portas se fecham com muito mais frequência do que se abrem., ao escolher um Curso Advocacia Estratégica nos Tribunais de 2º Grau e Superiores

O conceito de “esgotamento das instâncias ordinárias” é o porteiro desse clube exclusivo dos Tribunais Superiores. Sem esse crachá, você não entra. E não adianta insistir. O problema é que muitos colegas ainda confundem “perder a causa em segunda instância” com “esgotar as instâncias”. São coisas diferentes. E essa confusão é o que alimenta as estatísticas brutais de não conhecimento de recursos no STJ e no STF.

Neste artigo, vamos ter uma conversa franca — de colega para colega — sobre o que realmente significa preparar um processo para subir. Esqueça o juridiquês pomposo e vazio. Vamos focar no que faz o seu Recurso Especial ou Extraordinário ser admitido ou barrado na triagem. Prepare seu café, ajuste a cadeira e vamos entender como não transformar a esperança do seu cliente em uma súmula de inadmissibilidade.

O Que Significa “Esgotar as Instâncias Ordinárias”?

O Conceito Básico: Fim da Linha no Tribunal Local

Imagine que o processo é uma escada. O primeiro degrau é o juiz de piso, a sentença. O segundo degrau é o Tribunal de Justiça ou o TRF, o acórdão. Esgotar as instâncias ordinárias significa, basicamente, que você pisou em todos os degraus disponíveis nessa escada local e não tem mais para onde subir dentro daquele tribunal. Não basta ter um acórdão desfavorável; é preciso que esse acórdão seja a “última palavra” possível daquela corte sobre o seu caso.

Muitos advogados erram ao pensar que o acórdão da Apelação é automaticamente essa última palavra. Nem sempre é. Se houve uma omissão, contradição ou obscuridade, cabem Embargos de Declaração.[1][2] Se a decisão foi monocrática (apenas do Relator), cabe Agravo Interno. Se você tenta pular direto para o STJ sem usar esses recursos intermediários, você não esgotou a instância. Você tropeçou no degrau e caiu. O sistema entende que o Tribunal local ainda poderia corrigir o próprio erro, e você tirou essa chance dele ao correr para Brasília.

Essa exigência não é burocracia pura; é uma divisão de trabalho. As instâncias ordinárias (Juiz e Tribunal) são as senhoras dos fatos e das provas. Elas decidem quem mentiu, quem assinou o contrato, se o carro furou o sinal vermelho. Brasília não quer saber disso. Brasília quer saber se a lei federal ou a Constituição foram feridas. Se você ainda tem munição para discutir o caso no Tribunal de origem, Brasília vai te mandar de volta para casa.

Por Que Brasília Não Quer Seus Fatos (Súmula 7 do STJ e Súmula 279 do STF)

Aqui reside a maior frustração dos clientes — e a maior dificuldade de explicação para os advogados. O cliente quer que o STJ veja que a testemunha mentiu. Ele quer que o STF analise o vídeo da câmera de segurança. E você precisa dizer a ele: “Eles não vão olhar”. O esgotamento das instâncias ordinárias também significa o esgotamento da discussão fática. Tudo o que é fato, prova, depoimento e perícia morre na segunda instância. É o túmulo da prova.

Quando dizemos que “esgotou a instância ordinária”, estamos dizendo que a verdade dos fatos foi cristalizada. O que o Tribunal de Justiça disse que aconteceu, aconteceu. Ponto final. Se o TJ disse que o contrato foi assinado, para o STJ ele foi assinado, mesmo que você jure que a assinatura é falsa. O Recurso Especial e o Extraordinário servem apenas para dar uma nova valoração jurídica a esses fatos imutáveis. É o que chamamos de “reenquadramento jurídico”.

A Súmula 7 do STJ e a Súmula 279 do STF são os cães de guarda desse princípio. Elas barram qualquer recurso que exija “reexame de provas”. Portanto, esgotar a instância não é só usar todos os recursos; é garantir que a discussão fática esteja tão bem resolvida no acórdão que você só precise levar para Brasília a tese de direito. Se o acórdão recorrido ficou confuso sobre os fatos, você não deve recorrer para o STJ ainda; deve embargar para que o Tribunal local esclareça os fatos. Se subir com fato duvidoso, seu recurso morre na Súmula 7.

A Diferença Crucial entre Recurso Ordinário e Extraordinário

Para dominar esse jogo, você precisa mudar a chave mental. No recurso ordinário (Apelação, Agravo de Instrumento), a sua postura é de “inconformismo total”. Você pode reclamar da justiça da decisão, do valor da condenação, da interpretação da prova. Você pede para o Tribunal “revisar tudo”.[3] É um recurso de ampla devolutividade. O Tribunal pode substituir a decisão do juiz por outra inteiramente nova, baseada em sua própria análise das provas.

Já no recurso de natureza extraordinária (REsp e RE), a lógica é de “ilegalidade estrita”. O esgotamento das instâncias ordinárias marca a fronteira onde o “injusto” deixa de ser relevante e só o “ilegal” importa. Você não pede para o STJ reformar a decisão porque ela foi injusta com seu cliente. Você pede a reforma porque a decisão do Tribunal local negou vigência a uma lei federal. Percebe a sutileza? O foco sai do interesse da parte e vai para a integridade do ordenamento jurídico.

Essa distinção é vital para saber o momento de parar. Às vezes, o advogado tenta forçar um Recurso Especial quando, na verdade, a instância ordinária já deu a palavra final sobre os fatos e aplicou a lei corretamente, apenas de um jeito que o cliente não gostou. Saber identificar que “não cabe ir para Brasília” é tão importante quanto saber recorrer. Poupa dinheiro do cliente, poupa seu tempo e mantém sua credibilidade profissional intacta.

Quando (Não) Fazer as Malas para Brasília: Erros Comuns

O Perigo de Pular Etapas: Súmula 281 do STF

A pressa é a inimiga número um da admissibilidade recursal. A Súmula 281 do STF é clara como a luz do dia: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Traduzindo para o nosso dia a dia: se ainda cabe um recursozinho sequer no Tribunal de Justiça, e você entra com o RE ou REsp, você perdeu. E o pior: quando o Tribunal Superior disser que você não esgotou a instância, o prazo para aquele recurso que você “esqueceu” já terá passado. É o famoso trânsito em julgado por erro técnico.

Um exemplo clássico acontece com as decisões monocráticas. O Relator no TJ nega seguimento à sua Apelação sozinho.[4] O sangue sobe, você fica indignado e já prepara o Recurso Especial. Erro fatal. De decisão monocrática de relator no Tribunal, nunca cabe recurso direto para Brasília. Você é obrigado a interpor o Agravo Interno (ou Agravo Regimental) para levar a decisão para o colegiado (a Turma ou Câmara). Só do acórdão desse colegiado é que se abre o caminho para o STJ/STF.

Outra armadilha comum envolve os Embargos de Declaração.[5] Se o acórdão foi unânime, mas deixou de analisar um ponto crucial da defesa, você precisa opor embargos. Se você recorrer direto, o STJ vai dizer que a matéria não foi prequestionada (falaremos disso adiante). Mas, sob a ótica do esgotamento, o sistema entende que a prestação jurisdicional local ainda não estava completa. Você tentou sair da festa antes de pagar a conta.

Embargos de Declaração: A Ponte Necessária (e Perigosa)

Os Embargos de Declaração são a ferramenta mais estratégica nessa fase de transição. Eles servem para “acabar” de julgar a causa na instância ordinária. Pense neles como o acabamento final de uma obra. O Tribunal levantou as paredes (o acórdão), mas esqueceu de pintar um quarto ou deixou uma janela torta (omissões e contradições). Você usa os embargos para forçar o Tribunal a entregar a obra completa. Sem isso, a instância não está esgotada materialmente.[4]

Porém, cuidado com o abuso. Embargos de Declaração com intuito meramente protelatório ou para “rediscutir o mérito” são rejeitados com multa. E aqui mora o perigo: se seus embargos não forem conhecidos ou forem considerados intempestivos, eles não interrompem o prazo para os outros recursos. Isso pode criar um buraco negro onde você perde o prazo para o Recurso Especial. A chave é ser cirúrgico: aponte a omissão objetiva. Mostre que, sem aquele ponto esclarecido, a instância ordinária não entregou tudo o que deveria.

Além disso, os embargos servem para forçar o tribunal a se manifestar sobre os artigos de lei que você pretende levar a Brasília. Se o acórdão ignorou o Artigo X da Lei Y, seus embargos devem dizer explicitamente: “Excelências, é necessário pronunciamento sobre o Artigo X para fins de esgotamento de instância e prequestionamento”. Isso mostra técnica e prepara o terreno. Se eles rejeitarem, você terá o argumento da negativa de prestação jurisdicional.[6][7]

Agravo Interno: O Último Degrau Antes do Salto

Como mencionei brevemente, o Agravo Interno é o recurso esquecido que mais mata processos promissores. O Código de Processo Civil de 2015 fortaleceu muito os poderes do Relator. Hoje, um Relator pode decidir quase tudo sozinho se houver jurisprudência dominante. Quando ele faz isso, ele está falando em nome do Tribunal, mas a decisão formalmente ainda não é do Tribunal como órgão colegiado. E a Constituição diz que cabe recurso das decisões dos Tribunais (no plural, colegiado).

Portanto, o esgotamento das instâncias ordinárias exige, obrigatoriamente, uma decisão colegiada final. Se você tem uma decisão monocrática na mão, o caminho para Brasília está bloqueado. Você deve interpor o Agravo Interno.[4][8] Esse recurso é simples, dirigido ao próprio órgão fracionário, pedindo que os demais desembargadores revisem a decisão do colega. Na prática, muitas vezes eles apenas confirmam, mas esse “carimbo” do grupo é o que valida seu passaporte para o STJ.

Não subestime a argumentação no Agravo Interno. Muitos advogados fazem um “copia e cola” da Apelação. Errado. O Agravo Interno deve atacar especificamente os fundamentos da decisão monocrática do Relator. Se você não dial ogar com a decisão que está atacando, o Agravo pode não ser conhecido (Súmula 182 do STJ), e aí, novamente, você falhou em esgotar a instância. O ciclo se fecha apenas quando o colegiado diz “não” para o seu Agravo Interno. Aí sim, a via ordinária acabou.

Pré-questionamento: O Passaporte Obrigatório[2]

Pré-questionamento Explícito vs. Implícito vs. Ficto

Se o esgotamento das instâncias é a estrada, o pré-questionamento é o pedágio.[1] Você não passa sem pagar. Pré-questionar nada mais é do que garantir que o Tribunal de origem tenha emitido juízo de valor sobre a tese jurídica que você quer discutir. Não basta você ter falado sobre o assunto na petição; o Tribunal tem que ter respondido.[1] Existem três “sabores” de pré-questionamento, e entender a diferença salva vidas.

explícito é o sonho de todo advogado: o acórdão diz “quanto ao artigo 50 do Código Civil, entendo que não se aplica…”. Está lá, escrito, numerado. O STF adora esse tipo. O implícito é aceito pelo STJ: o acórdão não cita o número do artigo, mas discute a tese jurídica (ex: discute a boa-fé objetiva sem citar o art. 422). Já vale. Se o debate jurídico aconteceu, o pré-questionamento ocorreu.[2][9][10]

A grande novidade do CPC/2015 foi o pré-questionamento ficto (art.[2][5] 1.025).[1][5] Antes, se o Tribunal se recusasse a falar sobre o tema mesmo após embargos, você ficava num limbo (Súmula 211 do STJ).[7] Agora, a lei diz: se você opôs embargos de declaração pedindo o pronunciamento e o Tribunal negou, considera-se pré-questionada a matéria, desde que o Tribunal Superior reconheça que houve erro ou omissão.[2][5] É uma ficção jurídica para salvar o recorrente da teimosia dos Tribunais locais. Mas atenção: você tem que opor os embargos para ganhar esse benefício.

A Armadilha da Inovação Recursal

Um erro clássico que denuncia falta de experiência é a inovação recursal. O advogado percebe, lá na fase do Recurso Especial, que esqueceu de alegar uma tese fortíssima de prescrição ou de nulidade relativa. E tenta enfiar isso no recurso para o STJ. Esqueça. Se a matéria não foi debatida nas instâncias ordinárias, ela não pode “nascer” em Brasília. O esgotamento das instâncias pressupõe que tudo o que havia para ser debatido foi debatido lá embaixo.

O STJ e o STF são cortes de revisão, não de criação. Eles revisam se o Tribunal local decidiu certo. Se o Tribunal local nunca decidiu sobre aquele ponto porque você nunca pediu, não há nada para revisar. Isso vale até para matérias de ordem pública em alguns casos (embora haja exceções, a regra restritiva é forte). A inovação recursal é vista como uma tentativa de burlar o duplo grau de jurisdição e surpreender a parte contrária.

Por isso, a estratégia de Brasília começa na contestação ou na petição inicial. Você, como estrategista jurídico, deve plantar as sementes das teses constitucionais e federais desde o primeiro dia. Mesmo que o juiz de primeira instância ignore, você reitera na apelação. Mesmo que o TJ ignore, você embarga. Assim, quando chegar a hora do Recurso Especial, a matéria estará madura e debatida, pronta para ser colhida pelas cortes superiores.

Como Preparar o Terreno desde a Petição Inicial

O advogado de alta performance não espera o acórdão negativo para pensar no STJ. Ele escreve a petição inicial já imaginando como aquele texto será lido por um Ministro em Brasília daqui a cinco anos. Isso significa capitular corretamente as violações legais desde o início. Não diga apenas “o réu agiu mal”. Diga: “o réu violou o artigo X da Lei Federal Y e o princípio constitucional Z”.

Crie tópicos específicos na sua Apelação chamados “Do Pré-questionamento”. Isso facilita a vida do desembargador (que muitas vezes lê na diagonal) e força o debate. Se você deixar as teses jurídicas misturadas com a narrativa dos fatos, elas podem passar batidas. Destaque-as. Use marcadores. Mostre que há uma questão de direito federal autônoma ali.

Outra dica de ouro: monitore a jurisprudência dos Tribunais Superiores enquanto o processo corre nas instâncias ordinárias. Se o STJ firmar um novo precedente vinculante (Tema Repetitivo) favorável a você, atravesse uma petição no processo local avisando o juiz ou desembargador. Isso força a instância ordinária a se alinhar ou a se justificar, facilitando muito o seu trabalho futuro de demonstrar a violação da lei se eles decidirem contra o precedente.

A Exceção da Reclamação Constitucional[1][4][5][6][11]

Quando a Reclamação Substitui o Recurso (e Quando Não)

A Reclamação Constitucional é aquela “carta na manga” que todo advogado gosta de ter, mas poucos sabem usar com precisão. Ela não é um recurso propriamente dito; é uma ação autônoma, um grito direto ao Tribunal Superior dizendo: “Ei, estão desobedecendo vocês aqui embaixo!”. Ela serve, primariamente, para preservar a competência do STJ/STF ou garantir a autoridade de suas decisões.[10]

Mas atenção: a Reclamação não é um “super recurso” para corrigir qualquer injustiça. Ela não serve para pular a fila do esgotamento das instâncias em casos comuns.[3] O STF, por exemplo, tem endurecido muito o cabimento da reclamação. Você não pode usá-la como sucedâneo recursal (um “jeitinho” para substituir o recurso que você perdeu o prazo ou que não cabe). Ela é restrita a hipóteses onde há um descumprimento flagrante de uma ordem direta ou de uma súmula vinculante.

Uma diferença importante: enquanto o Recurso Especial demora anos para subir, a Reclamação é ajuizada direto no Tribunal Superior. Isso dá uma agilidade enorme. Porém, se você ajuizar uma Reclamação quando deveria ter recorrido ordinariamente, ela será extinta sem julgamento de mérito e você terá jogado dinheiro fora (e possivelmente perdido o prazo do recurso correto).

O Papel dos Precedentes Vinculantes e Repercussão Geral

Aqui a coisa fica interessante.[1][3][4][5][7] Com o sistema de precedentes do CPC/2015, a Reclamação ganhou um papel vital: garantir que os TJs e TRFs obedeçam aos Temas Repetitivos (STJ) e à Repercussão Geral (STF). Se o Tribunal local teimar em julgar contra uma tese firmada em Repercussão Geral, em tese, caberia Reclamação.

Mas — e este é um grande “mas” — o STF decidiu que, para caber Reclamação por desrespeito à Repercussão Geral, você precisa antes esgotar as instâncias ordinárias.[8] Olha o nosso tema voltando aqui! Você não pode correr para o STF na primeira decisão contrária ao precedente. Você tem que agravar, apelar, embargar e usar o Agravo Interno até que não sobre nada no Tribunal de origem. Só depois que o Tribunal local bater o pé e disser “não vou aplicar o precedente do STF”, é que nasce o direito à Reclamação nesse cenário específico.

Isso frustra muitos advogados que achavam que a Reclamação seria um atalho. Não é. Nesse cenário de precedentes, ela é o último remédio, não o primeiro. Ela funciona como um “freio de emergência” quando o sistema ordinário falha completamente em seguir a hierarquia jurisprudencial.

Estratégia Processual: Reclamação ou Recurso?

Diante de uma decisão que viola autoridade do STF, o que fazer? Recurso Extraordinário ou Reclamação? A resposta conservadora de um advogado experiente é: faça o Recurso Extraordinário sempre. O recurso é a via padrão. Ele garante que você não perca o prazo principal. A Reclamação deve ser usada de forma subsidiária ou paralela, se a situação for muito teratológica (absurda).

Se você aposta todas as fichas na Reclamação e ela é negada por falta de cabimento (por exemplo, o Ministro entende que não houve afronta direta), e você não interpôs o recurso, seu processo acabou. O trânsito em julgado acontece.[2][3][4][6][7][11] Portanto, a estratégia segura é interpor os recursos cabíveis nas instâncias ordinárias para manter a discussão viva e, se houver uma violação direta de Súmula Vinculante, ajuizar a Reclamação em paralelo, informando o relator.

Lembre-se: a Reclamação exige aderência estrita. O caso do seu cliente tem que ser idêntico ao precedente invocado. Se houver qualquer “distinguishing” (distinção) que justifique a decisão local, a Reclamação não vai prosperar. É uma via estreita para casos claros, não para teses criativas.

O Impacto do Novo CPC e a Filtragem Recursal

A Relevância da Questão Federal (Emenda Constitucional 125)

Advogar em Tribunais Superiores ficou mais difícil recentemente. Não bastasse a Repercussão Geral no STF (que exige que a causa tenha relevância social, política, econômica ou jurídica para o país), agora temos a “Relevância da Questão Federal” para o STJ, trazida pela EC 125/2022. Isso mudou o jogo do esgotamento das instâncias.

Agora, não basta esgotar a instância e ter uma violação de lei.[12] Você precisa provar que o seu caso importa para mais gente além do seu cliente. O STJ vai começar a filtrar recursos tal qual o STF faz. Isso significa que “ir para Brasília” vai ser cada vez mais para teses e menos para casos. Se o seu caso é uma briga de vizinhos sobre uma cerca, por mais que a lei tenha sido violada, dificilmente passará pelo filtro da relevância, a menos que haja uma questão jurídica inédita por trás.

Isso coloca uma pressão enorme sobre a qualidade da redação do Recurso Especial. Você terá que abrir um capítulo preliminar robusto defendendo a relevância. E isso se conecta com o esgotamento das instâncias: o acórdão recorrido precisa ter tratado a questão com profundidade suficiente para que a relevância jurídica salte aos olhos. Acórdãos superficiais dificultam a demonstração de relevância.

A Súmula 211 do STJ e o Art.[1][5] 1.025 do CPC

Já citamos o Art.[1][2][5] 1.025 do CPC, mas ele merece um destaque aqui na parte de filtragem.[2] Ele foi a resposta legislativa à “jurisprudência defensiva” do STJ. A Súmula 211 (“Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”) era um muro intransponível.[1] O Tribunal local simplesmente se calava, e o STJ dizia “não posso julgar porque eles não falaram”. O recorrente ficava de mãos atadas.

O art. 1.025 veio para derrubar esse muro.[5] Mas, na prática, o STJ ainda resiste. Muitos Ministros aplicam o 1.025 com ressalvas. Eles exigem que você, no Recurso Especial, alegue violação ao art.[11] 1.022 (negativa de prestação jurisdicional) e indique a matéria de fundo. Se você apenas confiar no pré-questionamento ficto sem apontar a nulidade do acórdão por omissão, corre o risco de não ser conhecido.

A dica prática é: jogue com as duas armas. No seu Recurso Especial, faça um tópico preliminar alegando violação ao art.[12] 1.022 (dizendo que o TJ foi omisso e o acórdão é nulo) e, caso superada a nulidade, peça a aplicação do art. 1.025 para considerar a matéria pré-questionada e julgar o mérito. Isso é blindar o recurso contra a filtragem defensiva.

Gestão de Expectativas do Cliente: Tempo e Custo

Por fim, a parte mais humana do trabalho. Explicar tudo isso para o cliente. Quando você diz “vamos recorrer para Brasília”, o cliente ouve “vamos ganhar semana que vem”. Você, como advogado experiente, sabe que o esgotamento das instâncias ordinárias pode levar de 2 a 4 anos, e o trâmite em Brasília mais uns 3 ou 5. Estamos falando de uma década.

Você precisa ser transparente sobre os custos. Recorrer para o STJ e STF é caro (preparo recursal é alto). Além disso, a chance de êxito estatística é baixa (menos de 10% dos recursos são providos). Vale a pena? Depende. Se a tese é forte e o valor da causa é alto, sim. Se é uma aventura jurídica, talvez seja melhor negociar um acordo na fase de cumprimento de sentença.

Esgotar as instâncias ordinárias às vezes é apenas uma forma de ganhar tempo para o devedor ou de forçar um acordo melhor. Isso é estratégia legítima, desde que não seja litigância de má-fé. O importante é que “ir para Brasília” não seja um ato automático, mas uma decisão calculada de negócio jurídico, com prós e contras claros na mesa.


Quadro Comparativo: Vias de Impugnação

Para visualizar melhor onde seu processo se encaixa, preparei este comparativo entre o produto principal desta análise (Recurso Especial/Extraordinário) e seus “concorrentes” no sistema processual.

CaracterísticaRecurso Especial / Extraordinário (O “Produto”)Recurso Ordinário Constitucional (ROC)Agravo Interno (nas Instâncias Ordinárias)
Objetivo PrincipalUnificar a interpretação da Lei Federal (STJ) ou Constituição (STF).Funciona como uma Apelação para o STJ/STF em casos específicos (ex: Mandado de Segurança denegado).Destrancar recurso ou levar decisão monocrática para o colegiado.
Discussão de FatosProibida. Súmula 7 (STJ) e 279 (STF). Apenas Direito.Permitida. Pode reexaminar provas e fatos limitados à via eleita.Permitida. O colegiado revisa tudo o que o Relator decidiu.
Exigência de EsgotamentoAbsoluta. Não cabe se houver qualquer recurso pendente na origem.Absoluta. Também exige decisão final denegatória na origem.É o próprio meio de esgotar a instância contra decisão monocrática.
Pré-questionamentoObrigatório e rigoroso.[1][5]Dispensável em muitos casos, pois devolve a matéria toda.Irrelevante (o recurso cria o debate no colegiado).
Para quem é?Para quem quer discutir tese jurídica e violação de lei.Para quem teve MS, Habeas Corpus ou Mandado de Injunção negado na origem.Para quem precisa da decisão do grupo (colegiado) para poder subir.

Entender essas diferenças é o que separa o advogado que apenas protocola papéis daquele que desenha a estratégia vitoriosa. Brasília pode ser logo ali, ou pode ser inalcançável. Tudo depende de como você pavimenta a estrada nas instâncias ordinárias. Boa sorte nos recursos!

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