Franquias (Franchising): cuidados ao assinar a COF
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Entrar para o mundo do franchising é como um casamento corporativo. Você está prestes a unir seu capital e seu trabalho à marca e ao know-how de outra empresa. Antes de dizer “sim” no altar do cartório, existe um período de noivado obrigatório e documentado.[5] Esse documento é a Circular de Oferta de Franquia, carinhosamente chamada de COF.[2][5][8][9] A maioria dos empreendedores olha para a COF apenas como uma burocracia ou foca somente nos números de faturamento prometidos. Esse é o primeiro erro fatal.

A COF não é apenas um folheto de vendas; ela é o raio-X jurídico e financeiro da rede.[5] A Lei de Franquias (Lei nº 13.966/2019) exige que o franqueador entregue esse documento a você com antecedência.[5][9] Se você ignorar as entrelinhas desse calhamaço, pode estar assinando sua sentença de falência antes mesmo de abrir as portas. Como advogado que já viu muitos sonhos virarem pesadelos judiciais, meu objetivo aqui é te ensinar a ler o que não está escrito em letras garrafais.

Vamos dissecar esse documento juntos. Não vamos usar “juridiquês” desnecessário, mas você precisa entender os termos que vão reger sua vida pelos próximos cinco ou dez anos. A leitura da COF exige frieza, ceticismo e uma lupa estratégica. Você vai aprender agora a separar o joio do trigo e identificar se está diante de uma oportunidade de ouro ou de uma armadilha revestida de marketing.

A Natureza Jurídica da COF e a Regra dos 10 Dias[5][6][11]

A Circular de Oferta de Franquia é o documento preliminar mais importante do sistema de franchising brasileiro. Ela serve para nivelar a informação entre as partes.[2] O legislador entendeu que o franqueador detém todo o poder e informação, enquanto você, candidato a franqueado, é a parte vulnerável. Por isso, a lei obriga a transparência total.[7] A COF deve conter histórico da marca, balanços financeiros, pendências judiciais e a lista de todos os franqueados da rede.[5] É o momento da “verdade nua e crua”.

Um dos pontos mais críticos e inegociáveis é o prazo de entrega. A lei determina que a COF deve ser entregue ao candidato no mínimo 10 dias antes da assinatura do contrato ou do pagamento de qualquer taxa.[5] Esse período é sagrado. Chamamos isso de spatium deliberandi no direito, ou seja, um tempo para você refletir, consultar advogados e fazer contas sem pressão. Se a franqueadora te entregar a COF hoje e pedir para assinar amanhã ou pagar um “sinal” para garantir o território, corra. Isso é ilegal e pode anular todo o contrato no futuro.

A violação desse prazo de 10 dias não é um mero erro administrativo; é uma falha grave que permite a você, no futuro, pedir a anulação do contrato e a devolução de todo o dinheiro investido, corrigido. Muitos franqueadores afoitos tentam pular essa etapa com a desculpa de “agilidade”. Não caia nessa. Use esses 10 dias para investigar a rede a fundo. Se a franqueadora não respeita a primeira regra do jogo, dificilmente respeitará as outras quando você já estiver dentro da rede.

Análise Financeira Realista: Taxas e Projeções[1][3][7][8][9]

Quando você abre a COF, seus olhos vão direto para as projeções de lucro. É natural, mas perigoso. As franqueadoras tendem a apresentar o cenário ideal, o “Mundo de Alice”. Você precisa focar nas obrigações financeiras certas e líquidas. A primeira delas é a Taxa de Franquia.[7] Esse é o valor pago para entrar no clube. Verifique se esse valor inclui treinamento inicial e suporte na escolha do ponto.[8] Mais importante ainda: entenda como e quando ela é paga. Algumas redes cobram parcelado, outras à vista. Lembre-se que, na maioria dos casos, essa taxa não é devolvida se você desistir depois de assinar.

Depois, temos os Royalties e o Fundo de Propaganda.[3][5][8][9] Royalties são o aluguel pelo uso da marca e do método. Eles podem ser um valor fixo mensal ou uma porcentagem sobre o faturamento bruto.[3] Cuidado com a porcentagem sobre faturamento bruto. Se sua margem de lucro for baixa, pagar 5% ou 8% sobre o bruto pode comer todo o seu resultado líquido. Já o Fundo de Propaganda é uma “vaquinha” que todos os franqueados fazem para o marketing da rede. Você precisa exigir clareza sobre como esse dinheiro é usado.[3] Ele está promovendo a marca nacionalmente ou apenas pagando agências ligadas ao dono da franqueadora? A COF deve explicar isso.

Por fim, o Capital de Giro.[7] Esse é o item mais subestimado e a maior causa de mortalidade de franquias novas. A COF traz uma estimativa de quanto dinheiro você precisa ter em caixa para segurar a operação até ela dar lucro (o famoso breakeven). O conselho de amigo que dou é: dobre o valor que está na COF. As franqueadoras costumam ser otimistas demais sobre a rapidez com que as vendas vão acontecer. Se a COF diz que você precisa de 50 mil reais de giro, prepare-se para ter 100 mil. A falta de fôlego financeiro nos primeiros meses é o que mata o negócio, não a falta de vendas em si.

Território, Exclusividade e Fornecedores Homologados[3][5][8]

A cláusula de território é onde moram muitas brigas judiciais. Você precisa saber exatamente qual é o seu “cercadinho”.[11] A COF deve definir se você tem exclusividade absoluta em uma área, se é uma preferência ou se não há exclusividade nenhuma.[8] Imagine investir meio milhão em uma loja e, seis meses depois, a própria franqueadora abrir um quiosque no shopping da frente ou vender online para o seu vizinho. A falta de clareza territorial na COF é um passaporte para a concorrência desleal dentro da própria rede.

Além do território físico, existe a questão dos canais de venda.[6] Hoje em dia, com o e-commerce e aplicativos de delivery, o conceito de território mudou. Se a franqueadora vende pelo site oficial e entrega na área da sua loja, quem ganha a comissão? Você ou ela? A COF moderna e honesta deve detalhar a política de omnichannel. Se o texto for vago, assuma que a franqueadora vai competir com você. Exija que essas regras estejam claras. Você não quer ser apenas um centro de distribuição logístico de vendas que a franqueadora fez sozinha sem te pagar nada por isso.

Outro ponto de atenção é a “amarração” com fornecedores homologados. Em muitas franquias, você é obrigado a comprar tudo — do pão ao guardanapo — de fornecedores indicados pela rede ou da própria franqueadora. Isso garante padronização, o que é bom. Mas também pode esconder o overprice (sobrepreço). Às vezes, o franqueador ganha mais vendendo insumos para você acima do preço de mercado do que com os royalties. Verifique na COF se existe a tal da “bonificação” ou rebate (comissão que o fornecedor paga ao franqueador). Se os insumos forem muito caros, sua margem de lucro vai para o espaço e você não terá liberdade para comprar no atacado da esquina.

Validação de Campo: Conversando com a Rede[5][6][7]

A lei exige que a COF traga a lista completa de todos os franqueados atuais e também dos que saíram da rede nos últimos 12 ou 24 meses. Essa lista é sua ferramenta de investigação mais poderosa. Não use os telefones indicados pelo consultor de vendas da franqueadora; eles sempre te passarão os “franqueados de ouro”, aqueles que são amigos do dono e vão falar mil maravilhas. Pegue a lista completa e escolha aleatoriamente. Ligue para quem está longe, para quem tem loja em cidade pequena e em cidade grande. A realidade do dia a dia é muito diferente da planilha do Excel.

Ao ligar, faça perguntas difíceis. Não pergunte se “o negócio é bom”. Pergunte: “O suporte prometido na COF acontece na prática?”, “A mercadoria chega no prazo?”, “O custo do produto entregue é o mesmo que foi estimado?”, “Você já teve conflito por causa de território?”. O silêncio ou a hesitação nessas respostas diz muito. Franqueados insatisfeitos costumam ser muito vocais. Se você ligar para cinco pessoas e três reclamarem da falta de suporte ou de lucros abaixo do prometido, é um sinal vermelho gigantesco.

Ainda mais importante é falar com os ex-franqueados. A COF traz os contatos de quem saiu. Essas pessoas não têm mais rabo preso com a marca e vão te contar a verdade sem filtros. Descubra por que eles saíram. Foi má gestão deles ou o modelo de negócio que não parava em pé? Se houver muitos ex-franqueados em um curto período, isso indica churn (rotatividade) alto. Redes saudáveis não trocam de parceiros como quem troca de roupa. Um alto índice de mortalidade ou repasse de unidades é o maior indicador de risco que você pode encontrar.

Os 4 “Ps” do Contrato de Franquia[1][3]

Para aprofundar sua análise, vamos estruturar quatro pilares essenciais que muitas vezes passam despercebidos na leitura dinâmica da COF, mas que sustentam toda a estrutura jurídica do contrato que virá a seguir.

Prazos e Renovação[5][8][9][11]

O primeiro “P” refere-se aos prazos de vigência. Você precisa casar o prazo do contrato de franquia com o prazo do contrato de aluguel do imóvel. Imagine que seu contrato de franquia é de 5 anos, mas você investiu uma fortuna na reforma do ponto. Se o retorno do investimento (ROI) está projetado para o 36º mês, você terá apenas dois anos de lucro real. E depois? A renovação é automática? Existe taxa de renovação? Muitas redes cobram uma nova taxa de franquia (às vezes 50% do valor atual) apenas para renovar o contrato. Isso deve estar explícito na COF.[6][10] Se o locador do imóvel pedir o ponto e o contrato de franquia ainda estiver vigente, você paga multa por fechar a loja? Essa sincronia de prazos é vital para sua sobrevivência financeira.

Penalidades e Multas

O segundo “P” é o das penalidades. Contratos de franquia são draconianos por natureza. Eles preveem multas para tudo: atraso no pagamento de royalties, compra de fornecedor não homologado, uso indevido da marca, não participação em treinamentos. Você precisa mapear essas multas na COF. Verifique se existe proporcionalidade. Já vi contratos onde a multa por um atraso simples era motivo para rescisão contratual e cobrança de valores astronômicos. A chamada “cláusula penal” em caso de rescisão antecipada por sua parte costuma ser pesada. Entenda exatamente quanto custa sair do negócio se você descobrir que ele não é para você ou se você ficar doente. Entrar é fácil, sair costuma ser caríssimo.

Propriedade Intelectual e Segredos de Negócio

O terceiro “P” trata da Propriedade Intelectual. Você está pagando pelo uso de uma marca, então verifique se a franqueadora realmente é dona dela. A COF deve apresentar o número do registro no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Parece básico, mas existem redes vendendo franquias apenas com o “pedido de registro” em andamento. Se o INPI negar o registro da marca amanhã, você terá que mudar toda a fachada e identidade visual da sua loja do dia para a noite, às suas custas. Além disso, as cláusulas de confidencialidade e não-concorrência são severas. Geralmente, ao sair da rede, você fica impedido de atuar no mesmo ramo por 2 ou 5 anos. Isso significa que seu know-how adquirido fica “congelado”.

Resolução de Conflitos e Riscos de Litígio

Ninguém entra em um negócio pensando em processar o parceiro, mas como advogado, digo que é na paz que se prepara para a guerra. A forma como os conflitos são resolvidos define o custo e a duração da sua dor de cabeça.

A Pegadinha da Arbitragem

A maioria das grandes redes insere na COF e no contrato a Cláusula de Arbitragem. Em teoria, a arbitragem é ótima: rápida, técnica e sigilosa. Na prática, para o pequeno franqueado, ela pode ser uma barreira de acesso à justiça. Um processo arbitral é extremamente caro. Enquanto entrar no Judiciário pode custar taxas processuais acessíveis (ou até ser gratuito), iniciar uma arbitragem em câmaras renomadas pode custar inicialmente entre 30 a 50 mil reais, apenas para começar. Se a COF impõe arbitragem obrigatória em uma câmara cara, a franqueadora sabe que você dificilmente terá dinheiro para processá-la. Verifique se a câmara escolhida é acessível ou se existe a opção de recorrer ao Judiciário comum para causas de menor valor.

Sucessão e Passivos Trabalhistas

Outro ponto de risco é a sucessão empresarial e os passivos trabalhistas. A COF deve alertar sobre os riscos de vínculo empregatício. Embora a nova lei de franquias deixe claro que não há vínculo entre os funcionários do franqueado e a franqueadora, a Justiça do Trabalho analisa a realidade fática. Se a franqueadora interfere demais na sua gestão de RH — dando ordens diretas, selecionando seus funcionários, definindo escalas — cria-se um risco de “responsabilidade solidária”. Se a sua empresa quebrar e não pagar os funcionários, a franqueadora pode ser acionada? E vice-versa: se a rede quebrar, os credores dela virão atrás de você? A estrutura jurídica apresentada na COF deve blindar sua operação, garantindo independência real.[7]

Força Maior e Mudanças de Mercado

Os últimos anos nos ensinaram que o imponderável acontece. Pandemias, greves de caminhoneiros, mudanças drásticas na economia. Como a COF trata situações de força maior? Se houver um lockdown e sua loja em shopping ficar fechada por meses, a cobrança de royalties mínimos e fundo de propaganda é suspensa? A maioria dos contratos padrão (adesão) diz que não. Ou seja, você paga mesmo fechado. É essencial verificar se existem gatilhos de suspensão de pagamentos em casos de catástrofes ou mudanças bruscas de mercado. Uma rede parceira divide o prejuízo na crise; uma rede predatória cobra royalties sobre um faturamento zero, levando o franqueado à insolvência.

Comparativo: Franquia x Licenciamento x Negócio Próprio

Para consolidar seu entendimento sobre onde você está pisando, preparei este quadro comparativo. Ele ajuda a visualizar o nível de liberdade e risco de cada modelo.

CaracterísticaFranquia (Franchising)Licenciamento de MarcaNegócio Próprio
Transferência de Know-howAlta e Obrigatória. Você recebe manuais, treinamento e suporte contínuo.Baixa ou Nula. Você aluga o uso da marca (ex: Mickey numa camiseta), mas gere a produção como quiser.Nula. Você cria seus próprios processos e aprende com seus erros e acertos.
Autonomia na GestãoBaixa. Tudo é padronizado: arquitetura, fornecedores, preço (sugerido), mix de produtos.Média/Alta. Você deve respeitar a integridade da marca, mas a operação é sua.Total. Você decide tudo, desde a cor da parede até o fornecedor de café.
Custos MensaisAltos. Royalties, Fundo de Propaganda, Taxa de Sistema.Variáveis. Geralmente paga-se royalties sobre vendas, mas sem taxas de fundo de marketing robustas.Zero. Não há taxas para terceiros, todo o lucro (e prejuízo) é seu.
Risco do NegócioMédio. Modelo testado, marca conhecida, mas risco de gestão da rede.Médio. Depende da força da marca licenciada e da sua capacidade de distribuição.Alto. Estatisticamente, negócios independentes fecham mais rápido por falta de suporte.

Considerações Finais sobre a COF

Ler a Circular de Oferta de Franquia com olhos críticos é o primeiro ato de gestão do seu futuro negócio.[9] Não delegue essa leitura apenas para o advogado e, definitivamente, não confie apenas na palavra do vendedor. A COF é o mapa do tesouro, mas também é o mapa das minas terrestres. Ao identificar os custos ocultos, checar a saúde jurídica da marca e validar a operação com quem vive o dia a dia, você transforma uma aposta de risco em um investimento calculado.

Lembre-se: no direito empresarial, o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda), mas a transparência é o dever que antecede o contrato. Se a COF for obscura, incompleta ou mentirosa, não assine. Existem milhares de opções de investimento no mercado. O melhor negócio é aquele que te deixa dormir tranquilo à noite, sabendo exatamente onde você amarrou seu burro.

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