Herdeiro que some ou não assina: O que fazer quando a família trava o inventário?
Você provavelmente chegou até aqui porque está vivendo um dos momentos mais desgastantes da vida adulta: lidar com a burocracia da morte enquanto ainda processa o luto. Perder alguém é difícil, mas descobrir que o inventário está paralisado porque um dos herdeiros resolveu sumir, ou simplesmente cruzar os braços e não assinar nada, é uma prova de resistência emocional.[2][3] Eu vejo isso acontecer no meu escritório toda semana. Famílias inteiras que tinham tudo para resolver a partilha de bens em poucos meses, mas que acabam presas em um limbo jurídico por causa de um único integrante.
A boa notícia — e eu gosto de dar as boas notícias logo de cara — é que ninguém tem o “superpoder” de parar um inventário para sempre. O nosso sistema jurídico, embora possa ser lento, foi desenhado com mecanismos de escape justamente para evitar que o capricho ou o desaparecimento de uma pessoa prejudique o direito de todos os outros. Se você está com a sensação de estar refém de um irmão, tio ou primo que não colabora, respire fundo. Existe saída, e ela não envolve implorar pela boa vontade de ninguém.
Nesta conversa, vou te explicar exatamente como a gente destrava esse jogo. Vamos deixar de lado o “juridiquês” desnecessário e focar na estratégia. Vou te mostrar como transformamos um impasse familiar em uma solução judicial, quais são as ferramentas que usamos para contornar a assinatura que falta e como você pode proteger o seu patrimônio (e sua sanidade mental) durante esse processo. Pegue um café, porque vamos mergulhar fundo na solução desse problema.
O Travamento do Cartório: Por Que o Consenso é Rei?
Para entendermos como resolver o problema, você precisa primeiro compreender a regra do jogo que está te atrapalhando agora. Hoje, a via mais rápida, barata e eficiente para realizar um inventário é o cartório, através da escritura pública.[1][6] É o que chamamos de inventário extrajudicial.[1][3] No entanto, essa via expressa tem um pedágio obrigatório: o consenso absoluto.[1] A lei brasileira determinou que tabeliães de notas não podem resolver conflitos. Eles apenas homologam acordos. Isso significa que, para usar o cartório, todos devem estar de mãos dadas, metaforicamente falando.
Essa exigência de unanimidade cria o que eu chamo de “poder de veto” do herdeiro discordante. Basta que um único herdeiro, independentemente do tamanho do seu quinhão — pode ser alguém que tenha direito a apenas 1% da herança — diga “não” ou simplesmente se recuse a aparecer, para que a porta do cartório se feche. O tabelião não tem autoridade para intimar alguém a assinar ou para julgar se a recusa é justa ou injusta. Diante da falta de uma assinatura, o tabelião é obrigado, por lei, a suspender o procedimento. É frustrante, eu sei, ver toda a documentação pronta e não poder finalizar por capricho de um.
Quando isso acontece, a migração para a via judicial deixa de ser uma opção e passa a ser uma imposição legal. Muitos clientes meus resistem a essa ideia inicialmente, com medo da demora do Judiciário. Mas, paradoxalmente, quando há um herdeiro travando o processo, o Judiciário se torna o caminho mais seguro. Só um juiz tem o poder de dizer: “Cumpra-se, mesmo que você não queira”. Entrar com o processo judicial não é uma derrota; é a ferramenta que temos para retirar o poder de veto da mão desse herdeiro problemático e transferi-lo para o Estado, que garantirá a partilha.
A regra de ouro do inventário extrajudicial (e por que ela falha)
O inventário extrajudicial foi uma das maiores evoluções do nosso Direito Civil nas últimas décadas, criado para desafogar o Judiciário. A premissa é simples: se todos são maiores, capazes e estão de acordo, não precisamos de um juiz para dizer quem fica com o quê. O advogado monta a minuta, as partes conferem, pagam o imposto e assinam. Em trinta ou sessenta dias, tudo resolvido. É o cenário dos sonhos para qualquer advogado de sucessões e para as famílias que querem virar a página.
No entanto, essa simplicidade é frágil. Ela pressupõe uma harmonia familiar que, muitas vezes, desaparece junto com o autor da herança. O que vemos na prática é que antigas mágoas, disputas por preferência de um imóvel específico ou até mesmo questões matrimoniais dos herdeiros (genros e noras difíceis) contaminam o ambiente. O sistema de cartório não foi feito para lidar com “mas o papai gostava mais de mim” ou “eu cuidei dela no hospital, mereço mais”. Quando esses sentimentos surgem e impedem a assinatura, a regra de ouro do consenso se quebra, e a via administrativa colapsa imediatamente.
Por isso, sempre alerto: tentar forçar um inventário extrajudicial quando há um herdeiro relutante é perda de tempo e dinheiro. Você gasta com certidões que vencem rápido, paga honorários iniciais e, no dia da assinatura, a pessoa não aparece. Reconhecer cedo que o consenso falhou é uma atitude estratégica. Permite que você pare de andar em círculos e direcione seus recursos para a via judicial, onde a vontade desse herdeiro deixará de ser o fator determinante para o sucesso da partilha.
O “Poder de Veto”: Como um único CPF bloqueia a via administrativa
É curioso como a lei dá um poder desproporcional ao dissidente na fase extrajudicial. Imagine um patrimônio de milhões de reais, com dez herdeiros. Nove deles querem vender os imóveis, dividir o dinheiro e seguir a vida. Um deles, talvez por morar gratuitamente em um dos imóveis ou por pura rivalidade com os irmãos, decide não assinar. Esse único CPF trava a vida e o patrimônio dos outros nove. No cartório, a democracia da maioria não funciona; a tirania da minoria prevalece porque a segurança jurídica da escritura pública depende da anuência de 100% dos envolvidos.
Esse bloqueio gera efeitos em cascata devastadores. Sem o inventário finalizado, os imóveis não podem ser vendidos regularmente (ninguém financia imóvel de espólio sem alvará ou formal de partilha), as contas bancárias do falecido continuam bloqueadas e as dívidas do espólio (IPTU, condomínio) continuam se acumulando. O herdeiro que trava o processo muitas vezes não percebe — ou não se importa — que está desvalorizando o próprio patrimônio que vai receber. Ele usa a recusa como uma arma de negociação, muitas vezes fazendo chantagem para obter uma fatia maior do que a lei lhe garante.
Você precisa entender que, enquanto estivermos tentando a via do cartório, esse herdeiro está no controle. Ele dita o ritmo. A única forma de tirar o controle da mão dele é judicializando.[3] No processo judicial, a assinatura dele deixa de ser indispensável. Se ele não quiser assinar, o juiz assina por ele (através de mandados e formais de partilha). É a retomada do controle pela maioria ou, pelo menos, pela legalidade. É o momento em que você diz: “Acabou a negociação, agora vamos cumprir a lei”.
A migração forçada para o Judiciário: perdendo tempo para ganhar segurança
Mudar a rota para o inventário judicial assusta por causa da fama de lentidão da nossa Justiça. Não vou mentir para você dizendo que será tão rápido quanto no cartório. Não será. Mas é o único caminho onde há progresso garantido contra a vontade de alguém. No judicial, temos prazos, temos multas por descumprimento e, principalmente, temos a força coercitiva do Estado. O juiz não pede favor; o juiz determina.[1] E isso muda completamente a dinâmica de poder entre os herdeiros.
Ao ingressar com o inventário judicial, o primeiro passo é nomear um inventariante.[6][7] Geralmente, é quem tomou a iniciativa de abrir o processo (provavelmente você). Uma vez que você tem o termo de inventariante na mão, você passa a representar o espólio. Você pode ir ao banco tirar extratos, pode representar o espólio em assembleias de condomínio, pode assinar contratos de locação para não deixar os imóveis parados. A via judicial, embora mais lenta para a partilha final, te dá ferramentas imediatas de gestão que o “limbo” do cartório travado não permite.
Portanto, encare a migração para o Judiciário não como um problema, mas como a solução para o impasse. É lá que vamos resolver as pendências. Se o herdeiro não concorda com a avaliação dos bens, o juiz manda um perito oficial avaliar (e cobra os honorários do espólio, o que costuma acalmar os ânimos de quem reclama sem razão). Se ele não concorda com a divisão, o juiz decide conforme o Código Civil.[1] O processo anda, com ou sem a colaboração dele. Ganha-se segurança jurídica e a certeza de que haverá um fim, diferentemente da espera eterna por uma assinatura voluntária que nunca vem.
O Herdeiro “do Contra”: Lidando com Quem se Recusa a Assinar[1][2][3][6][7][10]
Agora que já estamos no terreno do Judiciário, precisamos lidar com a figura do herdeiro resistente. Aquele que recebe as mensagens no WhatsApp e ignora, ou que diz que vai assinar e nunca aparece. A estratégia aqui muda. Não estamos mais buscando o “sim” dele; estamos buscando a “citação” dele. A lei processual é clara: ninguém é obrigado a contratar advogado ou a se manifestar nos autos, mas todos devem ser formalmente avisados de que o processo existe.
O tratamento para esse tipo de herdeiro é técnico e frio. Acabam-se os almoços de domingo tentando convencer o tio João. O diálogo passa a ser nos autos do processo.[2][4][6] Isso protege você emocionalmente e documenta todas as tentativas de resolução. Muitas vezes, a resistência do herdeiro é baseada em desinformação jurídica (“acho que vão me passar a perna”) ou em conselhos ruins de terceiros (“não assina nada que você ganha mais”). Quando trazemos a discussão para o processo, sob a luz do juiz e de advogados técnicos, essas crenças infundadas tendem a cair por terra.
Vamos explorar como desmontar essa resistência passo a passo. Você verá que a recusa em assinar, dentro de um processo judicial, tem pernas curtas. O herdeiro pode espernear, pode apresentar impugnações descabidas, mas se o direito dos demais estiver claro e documentado, a partilha vai acontecer. A inércia dele, que antes travava tudo, no judicial pode até jogar a favor da celeridade, pois se ele for citado e não se manifestar no prazo, o processo corre à revelia dele em relação aos fatos incontroversos.
Psicologia do Conflito: Entendendo se é mágoa ou estratégia
Como advogado, aprendi que por trás de todo problema jurídico de família existe um problema emocional mal resolvido. O herdeiro que não assina raramente o faz apenas por questões financeiras objetivas. Na maioria das vezes, ele está usando o inventário para “cobrar” afetos do passado. Pode ser o irmão que se sentiu menos amado, o filho que acha que cuidou mais dos pais na velhice e não foi reconhecido, ou até vinganças por brigas antigas que nada têm a ver com o patrimônio.
Identificar a origem dessa resistência é crucial para definir a estratégia.[10] Se for pura mágoa, às vezes uma sessão de mediação extrajudicial, onde as pessoas podem desabafar, resolve mais rápido que cinco anos de processo. Se for estratégia financeira (ele quer ganhar tempo porque está usufruindo de um bem, por exemplo), a abordagem deve ser agressiva: cobrança de aluguel, pedido de imissão na posse, multas. Você precisa saber contra o que está lutando.[1][11] É um coração partido ou um bolso esperto?
Eu sempre recomendo aos meus clientes que tentem fazer essa leitura fria. Se percebermos que o herdeiro está apenas “fazendo birra” para chamar atenção, o melhor remédio é o formalismo do processo judicial. O Judiciário é um ambiente árido para dramas emocionais. O juiz não quer saber quem era o filho preferido; ele quer saber valor venal e quinhão. Quando o herdeiro “emocionado” percebe que o juiz não vai dar palco para as mágoas dele, ele costuma recuar e aceitar o acordo técnico.
A Citação Judicial como “Choque de Realidade”
A citação é o ato processual mais importante nesse cenário. É o momento em que um oficial de justiça bate na porta do herdeiro resistente e entrega um documento oficial dizendo: “O inventário começou, você tem 15 dias para se manifestar. Se não fizer nada, o processo segue sem você”. Isso tem um efeito psicológico poderoso. Uma coisa é ignorar as mensagens do irmão no grupo da família; outra coisa bem diferente é ignorar uma ordem judicial entregue por um oficial do Estado.
Muitos herdeiros “do contra” mudam de postura instantaneamente após a citação. Eles percebem que a ameaça de judicialização se concretizou e que agora terão gastos com advogados se quiserem brigar. É comum que, logo após a citação, o advogado desse herdeiro entre em contato propondo um acordo ou simplesmente concordando com as primeiras declarações para evitar maiores custos. A citação funciona como um “choque de realidade” que tira a pessoa da inércia.
E se ele for citado e continuar sem fazer nada? Melhor ainda para nós. A lei entende que quem cala consente em muitos aspectos processuais. Se ele foi devidamente avisado e optou por não constituir advogado ou não se opor à partilha proposta, o juiz assumirá que ele concorda com o esboço apresentado pelo inventariante. O processo caminha para a homologação da partilha sem a assinatura dele.[7] No final, o juiz expede o Formal de Partilha, que tem força de escritura pública e registra os imóveis no nome de cada um, ignorando solenemente a falta daquela assinatura.[1]
O Suprimento Judicial da Outorga: O juiz assinando pelo teimoso
Essa é a cartada final. O termo técnico é “suprimento de outorga” ou “suprimento de vontade”. Significa basicamente que a assinatura do juiz substitui a assinatura da parte que se recusa injustificadamente a assinar.[1] Isso é muito comum, por exemplo, quando é necessário vender um imóvel durante o inventário para pagar dívidas e um herdeiro se recusa a assinar a escritura de compra e venda.
Se provarmos ao juiz que a venda é necessária (para pagar o imposto de transmissão ou dívidas do falecido) e que o valor da venda é justo (compatível com o mercado), o juiz emite um alvará judicial. Esse alvará autoriza o inventariante a assinar a escritura em nome do espólio, inclusive representando a cota-parte do herdeiro teimoso. O comprador leva o imóvel, o dinheiro entra na conta judicial e o herdeiro do contra não pode fazer nada para impedir.
Isso se aplica também ao final do processo. Não precisamos que ele assine o termo de partilha. A sentença do juiz vale como título. Você pega essa sentença, leva ao cartório de Registro de Imóveis, leva ao Detran, leva aos bancos, e transfere os bens. O herdeiro resistente receberá a parte dele (ficará depositada em juízo ou averbada no registro do imóvel), mas ele perdeu totalmente a capacidade de travar a vida dos outros. A justiça brasileira garante o direito à herança, mas não garante o direito de chatear os parentes indefinidamente.
O Herdeiro “Fantasma”: O Que Fazer Quando Alguém Simplesmente Some?
Uma situação diferente, e às vezes mais complexa, é a do herdeiro que não está brigando, mas simplesmente desapareceu. Pode ser aquele parente que foi “comprar cigarros” há vinte anos, ou alguém que mudou de país e cortou contatos, ou até casos mais tristes de pessoas em situação de rua ou com problemas químicos que perderam o vínculo familiar. Para o Direito, a ausência física não retira a titularidade do direito sucessório. Não podemos simplesmente “esquecer” a parte dele e dividir entre os presentes.[11]
O procedimento aqui exige paciência e demonstração de boa-fé. O juiz precisa ter certeza de que vocês não estão tentando dar um golpe e excluir um herdeiro legítimo. Por isso, a primeira etapa é sempre tentar localizar. Mas, uma vez esgotadas as tentativas, o sistema cria uma “ficção jurídica” para permitir que o processo acabe. O herdeiro sumido será tratado como um “ausente” e terá seus direitos preservados, mas congelados, enquanto os demais seguem a vida.
Você não precisa contratar detetive particular, mas precisa mostrar serviço processual. O seu advogado vai requerer uma série de ofícios e buscas. É um trabalho burocrático, mas essencial para blindar o inventário de nulidades futuras. Imagine dividir tudo e, daqui a cinco anos, o “sumido” reaparece anulando a venda da casa que você fez? Para evitar isso, seguimos um rito rigoroso de tentativa de localização.
A Caçada Processual: Buscas em bancos de dados e ofícios
O primeiro passo para lidar com o herdeiro fantasma é pedir ao juiz o auxílio dos sistemas informatizados do Judiciário. Hoje, os juízes têm acesso a ferramentas poderosas como o SISBAJUD (bancos), RENAJUD (veículos), INFOJUD (Receita Federal) e SIEL (Justiça Eleitoral). Nós pedimos que o juiz consulte o CPF do sumido nesses sistemas para encontrar um endereço atualizado.
É impressionante como as pessoas deixam rastros. Um cadastro numa loja de departamento, uma conta de luz aberta recentemente, uma multa de trânsito em outra cidade. Essas “pegadas” digitais costumam nos dar um endereço para tentar a citação por correio ou oficial de justiça. Se encontrarmos e citarmos, o problema do sumiço está resolvido: ou ele aparece, ou vira revel (o que não responde).
Se essas buscas retornarem endereços antigos ou inexistentes, nós juntamos todas essas respostas negativas no processo. Isso serve como prova cabal de que “nós tentamos”. É a demonstração de esgotamento de meios que autoriza o juiz a passar para a próxima fase, que é a citação por edital. Sem essa “caçada” prévia documental, qualquer citação por edital seria frágil e poderia ser anulada depois. Portanto, encare essa etapa como um investimento na segurança do seu patrimônio futuro.
Citação por Edital: A ficção jurídica que permite o processo andar
Quando o oficial de justiça certifica que o herdeiro está em “local incerto e não sabido”, pedimos a citação por edital. Antigamente, isso significava publicar uma nota em jornais de grande circulação e no Diário Oficial. Hoje, é quase tudo eletrônico, publicado no Diário da Justiça e no site do Tribunal. A lei pressupõe que, ao tornar público o ato dessa forma, o herdeiro foi avisado.
Claro que, na prática, ninguém acorda de manhã e abre o Diário Oficial para ver se ganhou uma herança. Sabemos que é uma ficção. O herdeiro provavelmente não lerá o edital. Mas essa ficção é necessária para destravar o processo. A partir da publicação do edital e do decurso do prazo (geralmente 20 ou 30 dias), o herdeiro é considerado citado para todos os efeitos legais. O processo não para mais por falta de ciência dele.
Essa é a virada de chave no processo com herdeiro ausente. Até o edital, estamos parados procurando. Depois do edital, o processo volta a andar rumo à partilha.[1] É a ferramenta legal que diz: “O mundo não pode parar porque você sumiu”. O Estado cumpriu seu dever de publicidade e agora pode dispor sobre o patrimônio sem a presença física do beneficiário.
A Curadoria Especial: Um “advogado” nomeado para o ausente[10][11]
Para garantir que o processo seja justo e que ninguém passe a perna no herdeiro sumido (que foi citado por edital e obviamente não contestou), o juiz nomeia um Curador Especial. Geralmente, essa função é exercida por um Defensor Público. O papel desse curador não é atrapalhar o inventário, mas sim fiscalizar.
O Curador vai conferir se as avaliações dos bens estão corretas, se as dívidas apresentadas realmente existem e se o quinhão (a parte) do herdeiro sumido está sendo respeitado matematicamente. Ele atua como um fiscal da legalidade em defesa do ausente. Para você e seu advogado, isso significa que o trabalho deve ser tecnicamente perfeito. Não dá para “ajustar” valores informalmente.[11] Tudo tem que ser comprovado.
Ao final, a parte que caberia ao herdeiro sumido não é entregue aos outros irmãos.[1][11] Ela fica “reservada”.[4][9][11] O dinheiro é depositado em uma conta judicial vinculada ao juízo, ou uma fração do imóvel é registrada em nome dele. Os outros herdeiros recebem suas partes e podem vendê-las ou usá-las. A parte do sumido fica lá, esperando ele aparecer (por prazos que podem levar anos até a declaração de ausência definitiva), mas isso deixa de ser um problema seu. Você resolveu a sua parte da herança e se livrou do condomínio forçado com o fantasma.
Estratégias de Pressão: Doendo no Bolso de Quem Trava
Muitas vezes, o herdeiro não assina porque está numa posição confortável. É o clássico caso do filho que mora no apartamento dos pais falecidos, não paga aluguel, e não tem interesse nenhum em ver esse imóvel vendido ou partilhado. Para ele, o tempo jogando a favor da inércia é lucro. Para você, é prejuízo. Nesses casos, a estratégia jurídica deve ser focada em retirar esse conforto e criar um custo financeiro para a demora.
Quando o “não fazer nada” começa a custar caro, a motivação para assinar o inventário surge milagrosamente. O Direito Civil nos dá instrumentos para monetizar essa ocupação indevida ou essa resistência injustificada. Não se trata de vingança, mas de reequilíbrio econômico. O patrimônio é de todos, e o uso exclusivo por um gera dever de indenizar os demais.
Vou listar aqui três táticas que costumo usar para “incentivar” herdeiros acomodados a buscarem um acordo rápido. São medidas que mostram que a brincadeira acabou e que o relógio agora está correndo contra eles.
Cobrança de Aluguel pelo Uso Exclusivo de Bens do Espólio
Se um herdeiro está morando no imóvel ou usando o carro do falecido exclusivamente, ele deve pagar aluguel aos demais herdeiros. Esse é um entendimento pacificado nos tribunais (STJ). O inventário não é salvo-conduto para moradia gratuita. Assim que abrimos o inventário, notificamos o herdeiro ocupante de que desejamos a cobrança de aluguel proporcional.
Se ele tem 20% da herança, ele deve pagar aluguel sobre os 80% que não lhe pertencem. O valor é depositado em juízo ou pago diretamente aos outros herdeiros. Só o fato de entrar com essa ação de arbitramento de aluguel já costuma ser suficiente para o herdeiro querer agilizar a venda do imóvel ou a conclusão do inventário. Afinal, morar de graça era bom; pagar para morar na casa velha dos pais já não é tão interessante.
Essa medida também serve para pressionar o herdeiro a comprar a parte dos irmãos. Muitas vezes, ele não quer sair da casa. Tudo bem, ele pode ficar, desde que compre a parte dos outros (fazer a adjudicação). A cobrança de aluguel é o empurrão que faltava para ele ir ao banco buscar um financiamento e resolver a partilha.
Alienação Antecipada de Bens: Pedindo alvará para vender antes do fim
O mito de que “só pode vender depois que acabar o inventário” precisa morrer. O Código de Processo Civil permite a venda antecipada de bens quando há concordância ou necessidade do espólio. Mas e se o herdeiro do contra não concordar? Nós pedimos ao juiz a autorização (alvará) justificando que a venda é vantajosa e necessária para evitar a ruína do bem.
Imóveis fechados geram despesas de condomínio, IPTU e manutenção. Se o espólio não tem dinheiro em caixa para pagar isso, os bens vão se deteriorar e acumular dívidas. Argumentamos ao juiz que a recusa do herdeiro em vender está prejudicando o patrimônio de todos (“dilapidação do espólio”).
Juízes sensatos tendem a autorizar a venda para garantir a liquidez e estancar as dívidas, depositando o valor da venda em uma conta judicial. O dinheiro fica preso até o fim do processo, mas o imóvel (que gerava despesa) foi vendido por um bom preço. Isso tira o poder de chantagem do herdeiro que queria segurar o imóvel.
O Risco da Multa de Sonegação: Quando esconder bens sai caro
Às vezes, o herdeiro que não assina é aquele que estava na administração dos bens do falecido e “esqueceu” de informar algumas contas bancárias ou investimentos. Ele trava o processo porque teme que essas movimentações apareçam. Aqui, a pressão vem pela via da Ação de Sonegados.
Se provarmos que o herdeiro ocultou dolosamente bens da herança que deveriam ter sido trazidos ao inventário, ele pode perder o direito dele sobre esses bens específicos. Isso mesmo: a pena para sonegação é a perda do direito sobre o bem sonegado.
Avisar formalmente o herdeiro resistente de que será feita uma devassa fiscal e bancária nos últimos 5 anos de vida do falecido, e alertá-lo sobre as penas da sonegação civil e até criminal (apropriação indébita), costuma ter um efeito “milagroso” na recuperação da memória e na vontade de colaborar com a partilha rápida.
A Batalha dos Custos e a Negociação Racional
Por fim, precisamos falar sobre dinheiro. Inventário judicial custa caro. Inventário litigioso custa muito caro. E inventário parado custa mais caro ainda (multas, juros, depreciação). A maior arma de convencimento que você tem é a calculadora. Mostrar para o herdeiro resistente que a briga dele está comendo 20% ou 30% do patrimônio que ele mesmo iria receber é um argumento muito forte.
A racionalidade deve imperar. Como advogado, meu papel muitas vezes é ser o portador das más notícias financeiras para trazer todo mundo para a realidade. “Vocês querem brigar por causa desse carro velho? Ok, a perícia e as custas vão custar dois carros velhos”. Quando colocamos na ponta do lápis, o orgulho costuma dar lugar à conveniência econômica.
Vamos ver como estruturar essa argumentação financeira e quais ferramentas alternativas podemos usar para reduzir danos.
A Matemática do Prejuízo: Comparando custas judiciais x cartório
No inventário judicial, temos as custas processuais (geralmente 1% do valor da causa, dependendo do estado), honorários de peritos, honorários de advogados (que costumam ser maiores no contencioso) e a lentidão. No extrajudicial, pagamos os emolumentos do cartório, que têm um teto, e tudo se resolve rápido, liberando o dinheiro para render em investimentos.
Além disso, existe a multa do ITCMD (imposto sobre herança). A maioria dos estados cobra multa se o inventário não for aberto em 60 dias após o óbito. Se o herdeiro travou o início, a multa já está correndo. É preciso mostrar a ele: “Olha, a cada mês que você não assina, estamos perdendo X reais em multa e correção monetária”.
Muitas vezes, faço uma planilha simples: “Cenário A (Acordo Agora)” vs “Cenário B (Briga Judicial)”. A diferença líquida no bolso de cada herdeiro costuma ser brutal. Apresentar esses números frios ajuda a desarmar defesas emocionais. O bolso é o órgão mais sensível do corpo humano.
Mediação Familiar: Usando um terceiro imparcial antes de litigar[1]
Antes de partir para a “guerra nuclear” no Judiciário, vale a pena tentar uma sessão de mediação profissional. Não estou falando de terapia de família, mas de mediação jurídica. Existem câmaras privadas e até centros nos tribunais (CEJUSC) onde um mediador treinado ajuda as partes a construírem um acordo.
O mediador não é juiz, ele não decide. Ele facilita a comunicação. Às vezes, o herdeiro resistente só precisa ouvir de um terceiro neutro que ele está errado. Ele não ouve você, não ouve seu advogado, mas ouve o mediador.
A mediação é mais barata e infinitamente mais rápida que o processo. Se conseguirmos um acordo parcial ali, já podemos levar para o cartório ou para homologação judicial. É uma tentativa válida de economizar anos de desgaste.
O Isolamento da Cota-Parte: Pagando o discordante em dinheiro para liberar os bens
Se nada funcionar, e houver liquidez (dinheiro) no espólio ou se um dos herdeiros tiver recursos, a melhor saída pode ser comprar a paz. Isso significa oferecer pagar a parte do herdeiro discordante em dinheiro, isolando-o da partilha dos bens imóveis.
Fazemos um acordo onde ele recebe o valor dele (à vista ou parcelado) e cede seus direitos hereditários para os demais. Ele sai do processo com o dinheiro no bolso, e vocês ficam com os imóveis e a liberdade para geri-los sem a interferência dele.
Embora possa parecer injusto “premiar” o chato com dinheiro rápido, financeiramente costuma valer a pena para destravar ativos imobiliários valiosos que estão parados. É o preço da tranquilidade. Você paga para ele sair da sua vida e do patrimônio da família.
Quadro Comparativo: Cenários do Inventário
Para facilitar sua visualização, preparei este quadro comparando as três situações possíveis. Veja como a complexidade muda.
| Característica | Inventário Extrajudicial (Cartório) | Inventário Judicial (Consensual) | Inventário Judicial (Litigioso/Ausente) |
| Requisito Principal | Consenso total e todos maiores/capazes.[1][2][3][6][7] | Presença de menores ou opção das partes.[1][4][7][9][10][11] | Falta de acordo ou herdeiro sumido.[1][3][4][5][6][7][9][10][11] |
| Tempo Estimado | 2 a 6 meses. | 6 a 12 meses. | 3 a 10 anos (ou mais, sem estratégia). |
| Custo | Emolumentos de cartório + Advogado.[2][3][8] | Custas judiciais + Advogado.[2][3][8][10] | Custas + Peritos + Multas + Advogado + Tempo. |
| Papel do Juiz | Inexistente.[1][3][4][6][7][8] | Apenas homologa. | Decide, supre assinaturas e impõe partilha. |
| Se alguém não assinar | Processo para imediatamente. | Processo trava até virar litigioso. | O Juiz assina pela parte (Suprimento). |
| Venda de Bens | Livre e imediata após registro. | Depende de Alvará Judicial.[1][3][4][5][6] | Depende de Alvará e justificativa forte. |
Lidar com herança nunca é apenas sobre bens; é sobre encerramento de ciclos. Se você está enfrentando um herdeiro que some ou não assina, saiba que a lei está do seu lado para garantir que esse ciclo se feche.[3] Não fique refém. Procure auxílio especializado e use as ferramentas judiciais para destravar sua vida.[10] O direito não socorre aos que dormem, mas protege muito bem aos que agem com estratégia.
