Lei de Drogas: A Linha Tênue entre Usuário e Traficante
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Você já parou para pensar que a diferença entre voltar para casa com uma advertência ou passar os próximos cinco anos em uma cela pode depender de interpretação? A Lei de Drogas brasileira (Lei 11.343/2006) é conhecida por ser dura, mas também por ser incrivelmente subjetiva. Não existe uma tabela mágica automática para todas as substâncias, e entender como esse sistema funciona é vital para qualquer cidadão, não apenas para advogados. Vamos conversar sobre isso como se estivéssemos no meu escritório, tomando um café, sem aquele “juridiquês” que só serve para confundir.

O grande problema que enfrentamos hoje é que a linha que separa o usuário do traficante é muito mais cinzenta do que a maioria das pessoas imagina. Muita gente acredita que basta dizer “é para meu uso” que tudo se resolve, ou que ser pego com uma pequena quantidade garante a liberdade. A realidade das delegacias e dos fóruns mostra algo totalmente diferente. O sistema penal analisa um conjunto de fatores e, muitas vezes, o preconceito social acaba preenchendo as lacunas deixadas pela lei escrita. Você precisa entender como se proteger e quais são seus direitos reais nesse cenário.

Neste artigo, vamos desmistificar os artigos que definem esses crimes e analisar como a jurisprudência, especialmente as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, mudou o jogo. Você vai descobrir que ser classificado como traficante não exige necessariamente que você esteja vendendo algo e que a sua postura e histórico podem pesar tanto quanto a droga que está no seu bolso. Vamos mergulhar nos detalhes práticos que nenhum manual teórico te conta.

Entendendo as Regras do Jogo: Artigos 28 e 33[1][6][10][11][12][13]

O Usuário e o Artigo 28: Não Dá Cadeia, Mas Dá Problema

O artigo 28 da Lei de Drogas descreve a conduta de quem adquire, guarda ou transporta drogas para consumo pessoal.[2][5][7][9][10][12] A grande mudança que essa lei trouxe em 2006 foi acabar com a pena de prisão para o usuário. Isso significa que, se você for enquadrado aqui, você não vai para o presídio. No entanto, não se engane achando que “liberou geral”. O porte para uso ainda é considerado um ato ilícito e gera consequências jurídicas que podem atrapalhar sua vida, como a necessidade de comparecer a cursos educativos ou prestar serviços à comunidade.[9]

A lei define que o objetivo exclusivo deve ser o consumo pessoal, e provar essa finalidade é o grande desafio da defesa. Quando você é abordado, a autoridade policial não sabe o que se passa na sua cabeça — o chamado “dolo” ou intenção. Eles analisam o que veem. Se você assina um termo circunstanciado como usuário, você assume o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal. Não há inquérito policial longo, nem prisão em flagrante que mantenha você encarcerado, mas o processo existe e exige sua atenção.

É importante destacar que as penas para o usuário são de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa.[9][10] Se você não cumprir essas medidas, o juiz pode aplicar multas ou admoestações verbais severas, mas nunca converter isso em prisão. O foco da lei, na teoria, é a saúde pública e a recuperação, tratando o usuário não como um criminoso perigoso, mas como alguém que precisa de orientação. Porém, o estigma de ter uma passagem pela polícia, mesmo que como usuário, permanece nos registros.

O Traficante e o Artigo 33: Muito Além de Vender[10][12]

Aqui é onde o pesadelo começa. O artigo 33 define o tráfico de drogas e prevê uma pena pesada: de 5 a 15 anos de reclusão.[10] O que a maioria das pessoas não sabe é que você não precisa vender droga para ser considerado traficante. O artigo possui 18 verbos nucleares. Se você “guardar”, “transportar”, “trazer consigo” ou “oferecer” droga, mesmo que de graça, você pode ser enquadrado no tráfico.[10][12] A venda é apenas uma das condutas possíveis, não a única necessária para a condenação.

Imagine a situação comum de alguém que está guardando a droga de um amigo em casa. Essa pessoa não vai lucrar um centavo com isso, não é comerciante, mas está praticando o verbo “guardar” ou “ter em depósito”. Para a lei, sem a devida defesa técnica para provar o contrário, isso é tráfico. A ranhura na lei é profunda porque permite que muitas condutas que não visam lucro sejam tratadas com o mesmo rigor de quem gerencia uma boca de fumo.

Além da pena alta de prisão, o tráfico é considerado um crime equiparado a hediondo. Isso traz consequências processuais severas, como prazos maiores para conseguir progressão de regime (sair do fechado para o semiaberto) e maior dificuldade para obter liberdade provisória durante o processo. Se a polícia decidir que a sua conduta se encaixa no artigo 33, a presunção muda: você começa o jogo perdendo e precisa lutar muito para provar que aquela substância não era destinada a terceiros.

O “Tráfico Privilegiado” e o Consumo Compartilhado[4][12]

Existe uma figura jurídica que fica no meio do caminho e confunde muita gente. O chamado “tráfico privilegiado” não é um tipo penal diferente, mas uma causa de diminuição de pena para o traficante que é primário, tem bons antecedentes e não integra organização criminosa. Se você se encaixa nesses requisitos, a pena pode cair drasticamente, permitindo até que você não vá para a cadeia e cumpra penas alternativas. É a válvula de escape que a lei criou para punir menos o “mula” ou o pequeno vendedor ocasional do que o grande chefe do crime.

Outra situação específica é o “consumo compartilhado”, previsto no parágrafo 3º do artigo 33.[10] Sabe aquela roda de amigos onde alguém leva a droga para todos usarem juntos, sem cobrar nada ou cobrando apenas o valor de custo para rachar? Isso não é tecnicamente nem o artigo 28 (uso exclusivo próprio) nem o tráfico padrão.[7][9] A pena é detenção de 6 meses a 1 ano. É um crime, dá prisão (teoricamente), mas é muito mais leve que o tráfico comum.

A defesa técnica muitas vezes busca essa desclassificação quando não consegue provar o uso exclusivo. Mostrar que o objetivo era o consumo em grupo, sem lucro e entre pessoas de relacionamento próximo, pode salvar o acusado de uma condenação de 5 anos. No entanto, a linha é tênue: se houver qualquer indício de lucro ou habitualidade comercial, o juiz descartará essa hipótese e aplicará a pena cheia do tráfico.

Os Critérios que o Juiz Usa para Decidir sua Vida

A Natureza e a Quantidade: O Peso na Balança

O juiz e o delegado olham primeiramente para o que foi apreendido. A quantidade importa, sim, mas a natureza da droga importa ainda mais. Uma pequena quantidade de maconha tem um peso interpretativo diferente de uma pequena quantidade de crack ou drogas sintéticas. O crack e a cocaína, por exemplo, têm um alto poder viciante e destrutivo, o que leva os magistrados a serem mais rigorosos. Dez gramas de cocaína podem ser suficientes para caracterizar tráfico em muitas comarcas, enquanto a mesma quantidade de maconha passaria tranquilamente como uso.

A forma como a droga está acondicionada é muitas vezes mais incriminadora do que o peso total. Se você tem 50 gramas de maconha em um único bloco prensado, é mais fácil argumentar que você comprou em maior quantidade para estocar e consumir ao longo do mês. Agora, se você tem os mesmos 50 gramas divididos em 50 saquinhos pequenos de 1 grama cada, a polícia vai presumir imediatamente que aquilo está pronto para a venda. A “dolagem” (embalagem) é um indício fortíssimo de traficância.

Não existe na lei antiga uma tabela fixa de quantidades (com exceção da recente decisão do STF sobre maconha que veremos adiante). Isso gera uma insegurança jurídica tremenda.[12] Em bairros nobres, apreensões maiores tendem a ser vistas como estoque de usuário rico; em periferias, quantidades minúsculas viram tráfico. O seu advogado precisa contextualizar essa quantidade com o seu padrão de consumo para convencer o juiz de que aquele volume é compatível com o seu uso pessoal.

O Cenário da Prisão: Local e Circunstâncias[1][9][14]

Onde você foi preso diz muito sobre como você será julgado. O artigo 28, parágrafo 2º, manda o juiz observar o local e as condições da ação.[1] Se você é pego fumando em um parque ou em uma festa, a presunção de uso é forte. Mas se você é abordado em um local conhecido pela polícia como “ponto de venda” ou “biqueira”, e está parado lá sem consumir, a suspeita de tráfico dispara, mesmo que você não tenha nada nas mãos naquele exato momento.

As circunstâncias da prisão incluem também o que mais estava com você. A apreensão de balanças de precisão, cadernos de anotações com nomes e valores, ou grandes quantidades de dinheiro trocado são “caixão e vela preta” para a defesa de usuário. Esses objetos instrumentais indicam comércio.[2][3][4] É muito difícil explicar para um juiz por que um mero usuário andaria com uma balança de precisão no bolso.

A polícia também observa a sua atitude durante a abordagem. Tentativas de fuga, descarte de objetos ou comportamento nervoso excessivo são relatados no inquérito e usados para formar a convicção do juiz. O contexto fático é o que dá cor à interpretação da lei. Se você estava apenas passando pelo local ou se estava estacionado observando o movimento, tudo isso será usado para construir a narrativa de usuário ou de traficante.

Quem é Você no Processo: Antecedentes e Conduta Social[4]

O Direito Penal deveria julgar o fato, mas na prática, ele julga a pessoa. Seus antecedentes criminais pesam toneladas na hora da decisão. Se você já tem passagens por tráfico, a chance de uma nova apreensão de drogas ser considerada apenas uso cai drasticamente. O sistema tende a ver a reincidência como uma prova de que você faz do crime o seu meio de vida. Por outro lado, ser primário e ter bons antecedentes ajuda a sustentar a tese de que aquilo foi um deslize pontual.

A sua conduta social e personalidade também entram na equação. Ter um emprego fixo, comprovante de residência, estar matriculado em faculdade ou cursos, tudo isso ajuda a provar que você não vive do tráfico. O traficante “profissional” geralmente não tem como comprovar renda lícita. Quando apresentamos a carteira de trabalho assinada de um cliente, estamos dizendo ao juiz: “Olha, ele trabalha 8 horas por dia, ganha o salário dele, não precisa vender drogas para sobreviver”.

Essa análise, infelizmente, abre margem para o elitismo judicial. Pessoas com estrutura familiar e financeira sólida têm mais facilidade em produzir essas provas de “boa conduta social”. Quem vive na informalidade ou está desempregado enfrenta uma barreira maior para provar que não é traficante. O papel da defesa é humanizar o acusado, mostrando que a falta de um emprego formal não o torna automaticamente um criminoso, buscando testemunhas e outros meios de prova de sua idoneidade.

A Revolução Recente: O STF e a Maconha[2][3][5][7]

A Regra dos 40 Gramas e das 6 Plantas Fêmeas[2][3][4][5][6]

Em junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica que mudou os parâmetros para a maconha (Cannabis sativa).[2][4][5] Ficou definido que o porte de maconha para uso pessoal é um ilícito administrativo, não penal.[3][4][5] Mais importante ainda, o STF fixou um critério objetivo: presume-se usuário quem portar até 40 gramas de maconha ou tiver até 6 plantas fêmeas.[2][4][5] Isso foi feito para tentar diminuir a subjetividade que discutimos acima e reduzir o encarceramento em massa de pequenos possuidores.

Essa decisão cria uma barreira de proteção inicial. Se você for pego com 20 gramas, por exemplo, a regra inicial é que você deve ser tratado como usuário. A polícia não deve, em tese, prendê-lo em flagrante por tráfico baseando-se apenas na quantidade.[2][4] Isso traz um alívio enorme para quem consome a substância e vivia com o medo constante de ser confundido com traficante por estar com um pouco mais de erva para o fim de semana.

No entanto, é crucial entender que isso se aplica apenas à maconha. Para cocaína, crack, ecstasy e outras substâncias, a regra da subjetividade total continua valendo. E mesmo para a maconha, a regra não é absoluta.[2][3][4][5] Não ache que andar com 39 gramas é um passaporte diplomático que te torna intocável. A interpretação policial ainda existe, mas agora eles têm uma barreira numérica para justificar a prisão.

Presunção Relativa: Por que Você Ainda Pode Ser Preso[2][4][5][6][12]

A decisão do STF estabeleceu uma “presunção relativa”, e não absoluta.[2][3][4][5][6] O que isso significa na prática? Significa que, mesmo com menos de 40 gramas, você ainda pode ser preso como traficante se houver outros elementos de prova.[3][4][5] Se a polícia te pegar com 10 gramas de maconha, mas você tiver uma balança, um caderno de contabilidade do tráfico e estiver sendo filmado vendendo para alguém, a quantidade pequena não vai te salvar.

O contrário também é verdadeiro: ter mais de 40 gramas não te torna automaticamente traficante, mas inverte o ônus da prova. Se você for pego com 60 gramas, o juiz vai presumir que é tráfico, e caberá a você e ao seu advogado provar de forma robusta que aquela quantidade era exclusivamente para o seu consumo pessoal, talvez mostrando um padrão de consumo elevado ou a compra para um longo período de isolamento.

O delegado de polícia, no momento da prisão, deve justificar minuciosamente por que está afastando a presunção de usuário se a quantidade for menor que 40g.[4] Ele não pode mais usar frases genéricas. Ele precisa apontar fatos concretos: “Havia dinheiro trocado, ele estava oferecendo a transeuntes, havia mensagens de venda no celular”. Isso exige um trabalho policial mais técnico e menos baseado em “achismo” ou na aparência do suspeito.

O Fim da Reincidência Criminal para Usuários

Um dos pontos mais importantes dessa nova decisão é que o porte de maconha para uso deixa de ter natureza penal.[3] Isso significa que, se você for autuado como usuário de maconha, isso não gera reincidência criminal.[2][4][5] Sua “ficha” na esfera criminal permanece limpa. Você não perde sua primariedade. Antes, uma condenação pelo artigo 28, embora não desse cadeia, contava como antecedente e, se você cometesse outro crime depois, seria considerado reincidente, perdendo benefícios legais.

Agora, as sanções são administrativas.[6] É como tomar uma multa de trânsito grave, mas sem os pontos na carteira de motorista que te impedem de dirigir. Você ainda terá que comparecer a programas educativos, mas isso não vai manchar sua folha de antecedentes criminais para fins de concursos públicos (na maioria dos casos) ou para processos futuros. Isso é um avanço enorme para a desestigmatização do usuário.

Contudo, essa regra vale para o futuro e para os processos em aberto. Quem já tinha condenações antigas pode pedir a revisão. Mas lembre-se: isso é específico para a maconha. Se você for pego como usuário de cocaína, a infração ainda é penal, o artigo 28 continua sendo crime (embora sem pena de prisão) e gera, sim, os efeitos penais secundários como a perda da primariedade.

O Momento da Verdade: Do Flagrante à Audiência

O Poder Discricionário do Delegado na Delegacia

A primeira “batalha” jurídica acontece na delegacia, muitas vezes de madrugada e sem o seu advogado presente se você não tiver um de confiança para ligar na hora. Quem define inicialmente se é “28” (usuário) ou “33” (tráfico) é o delegado de polícia. Essa autoridade tem um poder imenso nas mãos. Ele ouve os policiais militares que fizeram a prisão (os condutores), ouve você e decide se lavra o Auto de Prisão em Flagrante (APF) ou apenas um Termo Circunstanciado (TC).

Se ele decidir pelo tráfico (33), você fica preso.[10] Se decidir pelo uso (28), você assina e vai para casa. Muitas vezes, essa decisão é tomada em minutos, baseada apenas na palavra dos PMs. Por isso, a postura na delegacia é crucial. Manter o silêncio é seu direito constitucional e, na maioria das vezes, é a melhor estratégia até que seu advogado chegue. Tentar se explicar nervoso, inventar histórias ou cair em contradição pode dar ao delegado a munição que ele precisa para tipificar como tráfico.

O delegado também pode indiciar você por tráfico e a justiça lá na frente mudar para usuário. Mas até lá, você já passou dias, meses ou anos preso. O “filtro” da delegacia é onde o sistema é mais falho e seletivo. Ter um advogado combatente acompanhando o flagrante pode fazer o delegado repensar a tipificação, apontando a falta de provas de comércio ou a pequena quantidade da droga.

A Audiência de Custódia: Sua Chance de Liberdade

Se o delegado ratificar a prisão por tráfico, você deve ser levado à presença de um juiz em até 24 horas para a audiência de custódia. Esse é um momento divisor de águas. O juiz não vai julgar se você é culpado ou inocente naquele momento; ele vai julgar se a prisão foi legal e se você precisa continuar preso durante o processo (prisão preventiva) ou se pode responder em liberdade.

Na custódia, o foco é a sua liberdade. É aqui que argumentamos que você tem residência fixa, trabalho, que não oferece risco à sociedade e que a quantidade de droga não justifica uma prisão cautelar. Com a nova jurisprudência do STF, a defesa ganha força para argumentar que, em casos limítrofes, a prisão é desproporcional. Conseguir a liberdade provisória aqui é vital, pois responder ao processo solto aumenta estatisticamente suas chances de uma sentença favorável no final.

Muitos juízes ainda têm uma mentalidade encarceradora e convertem o flagrante em preventiva quase que automaticamente para casos de tráfico. Mas a audiência é a chance de você falar sobre tortura policial, sobre como foi a abordagem e mostrar que você é um cidadão com direitos. É o primeiro contato com o Judiciário e deve ser levado muito a sério.

A Palavra dos Policiais como Prova Principal

Você precisa saber de uma verdade inconveniente: no Brasil, a palavra do policial tem fé pública e, em crimes de tráfico, muitas vezes é a única prova usada para condenar. A Súmula 70 do TJRJ e o entendimento dos tribunais superiores validam o depoimento policial como prova suficiente, desde que coerente. Isso cria um cenário difícil para a defesa: é a sua palavra contra a do agente do Estado.

Geralmente, os depoimentos policiais são padronizados. Eles dizem que “estavam em patrulhamento, avistaram o indivíduo em atitude suspeita, que ao ver a viatura tentou fugir”. Quebrar essa narrativa exige inteligência. Buscamos contradições nos detalhes: um policial diz que a droga estava no bolso, o outro diz que estava no chão; um diz que você confessou, o outro diz que você ficou calado.

Câmeras nas fardas (bodycams) estão começando a mudar esse cenário em alguns estados, fornecendo uma prova mais objetiva do que aconteceu. Mas, na ausência delas, a defesa precisa buscar câmeras de segurança da rua, testemunhas vizinhas e dados de geolocalização do celular para provar que a narrativa policial não se sustenta. Enfrentar a palavra da polícia é difícil, mas não é impossível quando se trabalha com detalhes técnicos.

Consequências Práticas na Sua Vida

Pena de Reclusão x Medidas Educativas[4][5][9][10]

A diferença prática no final do processo é abismal. Se condenado como usuário, você terá que frequentar palestras, cursos ou prestar serviços comunitários (como limpar praças ou ajudar em hospitais) por alguns meses. É chato, toma seu tempo, mas você dorme na sua cama. A medida educativa tem caráter pedagógico e não retributivo de sofrimento físico.

Já a condenação por tráfico joga você no sistema penitenciário brasileiro, que o STF já chamou de “Estado de Coisas Inconstitucional”. As penas começam em 5 anos.[10] Mesmo que você pegue o tráfico privilegiado e reduza para 1 ano e 8 meses, podendo substituir por penas alternativas, a “etiqueta” de traficante fica. E se a pena for de reclusão, você enfrentará a superlotação, as facções criminosas e a insalubridade das cadeias. A diferença não é apenas de tempo, é de qualidade de vida e sobrevivência.

O Estigma e a Vida Pós-Processo

Ser rotulado como traficante fecha portas de emprego para sempre. A certidão de antecedentes criminais positiva impede contratações em grandes empresas, concursos públicos e até mesmo dificulta alugar imóveis ou obter vistos para viajar para outros países. O estigma social é pesado. A sociedade tende a ver o traficante como o inimigo número um, ignorando as nuances legais que discutimos aqui.

Para o usuário, especialmente após a decisão do STF sobre a maconha, o impacto tende a ser menor, ficando restrito à esfera administrativa. Mas para outras drogas, o registro de passagem pela polícia, mesmo que sem prisão, ainda pode aparecer em pesquisas de vida pregressa mais aprofundadas, dependendo do sistema consultado. Proteger o seu nome é tão importante quanto proteger a sua liberdade.

A Desclassificação como Estratégia de Defesa

O objetivo de ouro de qualquer advogado criminalista em um processo de tráfico com provas frágeis é a “desclassificação”. Isso significa convencer o juiz de que o crime do artigo 33 (tráfico) não ocorreu, mas sim o do artigo 28 (uso). É transformar uma pena de 5 anos de cadeia em uma advertência verbal.

Essa estratégia envolve provar que a droga era para consumo, que o réu tem condições financeiras de sustentar o vício sem vender, que não havia atos de comércio e que a quantidade é compatível com o uso. Conseguir a desclassificação é uma vitória processual gigantesca. É salvar literalmente a vida do cliente. Por isso, nunca se deve desistir do processo ou aceitar a acusação passivamente. A batalha técnica para mudar a “etiqueta” do crime dura até o último recurso.

Comparativo Resumido

Para visualizar melhor onde você ou seu familiar pode se encaixar, preparei este quadro comparativo direto:

CaracterísticaUsuário (Art. 28)Traficante (Art.[1][2][4][5][7][8][9][10][11][12] 33)Consumo Compartilhado (Art.[10][11][12] 33, §3º)
FinalidadeUso exclusivamente pessoal.Venda, entrega, guarda ou fornecimento a terceiros.[2][3][4][5][6][9][10][12]Oferecer a amigo para uso conjunto, sem lucro.[10]
Pena PrincipalAdvertência, Serviços Comunitários, Medida Educativa.[3][4][5][9][10]Reclusão de 5 a 15 anos + Multa pesada.[10]Detenção de 6 meses a 1 ano.[4]
PrisãoNão há prisão em flagrante (assina termo e sai).Prisão em flagrante e possível preventiva.[2][5][9]Geralmente assina termo, mas é crime com pena de prisão.
Critério Maconha (STF)Presunção relativa até 40g ou 6 plantas fêmeas.[2][3][4][5][15]Acima de 40g ou com provas de venda (balança, contatos).Não se aplica o critério objetivo de 40g automaticamente.[3][4]
Status LegalIlícito administrativo (para maconha) ou Penal (outras).[3][4][5][7][10]Crime equiparado a Hediondo.Crime de menor potencial ofensivo.[13]

Entender a Lei de Drogas é entender sobre liberdade. A subjetividade da lei exige que você esteja sempre alerta e bem assessorado. O conhecimento é a sua primeira linha de defesa contra um sistema que erra, e erra muito. Se você se encontrar nessa situação, lembre-se: detalhes salvam, o silêncio protege e a defesa técnica liberta.

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