O Guia Definitivo do Alvará Judicial para Pequenos Valores
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O Guia Definitivo do Alvará Judicial para Pequenos Valores

Sente-se aqui, meu caro. Vamos conversar um pouco sobre burocracia e como podemos contorná-la de forma inteligente. Sei que perder um ente querido já é um golpe duro o suficiente. Você não precisa que o banco ou o governo tornem esse momento ainda mais difícil travando o dinheiro que é seu por direito. É aqui que entra o nosso tema de hoje. Vamos falar sobre o alvará judicial. Você vai entender como essa ferramenta jurídica funciona para o levantamento de pequenos valores deixados pelo de cujus.

Não se assuste com os termos em latim que usarei ocasionalmente. Faz parte do nosso ofício. Mas prometo traduzir tudo para a nossa realidade prática. O alvará judicial nada mais é do que uma autorização. É uma ordem que o juiz dá para que uma instituição libere valores. Imagine que o falecido deixou um saldo na poupança ou algum resíduo de benefício do INSS. Você não pode simplesmente ir ao caixa eletrônico e sacar. O banco precisa de segurança jurídica para pagar. O alvará é essa segurança.

Você deve estar pensando se isso vai demorar anos como um processo comum. A resposta é que depende muito de como conduzimos o pedido. A lei foi feita para ser rápida. O objetivo é justamente evitar o inventário completo para quantias irrisórias. Quero que você saia daqui hoje entendendo exatamente se o seu caso se encaixa nessa via expressa ou se teremos que enfrentar o caminho mais longo do inventário.

Entendendo o Instituto do Alvará Judicial e a Lei 6.858/80

O conceito de jurisdição voluntária simplificada

Você precisa compreender a natureza jurídica do que estamos propondo. O alvará judicial para esses casos é um procedimento de jurisdição voluntária. Isso significa que, em tese, não há briga. Não existe um autor processando um réu. Existe apenas você, como interessado, pedindo ao Estado-Juiz que autorize uma situação. É uma administração pública de interesses privados. O juiz atua não para resolver um conflito, mas para validar um direito que já é seu.

Essa característica torna o processo muito mais leve. Não temos aquelas fases intermináveis de contestação ou réplica que você vê nos filmes de tribunal. O foco aqui é provar dois pontos simples. Primeiro, provar que a pessoa faleceu e deixou valores. Segundo, provar que você é a pessoa certa para receber. Se conseguirmos demonstrar isso documentalmente de largada, o juiz tende a decidir rápido. A simplicidade é a alma desse negócio jurídico.

No entanto, a simplicidade não significa falta de rigor. O juiz precisa ter certeza absoluta. Se ele liberar o dinheiro para a pessoa errada, o banco pode ser responsabilizado e o magistrado terá problemas. Por isso, a “conversa” no processo é feita através de provas documentais robustas. Você não vai precisar depor em audiência na maioria esmagadora das vezes. É um processo de papel e de análise técnica.

A intenção do legislador na Lei 6.858/80

Vamos olhar para a história para entender o direito. Em 1980, o legislador brasileiro percebeu um problema grave. As famílias pobres ou de classe média baixa perdiam seus parentes e ficavam com o dinheiro preso. Eram quantias pequenas, como salários não recebidos ou saldos de FGTS. Exigir um inventário completo, que é caro e demorado, para liberar essas quantias era uma injustiça social. O custo do processo seria maior que o valor a receber.

Foi assim que nasceu a Lei 6.858/80. Ela veio para desburocratizar o acesso a esses recursos alimentares. O legislador quis garantir que a viúva ou os filhos pudessem comprar comida na semana seguinte ao falecimento. A lei inverte a lógica do Código Civil tradicional. Ela diz que para esses valores específicos, não precisamos seguir a ordem rígida de herança se houver dependentes habilitados na previdência. É uma lei de cunho social fortíssimo.

Você deve notar que a lei é curta. Ela tem poucos artigos. Isso é proposital. Ela não quer criar regras complexas. Ela quer resolver o problema. O espírito da lei é a facilitação. Quando entramos com o pedido, sempre lembramos ao juiz dessa intenção original. Se o judiciário começa a criar muitos entraves, ele está indo contra o próprio motivo de existência da lei. Nosso argumento sempre será pela celeridade e pela natureza alimentar da verba.

Distinção fundamental entre Alvará e Inventário

Muitos clientes chegam ao meu escritório confundindo as coisas. Acham que alvará é um tipo de inventário ou vice-versa. Não é bem assim. O inventário é o processo universal. Ele serve para apurar todo o patrimônio, pagar todas as dívidas e dividir o que sobrar. O inventário abarca casa, carro, fazenda, ações e dívidas. Ele é obrigatório quando existem bens imóveis ou valores altos. É um processo de “balanço geral” da vida do falecido.

O alvará judicial é uma exceção. Ele é pontual. Ele serve apenas para o que a lei permite. Você não pode fazer um alvará para transferir a propriedade de uma mansão. O alvará “fura a fila” do inventário para itens específicos. Se o falecido deixou apenas esses pequenos valores e nenhum outro bem, o alvará substitui o inventário completamente. É o que chamamos de alvará autônomo. Você resolve a vida sucessória sem nunca abrir um inventário.

Agora preste atenção neste detalhe importante. Se já existe um inventário em andamento, o alvará pode ser incidental. Ou seja, pedimos ao juiz do inventário que libere um valor adiantado para custear despesas. Mas o foco aqui hoje é o alvará independente. Aquele que você usa quando o de cujus não tinha bens imóveis, apenas aquele dinheiro no banco ou na empresa. É a solução mais barata e eficiente que temos no direito sucessório.

O Que Você Realmente Pode Levantar com Esse Pedido

Verbas trabalhistas, FGTS e PIS/PASEP

A primeira categoria de valores que a lei protege são as verbas decorrentes do trabalho. Imagine que seu pai faleceu enquanto ainda estava empregado. A empresa deve o saldo de salário do mês, o décimo terceiro proporcional e as férias não gozadas. A empresa não pode pagar isso para qualquer um que apareça no RH. Ela exige o alvará ou a certidão de dependentes para se proteger.

Além do que ficou na empresa, temos o FGTS e o PIS/PASEP. Esses fundos ficam retidos na Caixa Econômica Federal. Muitas vezes a família nem sabe que esse dinheiro existe. É comum descobrirmos saldos de contas inativas de décadas atrás. O alvará serve para raspar o tacho dessas contas. A lei equipara esses fundos ao salário para fins de facilitação. Eles são considerados fruto do suor do trabalhador e devem ir direto para quem dependia dele.

Uma dica de ouro que dou aos meus clientes é sempre verificar o extrato completo do FGTS e PIS. Às vezes o valor principal já foi sacado, mas ficaram os juros e correções monetárias. Esses “resíduos” somados podem dar uma quantia considerável. O alvará deve pedir expressamente o levantamento de todo e qualquer saldo vinculado ao CPF do falecido nessas contas. Não deixe dinheiro para o governo.

Saldos em contas bancárias e cadernetas de poupança

Aqui entra a parte que mais gera dúvidas. A lei permite o levantamento de saldos bancários e de caderneta de poupança e fundos de investimento. Mas a lei impõe um teto. O valor não pode ultrapassar 500 OTN (Obrigações do Tesouro Nacional). Você vai me perguntar quanto vale uma OTN hoje, já que essa moeda não existe mais. Essa é uma questão de cálculo judicial que varia, mas hoje estimamos algo em torno de certos limites fixados pelos tribunais, girando na casa de dezenas de milhares de reais atuais.

Se o falecido tinha um milhão de reais na conta, esqueça o alvará simplificado. Teremos que ir para o inventário. O alvará é para pequenos valores. O objetivo é liberar aquela poupança que a avó fez a vida toda, ou o dinheiro que estava na conta corrente para pagar as contas do mês. Os juízes são rigorosos com esse limite. Se passar um centavo do teto legal, o Ministério Público pode impugnar e mandar converter em inventário.

Você precisa mapear todas as contas. Conta corrente, conta poupança, conta salário. O pedido de alvará pode englobar múltiplos bancos no mesmo processo. Pedimos ofícios para o Banco Central para localizar contas que talvez você desconheça. O sistema SISBAJUD ajuda o juiz a ver onde tem dinheiro. Uma vez localizado e estando dentro do limite, a ordem de saque é emitida.

Restituição de Imposto de Renda e tributos

Muitas pessoas esquecem do Leão. Se o falecido pagou imposto de renda retido na fonte e faleceu antes de receber a restituição, esse dinheiro é seu. A Receita Federal não libera automaticamente para os herdeiros. O sistema da Receita trava o CPF da pessoa falecida. Para destravar esse valor, usamos o mesmo alvará judicial. É um dinheiro limpo e líquido que muitas vezes fica perdido nos cofres da União.

O mesmo vale para outros tributos que possam ser restituídos. Às vezes há créditos de Nota Fiscal Paulista ou programas estaduais similares. Tudo que for crédito do cidadão perante o Estado pode ser objeto desse pedido. A lógica é a mesma das verbas trabalhistas. Não faz sentido o Estado ficar com um dinheiro que era do contribuinte só porque a burocracia do inventário é cara.

Nesse ponto, é vital ter a declaração de imposto de renda do último ano. Ela é o mapa do tesouro. Se você não tem acesso, pedimos ao juiz que consulte o sistema INFOJUD. O juiz acessa a base da Receita, vê se tem restituição parada e já inclui na ordem de pagamento. É um procedimento muito limpo quando bem instruído.

A Legitimidade: Quem Tem Direito de Pedir

A prioridade absoluta dos dependentes habilitados

Aqui reside a grande “mágica” da Lei 6.858/80. Ela quebra a ordem tradicional de herança do Código Civil. Quem tem preferência total para receber esses valores são os dependentes habilitados perante a Previdência Social. Geralmente, a viúva(o) e os filhos menores ou inválidos. Se você está cadastrado no INSS como dependente e recebe a pensão por morte, você não concorre com os outros herdeiros maiores para esses fins específicos.

Isso gera situações interessantes e às vezes polêmicas. Imagine que o falecido tinha filhos maiores do primeiro casamento e uma esposa atual. A esposa é a dependente no INSS. Os filhos maiores não são. Pela lei do alvará, a esposa levanta o FGTS e o PIS sozinha. Ela divide apenas com outros dependentes habilitados. Os filhos maiores, nesse cenário específico da Lei 6.858, ficariam de fora dessas verbas específicas.

Para provar isso, precisamos de um documento chave: a “Certidão de Inexistência de Dependentes Habilitados à Pensão Por Morte” ou a certidão positiva de quem são eles. Você consegue isso no site do INSS. Esse papel é o coração do processo. Sem ele, o juiz não move uma palha. Ele precisa saber quem a Previdência considera como dependente econômico do falecido.

A sucessão civil na ausência de dependentes previdenciários

E se não houver ninguém recebendo pensão? Se o falecido era solteiro, ou viúvo, ou se os filhos já eram todos adultos? Aí sim a lei diz que aplicamos a legislação civil. Na falta de dependentes no INSS, os sucessores previstos no Código Civil herdam. Nesse caso, o dinheiro será dividido entre todos os filhos e cônjuge, conforme as regras normais de sucessão.

Você precisa entender que essa é uma regra subsidiária. Ela só entra em campo se a regra previdenciária for vazia. Aqui, todos os herdeiros devem participar do processo. Se um filho quiser pedir o alvará, ele precisa da procuração ou da anuência de todos os outros irmãos. Se houver briga entre os irmãos, o alvará trava. O rito simplificado pressupõe acordo.

Nesse cenário, a documentação aumenta. Precisamos provar a árvore genealógica. Certidões de nascimento de todos, certidão de óbito dos avós se for o caso. O juiz precisa ter certeza de que não está esquecendo nenhum herdeiro. Se aparecer um filho fora do casamento depois que o dinheiro foi sacado, quem sacou terá que prestar contas. A responsabilidade é grande.

A questão dos herdeiros colaterais e companheiros

Casos de pessoas solteiras sem filhos e sem pais vivos são comuns. Quem herda são os irmãos (colaterais). O alvará judicial também serve para eles. A lógica é a mesma. Se não tem dependentes, não tem descendentes e não tem ascendentes, os irmãos dividem. O cuidado aqui é provar que não existem herdeiros mais próximos. As certidões negativas ganham peso.

A situação dos companheiros em união estável merece atenção especial. Se a união estável não foi formalizada em cartório, o juiz do alvará pode criar dificuldades. Ele pode dizer que o alvará não é o lugar para reconhecer união estável. O ideal é que o companheiro já esteja habilitado no INSS. Se estiver no INSS, está resolvido. Se não estiver, talvez tenhamos que fazer uma ação de reconhecimento de união estável antes ou em apenso.

O Direito evoluiu muito para proteger a união estável. Hoje, o companheiro tem os mesmos direitos do cônjuge casado no papel para fins sucessórios em bens comuns. Mas no rito sumário do alvará, quanto mais prova documental você tiver da união, menos dor de cabeça teremos. Contas conjuntas, mesmo endereço e declarações públicas ajudam a convencer o magistrado.

O Procedimento Passo a Passo

A lista de documentos indispensáveis para o êxito

Organização é metade da vitória no direito. Você precisa montar um dossiê. O primeiro documento é a Certidão de Óbito. Ela prova o fato gerador. Verifique se os dados nela estão corretos. Nome, CPF, estado civil. Um erro aqui pode travar o banco lá na frente. Se houver erro, teremos que retificar o registro público primeiro.

Depois, precisamos dos documentos pessoais de todos os interessados (RG, CPF) e do falecido. Precisamos da Certidão de Casamento ou Nascimento atualizada (com menos de 90 dias de preferência). Isso prova o vínculo de parentesco atual. A tal certidão do INSS que mencionei é obrigatória. Sem ela o processo não é nem analisado. E, claro, os extratos ou provas dos saldos que queremos levantar.

Se houver veículo envolvido (e o valor for baixo, permitindo alvará em alguns estados), precisamos do documento do carro e da tabela FIPE. Se for restituição de imposto, a cópia da declaração. Eu sempre peço aos clientes: tragam tudo o que tiverem. É melhor sobrar documento no meu arquivo do que faltar no processo. O juiz indefere o pedido ou manda emendar a inicial se faltar papel, e isso atrasa tudo em meses.

A representação processual e o papel do advogado

Muitos perguntam se podem fazer isso sozinhos no Juizado Especial. A regra geral é que você precisa de advogado. Estamos lidando com direitos patrimoniais e sucessórios. O advogado é quem vai desenhar a estratégia e garantir que o pedido esteja tecnicamente perfeito. Um pedido mal feito pode ser julgado improcedente e gerar coisa julgada, impedindo você de pedir de novo da mesma forma.

O advogado também atua como um mediador familiar. Muitas vezes os irmãos não se entendem sobre quem vai ficar com o que. Meu papel é sentar com todos e explicar que brigar sai caro. No alvará, se houver litígio, o juiz manda para as vias ordinárias (inventário). O advogado blinda o processo contra emoções desnecessárias e foca na técnica para liberar o dinheiro.

Existe a possibilidade de usar a Defensoria Pública se você não tiver condições de pagar um advogado particular. O serviço é gratuito, mas a demanda é altíssima. O tempo de espera para ser atendido na Defensoria pode ser longo. Com um advogado particular, o protocolo é feito em dias. Você deve pesar o custo-benefício. Muitas vezes, os honorários são pagos com uma porcentagem do próprio valor a ser levantado ao final.

O trâmite no fórum e prazos médios

Você quer saber quanto tempo demora. Eu gostaria de dizer que é uma semana, mas estaria mentindo. O judiciário brasileiro tem seu ritmo. Protocolamos a petição inicial. O juiz recebe e manda citar eventuais interessados ou oficiar os bancos para confirmarem os saldos. Essa fase de ofícios demora um pouco, pois dependemos da resposta das instituições financeiras.

Depois que os saldos estão confirmados nos autos, o Ministério Público é chamado para opinar, especialmente se houver menores ou incapazes. O MP é o fiscal da lei. Se estiver tudo certo, o promotor dá o parecer favorável. Aí volta para o juiz sentenciar. A sentença determina a expedição do alvará. O cartório digita o alvará, o juiz assina e nós retiramos.

Em comarcas rápidas, isso leva de 3 a 6 meses. Em comarcas atoladas, pode levar um ano. Mas ainda é infinitamente mais rápido que um inventário judicial, que pode se arrastar por décadas. O segredo para agilizar é já entrar com todas as concordâncias e documentos perfeitos. Se o juiz não tiver dúvida, ele despacha rápido. O trabalho preventivo do advogado economiza tempo de trâmite.

Aspectos Processuais Relevantes (Extra 1)

Competência jurisdicional: Onde dar entrada

Essa é uma questão técnica que derruba muito advogado iniciante. Onde protocolar a ação? A regra geral do Código de Processo Civil diz que o foro competente para sucessão é o do último domicílio do falecido. Se ele morava em São Paulo, é lá que processamos. Não importa se você, herdeiro, mora na Bahia. O juiz de São Paulo é quem tem competência sobre os bens deixados lá.

Porém, temos uma pegadinha quando envolve a Caixa Econômica Federal (FGTS/PIS). A Constituição diz que a Justiça Federal julga casos onde a União (ou suas empresas públicas) tem interesse. Mas existe uma súmula (Súmula 161 do STJ) que diz que para levantamento de valores da Lei 6.858/80, a competência é da Justiça Estadual. Isso facilita muito. Você não precisa ir para a Justiça Federal. O juiz da sua cidade, na Vara de Família e Sucessões, resolve tudo.

A exceção acontece se houver resistência da Caixa. Se a Caixa disser “não pago porque o documento é falso”, aí surge uma lide contenciosa e o processo pode ser remetido para a Justiça Federal. Mas em 99% dos casos, é jurisdição voluntária na Justiça Estadual. Saber endereçar a peça para o juízo correto evita que o processo fique meses “passeando” de um tribunal para outro.

Justiça Gratuita e custos do processo

Processo custa dinheiro. Tem taxa de mandato, custas iniciais, taxas de citação. Mas a maioria das pessoas que buscam alvará para pequenos valores não tem liquidez imediata. O dinheiro está preso. Por isso, quase sempre pedimos os benefícios da Justiça Gratuita. Se o valor a ser levantado é baixo, presume-se a hipossuficiência momentânea do espólio.

Você deve assinar uma declaração de pobreza afirmando que não pode pagar as custas sem prejuízo do sustento. O juiz costuma deferir. Isso isenta você das taxas do estado. Se o juiz indeferir, as custas geralmente são calculadas sobre o valor da causa (o valor que você quer sacar). Em alvarás, esse valor não costuma ser exorbitante.

Outra opção é pedir ao juiz que as custas sejam pagas ao final, com o próprio dinheiro levantado. É uma tese aceita por muitos magistrados sensatos. Eles liberam o alvará, o banco retém o valor das custas e deposita para o tribunal, e libera o resto para você. É uma forma justa de garantir o acesso à justiça sem onerar quem já está em luto e sem dinheiro.

Alvará autônomo versus incidental

Quero reforçar essa distinção técnica porque ela define o procedimento. O alvará autônomo é uma ação própria. Ele tem número de processo, capa, autuação. É o que usamos quando não há inventário. Ele nasce e morre com o único objetivo de sacar aquele valor. Encerrou o saque, o processo é arquivado.

Já o pedido incidental acontece dentro de um processo maior. Suponha que temos um inventário de milhões correndo há 5 anos. De repente, descobrimos um saldo de FGTS. Não abrimos um processo novo. Fazemos uma petição simples dentro do inventário: “Excelência, expeça alvará para tal valor”. É um incidente processual.

A estratégia aqui é a economia processual. Se não tem inventário, jamais abra um só para sacar FGTS. Use o autônomo. Se já tem inventário, jamais abra um autônomo separado, pois o juiz vai mandar apensar (juntar) ao inventário por prevenção. O advogado experiente sabe navegar entre essas duas modalidades para não perder tempo com despachos de emenda.

Enfrentando Obstáculos e Situações Complexas (Extra 2)

A existência de bens móveis e imóveis

A lei fala em “não existir outros bens sujeitos a inventário”. Essa é a pedra no sapato. Se o falecido deixou uma casa, em tese, você não poderia usar o rito do alvará apenas para o dinheiro. O correto seria inventariar tudo junto. O sistema jurídico quer evitar que você saque o dinheiro (que é fácil) e abandone o imóvel irregular (que é difícil de regularizar).

Contudo, a jurisprudência tem amolecido. Tribunais têm permitido o alvará para valores pequenos mesmo que exista um imóvel, desde que esse valor seja usado, por exemplo, para pagar o imposto do futuro inventário. Ou se o valor for irrisório frente ao imóvel. É uma construção argumentativa. Não é garantido, mas tentamos sempre que possível para resolver a urgência da família.

Se houver um carro velho, muitos juízes aceitam incluir o carro no alvará, dispensando o inventário, se o valor do veículo for baixo. Cada estado tem um limite (em SP, por exemplo, aceita-se até certo valor). Se o carro for de luxo, infelizmente, teremos que fazer o inventário extrajudicial em cartório ou judicial. O advogado analisa o patrimônio global para definir o caminho.

O envolvimento de menores e o Ministério Público

Se o falecido deixou filhos menores de idade, o cenário muda. O Ministério Público (MP) entra obrigatoriamente no processo. O promotor vai defender o interesse da criança. Ele vai exigir que a parte do menor seja depositada em uma conta poupança judicial bloqueada. A mãe ou tutor não poderá gastar esse dinheiro livremente.

Você só consegue sacar a parte do menor se provar necessidade extrema. Precisa mostrar que o dinheiro é para comida, escola ou saúde da criança. O MP é muito rigoroso nisso. Eles querem garantir que, ao completar 18 anos, o jovem tenha esse dinheiro. Isso protege a criança, mas pode frustrar a família que contava com aquele recurso para pagar dívidas do funeral.

Quando há menores, o processo é um pouco mais lento porque o processo vai para o gabinete do promotor e volta. Não há como pular essa etapa. A dica é já instruir o pedido com orçamento das despesas do menor, provando que o saque é vital para a sobrevivência dele, para tentar evitar o bloqueio total dos fundos.

A discordância entre herdeiros e a litigiosidade

O alvará judicial, como eu disse, é jurisdição voluntária. Pressupõe paz. Se um irmão diz “eu não concordo”, o juiz tranca o processo. Ele vai dizer: “Remetam-se as partes às vias ordinárias”. Traduzindo: vão brigar no inventário, que é o lugar de briga. O alvará não comporta produção de provas complexas ou acusações de fraude.

Às vezes, um herdeiro desaparece. Não discorda, mas não assina. Isso também é problema. Precisamos citá-lo. Se não acharmos, citação por edital. Isso demora e encarece. O ideal é o consenso. Se houver uma “ovelha negra” na família travando tudo, às vezes vale mais a pena fazer o inventário extrajudicial em cartório (se todos forem capazes) ou judicial, onde o juiz pode suprir a vontade do recalcitrante.

Meu conselho prático: resolva as diferenças familiares no churrasco de domingo, não no processo. O judiciário é péssimo gestor de emoções. Se chegarmos ao juiz com o acordo assinado, o dinheiro sai. Se chegarmos com briga, o dinheiro fica no banco rendendo para o banqueiro enquanto vocês gastam com advogados. A escolha racional é óbvia.

Quadro Comparativo de Procedimentos Sucessórios

Para que você visualize claramente onde estamos pisando, preparei este quadro comparando o produto “Alvará Judicial” com seus “concorrentes”: o Inventário Extrajudicial e o Inventário Judicial.

CaracterísticaAlvará Judicial (Lei 6.858/80)Inventário Extrajudicial (Cartório)Inventário Judicial (Fórum)
ComplexidadeBaixa. Procedimento simplificado.Média. Rápido, mas exige consenso e documentação vasta.Alta. Procedimento completo e formal.
Bens AbrangidosApenas valores em dinheiro (PIS, FGTS, saldos) e, às vezes, veículos de pequeno valor.Todos os bens (imóveis, empresas, veículos, dinheiro).Todos os bens, inclusive com disputas e testamentos.
Tempo Estimado3 a 8 meses (média).1 a 3 meses (se documentação estiver ok).1 ano a décadas.
CustosBaixo. Possível Justiça Gratuita. Sem imposto ITCMD na maioria dos casos de verbas trabalhistas.Médio/Alto. Custas de cartório + ITCMD + Honorários.Alto. Taxas judiciárias + ITCMD + Honorários + Perícias.
Requisitos PrincipaisLimite de valor (500 OTN) e inexistência de outros bens complexos.Todos herdeiros maiores e capazes + Consenso total + Advogado.Obrigatório se houver menores, testamento ou litígio.
Envolvimento do MPApenas se houver menores/incapazes.Não há (exceto em alguns estados com regras específicas).Obrigatório se houver menores ou incapazes.

Entendeu a diferença? O alvará é um bisturi para uma cirurgia específica. O inventário é uma cirurgia geral. Use a ferramenta certa para o problema certo. Se o caso se enquadra nos pequenos valores, não invente moda. Vá de alvará. É mais barato, menos estressante e coloca o dinheiro na sua mão mais rápido. Estamos entendidos? Agora vamos reunir essa papelada.

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