Overruling (Superação): Quando a jurisprudência antiga já não se aplica mais
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Você já se deparou com aquela situação frustrante onde a lei parece estar do seu lado, a lógica está do seu lado, mas existe um julgado antigo, empoeirado, que tranca o direito do seu cliente? Pois é. No mundo jurídico, nós veneramos a segurança jurídica e a estabilidade das decisões. Gostamos de saber que a regra de hoje valerá amanhã. Mas o direito não é uma estátua de mármore imutável. Ele é vivo. Ele respira e muda conforme a sociedade muda. É exatamente aqui que entra o nosso tema de hoje: o Overruling, ou a superação do precedente., ao escolher um Curso Advocacia Estratégica nos Tribunais de 2º Grau e Superiores

Muitos advogados olham para uma súmula ou um recurso repetitivo como se fosse uma parede de concreto intransponível. Eles leem a ementa, veem que o tribunal decidiu aquilo há cinco ou dez anos e simplesmente desistem ou tentam contornar o problema sem enfrentar o “elefante na sala”. O que eu quero te mostrar hoje é que você pode e deve enfrentar esse precedente. A técnica da superação não é apenas uma teoria bonita para acadêmicos discutirem em congressos. Ela é uma ferramenta prática, uma chave inglesa pesada que você usa para desmontar estruturas jurídicas que já não servem para mais nada.

Nós vamos conversar sobre como identificar que um precedente “apodreceu”. Vamos entender como argumentar, tecnicamente, que aquela decisão anterior deve ser revogada. Não se trata de pedir para o juiz “ignorar” a lei, mas de mostrar que a interpretação da lei precisa evoluir. Você vai sair daqui com uma visão clara de como usar o Overruling a favor do seu cliente, transformando um “não” quase certo em uma oportunidade de criar uma nova tese vencedora.

O Que é Overruling e Por Que Você Deveria Se Importar

O termo Overruling vem do direito anglo-saxão, do sistema de Common Law, onde os precedentes têm uma força vinculante brutal. Lá, derrubar um precedente é um evento sísmico. No Brasil, nós importamos essa cultura com o Código de Processo Civil de 2015. Antes, a jurisprudência era vista mais como um “conselho” do que como uma ordem. Hoje, com o sistema de precedentes vinculantes, saber derrubar um entendimento consolidado é questão de sobrevivência profissional.

Imagine o Overruling como a revogação de uma lei, mas feita pelo próprio Judiciário sobre suas decisões anteriores. É o ato formal através do qual um tribunal declara que um precedente anterior perdeu sua validade e não deve mais ser aplicado. Isso acontece quando a Corte percebe que a regra antiga se tornou equivocada, obsoleta ou injusta. Não é apenas uma mudança de humor dos ministros. É um reconhecimento oficial de que manter aquele entendimento causaria mais danos do que alterá-lo.

Para você, advogado, entender isso é vital porque o sistema joga contra quem desafia o status quo. O juiz de primeira instância tem medo de decidir contra o tribunal superior. O tribunal local tem receio de ser reformado em Brasília. Se você não souber construir a fundamentação correta para o Overruling, sua petição será descartada com um carimbo padrão de “improcedente conforme súmula tal”. Você precisa dar ao julgador a segurança técnica para que ele tenha coragem de dizer: “realmente, isso aqui não faz mais sentido”.

A Origem no Common Law e a Tropicalização Brasileira

Nós precisamos entender que o Brasil vive um momento híbrido. Não somos puramente Civil Law (onde só a lei escrita importa), nem Common Law (onde o costume e o precedente mandam). Nós criamos um “Frankenstein” jurídico, no bom sentido. O CPC de 2015 tentou organizar nossa bagunça jurisprudencial dando superpoderes aos precedentes dos tribunais superiores. A ideia era ótima: evitar que casos idênticos tivessem soluções diferentes dependendo da “loteria” da distribuição do juiz.

Porém, ao dar força vinculante aos precedentes, nós criamos um risco: a ossificação do direito. Se todos são obrigados a seguir o que o STJ ou STF decidiram, como é que o direito evolui? No sistema americano ou inglês, a técnica de superação (overruling) evoluiu justamente para ser a válvula de escape dessa panela de pressão. Eles entenderam séculos atrás que um tribunal que não pode corrigir seus próprios erros vira um tirano do passado sobre o presente.

No Brasil, a “tropicalização” desse instituto trouxe desafios únicos. Aqui, a cultura de respeitar precedentes ainda é jovem. Muitos juízes aplicam a superação sem dar esse nome, ou pior, ignoram o precedente sem justificar adequadamente. O seu papel é educar o juiz no processo. Você deve demonstrar que o sistema brasileiro exige, sim, respeito ao passado, mas também exige a correção de rumos quando o mapa antigo já não bate com o terreno atual.

Diferença Entre Erro e Evolução[2]

É crucial que você saiba diferenciar um precedente “errado” de um precedente “superado”. Um precedente pode ter sido corretíssimo quando foi julgado em 2010. Ele resolvia o problema social daquela época, aplicava a lei vigente e trazia justiça. Mas hoje, em 2025, a realidade mudou tanto que aplicar a mesma regra gera injustiça. Isso é evolução. O Overruling aqui atua como uma atualização de software. O código antigo não roda mais no sistema novo.

Por outro lado, existem casos em que o precedente nasceu errado.[1][3][4][5] Foi uma interpretação equivocada da Constituição ou da Lei Federal desde o início. Nesses casos, a superação atua como uma correção de erro judiciário em massa. A fundamentação que você usará na sua petição muda dependendo desse cenário. Se for evolução, você foca nos fatos novos. Se for erro original, você foca na inconsistência jurídica e nos princípios violados.

Saber identificar qual desses dois caminhos seguir economiza tempo e aumenta suas chances. Não adianta dizer que a sociedade mudou se o precedente tem apenas dois anos. Nesse caso, você terá que bater na tecla do erro interpretativo. Da mesma forma, não adianta dizer que o tribunal errou na interpretação da lei há 20 anos se a interpretação era pacífica; é mais inteligente mostrar que o contexto econômico ou social de hoje exige uma nova postura.

A Fundamentação Adequada como Dever do Juiz[4][6]

O Código de Processo Civil foi muito feliz ao exigir que o juiz não pode apenas citar um número de súmula e ir almoçar. O artigo 489 diz que não se considera fundamentada a decisão que apenas invoca precedente sem explicar sua relação com o caso.[6][7] O reverso também é verdadeiro: para deixar de aplicar um precedente (fazer o Overruling), o juiz tem um ônus argumentativo pesadíssimo.

Ele precisa explicar por que a regra anterior falhou. Ele precisa demonstrar que a manutenção daquele entendimento viola a integridade do direito. Quando você peticiona pedindo a superação, você está basicamente escrevendo a sentença para o juiz. Você precisa entregar a ele os argumentos prontos, mastigados, para que ele possa “copiar e colar” na fundamentação da superação. Se você não fizer isso, ele vai seguir o caminho de menor resistência, que é manter a decisão antiga.

Lembre-se que o juiz é um ser humano atarefado com milhares de processos. A inércia é sua inimiga. Pedir para ele pensar “fora da caixa” e derrubar uma tese consolidada exige que você facilite o trabalho dele. Mostre os danos concretos da manutenção daquele entendimento. Use dados, mostre o impacto econômico, traga pareceres. A fundamentação para a superação deve ser robusta, blindada contra recursos que aleguem omissão ou obscuridade.

Os Motivos que Levam à Morte de um Precedente[4][5]

Um precedente não morre de causas naturais. Ele precisa ser assassinado. E quem puxa o gatilho, muitas vezes, é a realidade. Existem gatilhos específicos que autorizam e recomendam o Overruling.[4][5] Você não pode simplesmente dizer “eu não gosto dessa decisão”. Você precisa encaixar seu pedido em uma das categorias aceitas pela doutrina e pela prática dos tribunais superiores para justificar essa mudança drástica.

Vamos explorar os três principais motivos que legitimam o enterro de uma tese jurídica. Se o seu caso se encaixa em um destes, suas chances de sucesso aumentam exponencialmente. É como ter o diagnóstico correto antes de prescrever o remédio. Sem isso, você está apenas atirando no escuro e gastando o dinheiro do seu cliente com recursos protelatórios.

Entender esses motivos faz com que você pare de brigar contra a parede e comece a procurar as rachaduras nela. Cada um desses motivos exige um tipo de prova diferente e uma narrativa processual distinta. Vamos ver como construir cada uma delas.

Mudanças Legislativas ou Constitucionais[1][8]

Este é o motivo mais óbvio, mas muitas vezes negligenciado. Quando o Congresso Nacional muda a lei, a jurisprudência que interpretava a lei antiga deve cair. Parece simples, certo? Mas não é. Muitas vezes a mudança legislativa é sutil. Uma nova lei altera um princípio geral, ou muda a sistemática de um setor, mas não revoga expressamente o artigo que embasava a súmula. O tribunal, por inércia, continua aplicando a súmula antiga como se nada tivesse acontecido.

Seu trabalho é mostrar a incompatibilidade sistêmica. Você deve dizer: “Excelência, a Súmula X se baseava na premissa Y. A nova Lei Z alterou essa premissa. Logo, a Súmula X não tem mais chão para ficar em pé”. Isso exige um estudo atento das vacatio legis e das normas de transição. Às vezes, a mudança vem de uma Emenda Constitucional que altera o “espírito” da norma, mesmo mantendo o texto infraconstitucional inalterado.

Um exemplo clássico ocorre em questões tributárias ou previdenciárias. O sistema muda, as alíquotas mudam, a base de cálculo muda, mas o Fisco continua querendo aplicar teses da década de 90. Aqui, o Overruling é obrigatório. Não é uma questão de escolha política do tribunal, é uma questão de hierarquia das normas. A jurisprudência não pode sobreviver contra a lei expressa superveniente. Use isso com força total.

Alterações Fáticas, Sociais ou Tecnológicas

Aqui é onde a advocacia brilha. O direito costuma correr atrás da sociedade, chegando sempre atrasado. Quando a tecnologia ou os costumes sociais mudam radicalmente, um precedente pode se tornar ridículo ou impossível de cumprir. Pense nas relações de trabalho antes e depois dos aplicativos de entrega. Pense no direito de família antes e depois do reconhecimento das uniões homoafetivas ou da multiparentalidade.

Se você tem um caso envolvendo tecnologia, internet, bioética ou novas configurações familiares, procure por precedentes que foram firmados em uma época “analógica”. Argumente que a ratio decidendi (a razão de decidir) daquele julgado pressupunha uma realidade que não existe mais. Se o tribunal decidiu algo com base na dificuldade de comunicação via carta, isso não se aplica na era do WhatsApp.

Dados estatísticos e estudos sociológicos são suas armas aqui. Não adianta só falar. Junte ao processo reportagens, dados do IBGE, estudos técnicos que comprovem a mudança social. Você precisa provar que a sociedade mudou. Se o tribunal insistir na tese antiga, ele estará decidindo para um país que só existe nos livros de história. Juízes odeiam parecer anacrônicos. Explore essa vaidade institucional mostrando que a modernidade exige o Overruling.

Inconsistência Sistêmica e Injustiça Manifesto

Às vezes, o tribunal simplesmente percebe que a decisão antiga gera efeitos colaterais terríveis que não foram previstos. O precedente cria uma anomalia. Por exemplo, uma tese tributária que visava impedir a sonegação acaba quebrando empresas honestas. Ou uma regra processual criada para acelerar processos acaba gerando nulidades em massa. Quando a “solução” vira o “problema”, é hora de superar o entendimento.

Esse argumento é mais delicado porque você está dizendo ao tribunal que ele errou na avaliação das consequências. Você deve fazer isso com elegância. Em vez de acusar o tribunal de erro, diga que a prática forense demonstrou que a aplicação daquela tese gerou resultados contra legem ou anti-isonômicos. Mostre casos práticos onde a aplicação cega do precedente causou absurdos.

O argumento da injustiça manifesta deve vir acompanhado da demonstração de que o sistema jurídico como um todo rejeita aquela solução. Mostre que aquela decisão destoa dos princípios atuais do STF ou da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O precedente vira uma “ilha” de atraso num oceano de modernidade. O Overruling aqui serve para realinhar a jurisprudência com os valores fundamentais da ordem jurídica atual.

Como o Overruling Acontece na Prática[1][4]

Sair da teoria e ir para a prática é onde o jogo vira. Você já sabe o que é e por que deve ser feito. Agora, como você pede isso? Em que momento do processo? Existe um “botão” de Overruling no sistema do tribunal? Infelizmente, não. É uma construção argumentativa que exige timing e técnica apurada. Você precisa preparar o terreno desde a petição inicial ou desde a contestação.

Não deixe para pedir a superação do precedente apenas no Recurso Especial, lá em Brasília. Comece a ventilar a tese no primeiro grau. O juiz da comarca provavelmente vai negar, dizendo que está vinculado ao tribunal superior. Ótimo. Você criou o prequestionamento. Você forçou o juiz a se manifestar sobre a validade atual daquele precedente. Isso abre as portas para você subir com o recurso discutindo a própria tese, e não apenas o fato.

A prática do Overruling exige que você encare o processo não como uma briga entre autor e réu, mas como um diálogo com o sistema de justiça. Você está convidando o tribunal a revisitar seus próprios arquivos. Isso exige respeito, clareza e, acima de tudo, uma demonstração inequívoca de que manter as coisas como estão é insustentável.

O Ônus Argumentativo é Todo Seu

Não espere que o juiz ou o ministro perceba sozinho que o precedente está velho. A inércia judiciária é uma força poderosa. Se você não gritar (juridicamente falando), nada vai mudar. O CPC estabelece que quem quer a distinção ou a superação tem o dever de demonstrar isso fundamentadamente.[4][6] Você não pode apenas alegar; você tem que provar a necessidade da mudança.

Sua petição deve ter um tópico específico, destacado em negrito: “DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE X (OVERRULING)”. Não misture isso com o mérito da causa. Trate como uma preliminar de mérito. Use gráficos, use linhas do tempo. Mostre a evolução histórica do tema e aponte o momento exato em que a curva virou. Se o seu argumento for genérico, o tribunal vai aplicar a Súmula e negar seguimento ao seu recurso.

Lembre-se de atacar os fundamentos determinantes do precedente antigo. Não adianta atacar a conclusão. Você tem que ir na raiz. “O Tribunal decidiu X porque acreditava em Y. Hoje sabemos que Y é falso, logo X não se sustenta”. Essa estrutura lógica é imbatível se bem construída. Desmonte o raciocínio anterior tijolo por tijolo.

Modulação dos Efeitos: A Proteção da Confiança[7]

Aqui mora o perigo e a salvação. Quando um tribunal muda de ideia, o que acontece com quem agiu baseando-se na regra antiga? Imagine uma empresa que pagou impostos seguindo uma decisão do STJ, e de repente o STJ muda de ideia e diz que estava tudo errado. Cobrar retroativamente seria uma traição à confiança do cidadão no Estado. É aqui que entra o Prospective Overruling ou a modulação dos efeitos.[4]

Ao pedir a superação, você deve, por cautela, pedir subsidiariamente a modulação. “Excelência, se vossa excelência mudar o entendimento para prejudicar meu cliente, que isso valha apenas daqui para frente”. Isso protege seu cliente do passado, mesmo que ele perca a tese para o futuro. É uma rede de segurança indispensável. Muitos juízes se sentem mais confortáveis em mudar a jurisprudência sabendo que não vão quebrar ninguém financeiramente com efeitos retroativos.

A modulação é a moeda de troca da segurança jurídica. Ela permite a evolução do direito sem o trauma da surpresa. Sempre, absolutamente sempre, abra um parágrafo discutindo a necessidade de eficácia ex nunc (daqui para frente) caso a mudança de entendimento seja prejudicial. Isso mostra lealdade processual e preocupação com a estabilidade do sistema.

Anticipatory Overruling: O “Cheiro” da Mudança[7]

Anticipatory Overruling ocorre quando os tribunais inferiores, percebendo que a Corte Superior está prestes a mudar de ideia, se antecipam e já aplicam o novo entendimento. É como ver as nuvens pretas e abrir o guarda-chuva antes da chuva cair. Isso acontece muito quando a composição do STF muda, por exemplo, e a nova maioria já sinalizou em votos isolados que pensa diferente da antiga composição.

Você pode usar isso a seu favor. Se você viu que o Ministro Relator do tema já deu declarações ou votos em outros processos sinalizando a mudança, traga isso para sua petição. “Excelência, embora a Súmula ainda exista, a atual composição da Turma já demonstrou em obiter dictum que esse entendimento está com os dias contados”.

Isso dá coragem ao juiz de piso. Ele sente que, ao decidir contra a súmula antiga, ele não está sendo rebelde, mas visionário. Ele está se alinhando com o “futuro” tribunal. Mapear os votos individuais dos ministros é uma estratégia de inteligência jurídica que separa os grandes advogados da média. Use a tendência de futuro para derrubar o passado.

Riscos da Mudança das Regras (Segurança Jurídica vs. Justiça)[4][8]

Mudar as regras no meio do jogo é sempre traumático. O sistema jurídico odeia surpresas. Por isso, o Overruling deve ser a exceção, não a regra. Se toda semana o tribunal mudar de ideia, ninguém mais faz negócios, ninguém contrata, ninguém investe. A previsibilidade é um valor econômico. Quando você pede a superação, você está lutando contra esse instinto de preservação do sistema.

Você precisa ponderar na sua argumentação que a segurança jurídica não pode ser um escudo para a injustiça eterna. Existe um custo na instabilidade, sim, mas existe um custo maior na manutenção do erro. Seu papel é mostrar que a “dor” da mudança é momentânea e necessária para curar uma “doença” crônica do sistema. É uma cirurgia: dói, sangra, mas resolve.

O advogado deve ser o fiel da balança. Você não quer um tribunal volúvel, mas também não quer um tribunal fóssil. Encontrar esse equilíbrio na sua argumentação é o que fará o juiz te ouvir. Reconheça a importância da estabilidade antes de pedir a mudança. Diga: “Sabemos que a estabilidade é vital, porém, neste caso específico…”. Isso baixa a guarda do julgador.

O Custo da Instabilidade

Quando a jurisprudência oscila, o mercado entra em pânico. Juros sobem, contratos ficam mais caros, o “Custo Brasil” aumenta. O tribunal sabe disso. O STJ, em especial, tem uma preocupação econômica muito forte em suas decisões de direito privado. Se o seu pedido de Overruling parecer aventureiro ou capaz de gerar um efeito cascata de insegurança, ele será rejeitado sumariamente.

Você deve demonstrar que a superação que você pede trará mais segurança a longo prazo, e não menos. Argumente que a regra atual gera tantas exceções e confusões que é mais seguro revogá-la e estabelecer um novo marco claro. Transforme o argumento da segurança jurídica a seu favor. A regra antiga é o caos; a nova regra proposta é a ordem.

Proteção das Expectativas Legítimas[7]

O cliente contrata você porque ele confiou que a lei era X. Se a lei vira Y, ele se sente traído. A proteção da confiança é um princípio constitucional implícito. O Estado não pode agir de forma traiçoeira. Ao pedir a superação de um precedente que beneficiava a parte contrária, você deve estar preparado para o argumento da confiança que virá do outro lado.

Esteja pronto para combater a ideia de “direito adquirido” sobre regime jurídico ou sobre jurisprudência. A tese é: ninguém tem direito adquirido a jurisprudência, mas todos têm direito à boa-fé. O debate vai girar em torno de quem agiu de boa-fé e quem será excessivamente penalizado pela mudança.

O Papel das Cortes Supremas como Guardiãs

O STF e o STJ não são apenas instâncias de revisão.[6] Eles são Cortes de Vértice.[2] A função deles é dar a última palavra e uniformizar o direito. Quando eles fazem um Overruling, eles estão exercendo seu poder político-institucional máximo. Eles estão dizendo para todos os juízes do país: “Parem tudo e sigam o novo norte”.

Isso significa que o argumento para o STJ/STF deve ser institucional. Não fale apenas do prejuízo do “Seu João”. Fale do impacto da tese para todo o sistema federal. O recurso especial e o extraordinário exigem repercussão geral ou relevância. O pedido de superação deve, obrigatoriamente, tocar em temas que transcendem o interesse individual. Se você não mostrar a relevância macroscópica, a superação não acontecerá.

Guia Prático para Advogados: Como Pleitear o Overruling

Agora vamos para o “mão na massa”. Como você escreve isso? Onde você coloca? Que palavras você usa? A advocacia é uma arte de persuasão, e pedir para um juiz dizer que o STJ estava errado exige uma dose cavalar de persuasão e técnica. Não adianta ser agressivo. Você tem que ser cirúrgico.

Vamos dividir isso em passos lógicos. O primeiro passo é o diagnóstico, o segundo é a redação e o terceiro é a estratégia processual. Se você falhar em qualquer um desses, seu pedido será apenas mais uma folha no processo digital que ninguém vai ler.

Identificando o Precedente Envelhecido[5]

Como você sabe que o precedente está pronto para cair? Procure por sinais de exaustão. Súmulas que têm muitas exceções (“Distinguishing”) geralmente estão prestes a sofrer Overruling. Se você vê que os tribunais estão toda hora dizendo “ah, mas nesse caso não aplica por causa disso”, é porque a regra geral já furou. O excesso de distinções é o sintoma da morte do precedente.

Outro sinal é a crítica doutrinária pesada. Se os grandes autores estão batendo naquela decisão, se os congressos jurídicos criticam, a base teórica já ruiu. Cite essa doutrina. Mostre que a comunidade jurídica já abandonou aquele entendimento, e só falta o tribunal oficializar o óbito. Fique atento também aos votos vencidos. Muitas vezes, o voto vencido de hoje é o voto vencedor de amanhã. Use os argumentos da minoria para fundamentar seu pedido de superação.

A Redação Técnica da Petição

Sua petição não pode ser um lamento. Ela deve ser um roteiro técnico.

  1. Comece com o Precedente Atual: Descreva qual é a regra vigente de forma honesta.
  2. Aponte o Fator de Superação: Diga claramente: “Houve mudança legislativa na Lei tal” ou “A tecnologia X tornou a premissa Y obsoleta”.
  3. Demonstre o Conflito: Mostre o choque entre o precedente antigo e a realidade atual.
  4. Proponha a Nova Tese: Não basta destruir, tem que construir. Qual deve ser a nova regra?
  5. Peça a Modulação (se necessário): Proteja seu cliente dos efeitos colaterais.

Use marcadores. Faça parágrafos curtos. Destaque em negrito as premissas lógicas. Facilite a leitura visual. O juiz deve bater o olho e entender que se trata de um pedido de revisão de tese, e não de mera reanálise de fatos.

Timing Estratégico[6]

Saber quando pedir é tão importante quanto saber o que pedir. Às vezes, o tribunal acabou de reafirmar o precedente em um Recurso Repetitivo. Nesse caso, pedir o Overruling na semana seguinte é suicídio. Você vai levar uma multa por litigância de má-fé ou recurso protelatório.

Espere o momento certo. Espere a composição da turma mudar. Espere surgir um fato novo relevante (uma nova lei, uma crise econômica, uma pandemia). O Overruling precisa de um “clima” favorável. Se o tribunal está em uma fase conservadora, foque no Distinguishing (dizer que seu caso é diferente). Se o tribunal está em fase renovadora, parta para o Overruling. Sentir a “temperatura” da Corte é fundamental.

Quadro Comparativo: O Produto e seus Pares

Para finalizar, é essencial que você não confunda as ferramentas. Muitos advogados pedem Overruling quando deveriam pedir Distinguishing, e perdem a causa por isso. Vamos colocar as cartas na mesa e comparar esses institutos.

CaracterísticaOverruling (Superação)Distinguishing (Distinção)Overriding (Superação Parcial/Indireta)
O que faz?Revoga e mata o precedente anterior. A regra antiga deixa de existir.Mantém o precedente vivo, mas diz que ele não se aplica ao seu caso específico.O precedente antigo é esvaziado ou sua aplicação é limitada por outra norma superveniente, sem revogação expressa.[1]
Quando usar?Quando a regra/tese está errada, injusta ou obsoleta para todos.Quando seu caso tem fatos peculiares que o diferenciam da regra geral.[1][2][6][7]Quando uma nova lei ou princípio restringe o alcance do precedente sem matá-lo totalmente.
Efeito no SistemaErga omnes (muda para todo mundo). Cria uma nova regra geral.Inter partes (vale só para o seu processo). A regra geral continua valendo para os outros.Híbrido. O precedente perde força normativa, mas formalmente ainda “assombra” o sistema até ser revogado.
RiscoAlto. Exige que o tribunal admita que mudou de ideia ou errou.Médio/Baixo. É mais fácil o juiz aceitar, pois ele não precisa desdizer o tribunal superior.Médio. Exige argumentação sofisticada sobre hierarquia e eficácia das normas.
Exemplo PráticoSTF decide que prisão em 2ª instância não pode mais, revogando decisão anterior que permitia.STJ tem súmula sobre juros bancários, mas seu cliente é uma cooperativa agrícola com lei própria.Nova lei processual cria rito que torna inútil súmula antiga sobre prazos, embora a súmula não tenha sido cancelada.

Você percebe a diferença? O Overruling é a bomba atômica. O Distinguishing é o bisturi. Só use a bomba quando o bisturi não for suficiente. Se o seu caso tem particularidades, fuja da briga de teses e vá para a distinção fática. É mais fácil ganhar assim. Mas, se a tese é a barreira real, não tenha medo de apertar o botão vermelho. O direito é feito pelos corajosos que ousam desafiar o que está posto. Boa sorte na sua próxima petição!

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