Plano de saúde negou cirurgia: o que fazer
Imagine a situação em que você paga rigorosamente as mensalidades do seu plano de saúde. Você cumpre sua parte no contrato acreditando que estará protegido no momento de maior vulnerabilidade. De repente o médico indica uma cirurgia necessária e o plano nega. A sensação é de impotência absoluta. Mas aqui vamos conversar de igual para igual. Vou lhe explicar como virar esse jogo usando as regras do direito a seu favor. Respire fundo e entenda que a lei protege você muito mais do que a operadora gostaria que você soubesse.
Entendendo a negativa sob a ótica jurídica
Você precisa compreender que a relação entre você e seu plano de saúde é uma relação de consumo. Isso significa que o Código de Defesa do Consumidor se aplica aqui com força total. As operadoras de saúde costumam negar procedimentos baseadas em cláusulas contratuais que muitas vezes são leoninas. Elas tentam impor restrições que desequilibram a relação. O judiciário brasileiro tem um olhar muito atento para essas práticas. Não aceite um “não” como resposta final apenas porque está escrito no contrato.
O contrato faz lei entre as partes. Essa é uma máxima do direito chamada pacta sunt servanda. No entanto ela não é absoluta. No direito moderno relativizamos isso quando uma das partes é hipossuficiente. Você é a parte mais fraca nessa relação. Se uma cláusula coloca sua saúde em risco excessivo ou nega a própria finalidade do contrato que é a assistência médica, ela pode ser considerada nula. O juiz tem o poder de anular essas cláusulas para garantir o seu direito à vida e à saúde.
A abusividade nas negativas de cobertura é mais comum do que se imagina. Muitas vezes o plano alega que o tratamento não consta no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Outras vezes alegam divergências técnicas sobre o material a ser utilizado. O que você deve ter em mente é que quem decide o melhor tratamento é o médico que lhe assiste. A operadora de saúde gerencia custos e não pode interferir na conduta médica necessária para a sua cura. Essa interferência indevida é vista pelos tribunais como uma prática abusiva que deve ser combatida.
O Código de Defesa do Consumidor funciona como seu escudo. O artigo 51 do CDC é claro ao definir que são nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Negar uma cirurgia essencial para a recuperação ou manutenção da vida do paciente fere a boa-fé objetiva. O contrato de seguro saúde tem função social. Ele não serve apenas para dar lucro à empresa mas para garantir a segurança social do indivíduo. Quando a negativa ocorre o próprio objeto do contrato é frustrado.
A documentação probatória essencial
Para vencermos qualquer batalha judicial precisamos de munição. No direito chamamos isso de conjunto probatório. A primeira coisa que você deve exigir é a negativa por escrito. É direito seu. A operadora não pode apenas negar por telefone ou email vago. Ela deve fornecer um documento formal explicando o motivo legal ou contratual para não autorizar o procedimento. Esse documento é o ponto de partida para qualquer ação judicial ou reclamação administrativa eficaz. Sem ele ficamos no campo das palavras.
A importância vital da negativa por escrito reside na materialidade do ato ilícito. Se o plano se recusar a fornecer esse documento em até 24 horas anote o protocolo de atendimento. A própria recusa em fornecer a justificativa já é uma infração às normas da ANS. Com esse documento em mãos o advogado consegue atacar exatamente o argumento utilizado pelo plano. Se eles alegam carência atacamos a carência. Se alegam falta de cobertura atacamos a cobertura. Sem a negativa formal o plano pode alegar em juízo que nunca negou e que o processo ainda estava em análise.
O laudo médico é a peça processual fundamental. Não serve qualquer atestado simples dizendo “necessita cirurgia”. O laudo deve ser robusto. Peça ao seu médico para detalhar a gravidade da doença. Ele deve explicar a urgência do procedimento e as consequências caso a cirurgia não seja realizada. O médico deve fundamentar cientificamente a escolha daquele tratamento específico. Quanto mais detalhado e técnico for o relatório médico mais difícil será para o plano de saúde contestar a necessidade clínica perante o juiz.
Protocolos e registros de comunicação são provas que muitas pessoas ignoram. Anote tudo. Data. Hora. Nome do atendente. Número do protocolo. Conteúdo da conversa. Se possível grave as ligações. Hoje em dia existem aplicativos simples que fazem isso. Essas provas demonstram a sua tentativa de resolver o problema administrativamente e a intransigência da operadora. Isso demonstra sua boa-fé. O juiz valoriza muito o consumidor que tentou resolver o problema antes de bater às portas do judiciário. Isso fortalece o seu pedido de danos morais lá na frente.
O caminho da tutela de urgência (Liminar)
No mundo jurídico sabemos que a justiça pode ser lenta. Um processo comum pode levar anos. Mas a saúde não espera. A doença avança. Para isso existe a tutela de urgência popularmente conhecida como liminar. É um pedido que fazemos ao juiz logo no início do processo. Dizemos ao magistrado que você tem o direito mas que não pode esperar o final do processo para receber o tratamento. É uma decisão provisória que obriga o plano a custear a cirurgia imediatamente sob pena de multa diária.
Para conseguir essa liminar precisamos demonstrar dois requisitos clássicos. O primeiro é o Fumus Boni Iuris ou a fumaça do bom direito. Significa mostrar que a lei está do seu lado e que a probabilidade de você ganhar a ação no final é alta. O segundo é o Periculum in Mora ou o perigo da demora. Aqui entra o laudo médico provando que se você esperar o julgamento final poderá ter sequelas irreversíveis ou até falecer. Quando juntamos a probabilidade do direito com o risco da demora o juiz tende a conceder a liminar rapidamente.
O judiciário costuma ser ágil em casos de saúde. Em muitas comarcas existem juízes de plantão apenas para analisar esses pedidos urgentes. Não é raro darmos entrada na ação de manhã e termos a decisão no final da tarde do mesmo dia. A sensibilidade dos magistrados para questões de vida e saúde costuma ser alta. Eles entendem que o bem jurídico tutelado aqui é a vida. O patrimônio da operadora é secundário. Por isso a liminar é uma ferramenta tão poderosa e necessária nessas situações de negativa de cirurgia.
A reversibilidade da decisão liminar é um ponto técnico importante. A lei diz que a tutela de urgência não deve ser concedida se for irreversível. Mas em saúde isso é complexo. A cirurgia feita não pode ser desfeita. Mas o entendimento é que o valor financeiro é reversível. Se no final do processo o juiz entender que o plano não tinha obrigação o que é raro você poderia ter que devolver o valor. Mas na prática o risco de vida se sobrepõe ao risco financeiro. O foco principal é garantir que você tenha o tratamento agora.
Situações Específicas de Conflito
Existem cenários que se repetem nos tribunais. Um deles envolve o Rol da ANS. As operadoras amam dizer que o procedimento não está na lista da agência reguladora e portanto não são obrigadas a cobrir. Durante muito tempo discutiu-se se esse rol era exemplificativo ou taxativo. Recentemente houve mudanças legislativas importantes reforçando que o rol serve como referência básica. Se existe comprovação científica da eficácia do tratamento o plano não pode negar cobertura apenas porque a burocracia da ANS ainda não atualizou a lista.
A negativa por carência em casos de emergência é outra situação clássica de abuso. O contrato diz que você tem carência de 180 dias para cirurgias. Mas você tem uma apendicite no segundo mês de contrato. O plano nega. Isso é ilegal. A lei estabelece que em casos de urgência e emergência a carência cai para 24 horas. O plano é obrigado a cobrir o atendimento necessário para preservar sua vida e estabilizar seu quadro. Não aceite a desculpa da carência contratual quando sua vida estiver em risco imediato.
Materiais importados e órteses ligadas ao ato cirúrgico também geram muitos conflitos. O plano autoriza a cirurgia mas nega o stent importado ou a prótese específica que o médico pediu. Eles oferecem um material nacional similar. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado sobre isso. Cabe ao médico e não ao plano escolher o material mais adequado ao paciente. Se o material está ligado intrinsecamente ao sucesso do ato cirúrgico a recusa de fornecimento é abusiva. O plano não pode retalhar o tratamento autorizando uma parte e negando outra essencial.
A Reparação Civil além da Cirurgia
O processo judicial não serve apenas para obrigar o plano a fazer a cirurgia. Ele serve para reparar os danos que essa negativa causou a você. O dano moral decorre do sofrimento psicológico intenso. Imagine a angústia de estar doente precisando de ajuda e receber um não de quem você paga para lhe proteger. Isso ultrapassa o mero aborrecimento cotidiano. Os tribunais entendem que essa negativa injusta agrava o estado de fragilidade do paciente causando dor emocional que deve ser indenizada financeiramente.
O reembolso de despesas é outro pedido comum. Às vezes a família no desespero paga a cirurgia particular vendendo bens ou fazendo empréstimos. Se a justiça reconhecer que a negativa foi indevida o plano terá que devolver esse valor. E não é apenas o valor nominal. Esse valor deve ser corrigido monetariamente e com juros desde a data do desembolso. Guarde todos os recibos notas fiscais e comprovantes de pagamento. Eles são a prova do seu prejuízo material que deverá ser ressarcido integralmente.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem sido favorável ao consumidor. O STJ possui súmulas que facilitam nossa vida. Uma delas diz que a recusa indevida de cobertura securitária enseja danos morais pois agrava a aflição psicológica do segurado. Isso significa que já existe um caminho pavimentado. Não estamos nos aventurando em teses jurídicas novas ou arriscadas. Estamos trilhando um caminho que outros já percorreram com sucesso. O judiciário brasileiro tem sido um guardião severo contra os abusos das operadoras de saúde.
Passos práticos antes de processar
Antes de ingressar com a ação judicial podemos tentar resolver administrativamente. O primeiro passo é a ouvidoria do próprio plano. Toda operadora é obrigada a ter um canal de ouvidoria. Registre sua reclamação lá. Muitas vezes o setor jurídico da empresa reavalia a negativa inicial para evitar o processo. Eles sabem que perderão na justiça e que custará mais caro. Fale com firmeza. Cite que conhece seus direitos e que possui o laudo médico detalhado. Mostre que você não é um consumidor desinformado.
Acionar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é outra medida válida. Você pode fazer uma NIP que é uma Notificação de Intermediação Preliminar. A ANS notifica a operadora para responder sobre a negativa. Isso gera estatísticas negativas para o plano e pode resultar em multas administrativas. Embora a ANS muitas vezes seja lenta e burocrática essa pressão regulatória pode funcionar. Funciona como uma alavanca adicional para forçar a operadora a cumprir sua obrigação contratual.
Procure um especialista jurídico quando as vias administrativas falharem ou quando a urgência não permitir espera. Não tente fazer isso sozinho no juizado especial sem advogado se o caso for complexo ou envolver perícia. Um advogado especialista em direito à saúde conhece os atalhos. Ele sabe qual juiz é mais favorável. Sabe como redigir a liminar para aumentar as chances de êxito. Ele fala a língua do tribunal. Em questões de saúde a economia com honorários pode custar caro na qualidade da sua defesa técnica.
Comparativo de Soluções para a Negativa
Abaixo apresento um quadro para você visualizar melhor as suas opções. Não comparei produtos físicos mas sim os “caminhos” que você pode trilhar para resolver o seu problema pois é isso que realmente importa agora.
| Característica | Ação Judicial (Liminar) | Reclamação na ANS | Ouvidoria do Plano |
| Velocidade de Resolução | Muito Alta (Horas ou dias para a liminar) | Média/Baixa (Pode levar semanas) | Média (Até 7 dias úteis) |
| Efetividade | Alta (Ordem judicial tem força de lei) | Média (Depende da pressão regulatória) | Baixa (Geralmente mantêm a negativa) |
| Custo Inicial | Honorários + Custas (se não houver gratuidade) | Gratuito | Gratuito |
| Indenização | Possível (Danos Morais e Materiais) | Não gera indenização ao paciente | Não gera indenização |
| Ideal para | Casos urgentes e negativas abusivas | Casos administrativos simples | Tentativa amigável inicial |
Você percebe a diferença? A via judicial é a única que não apenas resolve o problema da cirurgia mas também pode lhe compensar pelo sofrimento.
Muitas pessoas têm medo de processar o plano de saúde. Acham que sofrerão retaliação ou que o contrato será cancelado. Tire isso da cabeça. A lei proíbe terminantemente que a operadora cancele o contrato ou persiga o beneficiário por ter exercido seu direito de ação. Você continuará com seu plano normalmente pagando sua mensalidade e utilizando os serviços. A relação jurídica continua. A única diferença é que agora eles sabem que você não aceita qualquer imposição calado.
A saúde é o seu bem maior. Não deixe que a burocracia de uma empresa dite as chances de sua recuperação. Reúna seus documentos. Converse com seu médico para obter aquele laudo robusto que mencionamos. Se a negativa persistir busque seus direitos. O sistema jurídico brasileiro apesar de suas falhas é extremamente protetor quando o assunto é a vida do cidadão contra o poder econômico das operadoras. A lei está do seu lado. Use-a.
