Plenário Virtual: As particularidades da advocacia sem contato visual
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A advocacia sempre foi uma profissão de palco. Desde os tempos de Cícero em Roma até o Tribunal do Júri em uma comarca do interior do Brasil, a presença física, o tom de voz embargado e o olhar penetrante sempre foram ferramentas tão essenciais quanto o conhecimento da lei. Mas algo mudou drasticamente nos últimos anos. Você, colega advogado, provavelmente já sentiu o frio na barriga — ou a frieza frustrante — de defender a liberdade ou o patrimônio de um cliente falando para uma lente de câmera, sem saber se alguém do outro lado realmente está ouvindo. Bem-vindo à era do Plenário Virtual, onde o “olho no olho” foi substituído pelo botão de “upload”., ao escolher um Curso Advocacia Estratégica nos Tribunais de 2º Grau e Superiores

Essa transição não é apenas uma mudança de meio; é uma mudança de mentalidade. Antigamente, você podia sentir o clima da sala de julgamento. Percebia quando um desembargador franzia a testa, indicando dúvida, e podia ajustar seu argumento ali, no calor do momento. Hoje, no Plenário Virtual, você entrega um arquivo de vídeo ou áudio e torce para que ele seja reproduzido. A advocacia sem contato visual exige novas habilidades que não aprendemos na faculdade de Direito. Não se trata mais apenas de oratória, mas de “videogenia”, técnica e uma psicologia sutil para atravessar a barreira da tela.

Neste artigo, vamos conversar francamente sobre como sobreviver e prosperar nesse ambiente estéril. Não vamos falar de teorias abstratas sobre o devido processo legal — embora elas sejam importantes —, mas sim do que acontece na trincheira do dia a dia. Como você faz para que seu vídeo não seja apenas mais um arquivo na nuvem? Como garantir que sua tese seja ouvida quando você não pode pedir “pela ordem” presencialmente? Vamos desvendar as particularidades dessa advocacia silenciosa e traçar estratégias para que a sua voz continue ecoando, mesmo que digitalmente.

Entendendo o Terreno: Plenário Virtual vs. Videoconferência

É comum, mesmo entre advogados experientes, confundir os conceitos de “Plenário Virtual” e “Sessão por Videoconferência”. Essa confusão pode custar caro ao seu cliente. Quando falamos de Plenário Virtual, estamos nos referindo, na maioria dos tribunais (como STF e STJ), a um julgamento assíncrono. Não há hora marcada para todos se reunirem. O julgamento dura dias — geralmente uma semana —, durante os quais os ministros ou desembargadores lançam seus votos no sistema eletrônico.[1][2] É um ambiente frio, calculado e sem interação em tempo real. Você não “fala” com o juiz; você deposita sua manifestação antes que o julgamento comece.

Já a Sessão por Videoconferência é a tentativa de replicar o mundo físico no digital. Todo mundo entra no Zoom ou no Teams na mesma hora. Você vê as togas, vê os colegas na sala de espera virtual, e o presidente da turma passa a palavra. Aqui, ainda existe um resquício daquele calor humano. Você pode ver a reação do relator enquanto sustenta, pode pedir um esclarecimento de fato no momento exato em que uma inverdade é dita. É o “presencial online”. Entender essa diferença é o passo zero, porque a estratégia para um vídeo gravado (Plenário Virtual) é diametralmente oposta à estratégia de uma fala ao vivo (Videoconferência).

Saber onde você está pisando define suas armas. Se o julgamento é no Plenário Virtual (assíncrono), sua sustentação oral gravada precisa ser uma peça de marketing jurídico impecável, pois ela compete com a facilidade do julgador de simplesmente ler o relatório e votar. Se for por videoconferência, sua preparação envolve garantir que sua conexão não caia e que você saiba manejar os botões de “mudo” e “levantar a mão”. Muitos advogados perdem a chance de influenciar o resultado simplesmente por prepararem uma estratégia de “tribuna” para um ambiente de “arquivo digital”. Não seja esse advogado.

O que é o Plenário Virtual (Assíncrono)

O Plenário Virtual é, essencialmente, uma lista de votação eletrônica estendida no tempo. O Relator lança o relatório e o voto, e os demais julgadores têm um prazo (geralmente de 5 a 7 dias) para clicar em “acompanho”, “acompanho com ressalvas” ou “divirjo”. Para a advocacia, isso significa que o momento de persuasão acontece antes e de forma estática. Não existe aquele momento mágico da sustentação oral onde você vira o jogo aos 45 do segundo tempo, a menos que seu vídeo já tenha sido assistido e tenha plantado a dúvida previamente.

A grande armadilha aqui é a invisibilidade. Em uma sessão presencial, os juízes são obrigados a ouvir sua voz enquanto você estiver na tribuna. No Plenário Virtual, a sustentação oral é um arquivo anexado.[3][4][5] O julgador precisa ter a iniciativa proativa de clicar para ouvir. E, sejamos honestos entre nós: com milhares de processos, qual a chance de ele clicar se você não der um motivo muito forte? A advocacia aqui se torna um exercício de capturar a atenção em meio à automação do judiciário.

Além disso, o contraditório sofre uma mutação. Se o relator vota e você percebe um erro na premissa fática, no Plenário Virtual você não tem como levantar a mão e dizer “Pela ordem, Excelência”. Você precisa monitorar o sistema minuto a minuto e, se houver brecha regimental, atravessar uma petição de esclarecimento de fato correndo, torcendo para que o sistema alerte os gabinetes antes que os demais votos sejam computados. É uma advocacia de monitoramento constante e ansiedade silenciosa.

O que é a Sessão por Videoconferência (Síncrono)

A videoconferência é o ambiente síncrono que mais se aproxima da realidade que conhecíamos. Aqui, a liturgia é preservada: o uso da beca (muitas vezes exigido, mesmo que você esteja na sala de casa), o tratamento formal e a sequência de falas. A vantagem tática desse modelo é a possibilidade de interação imediata. Se um desembargador faz uma pergunta, você responde na hora. Se o Ministério Público traz um argumento novo, você pode reagir facialmente ou pedir a palavra para rebater.

No entanto, a videoconferência traz seus próprios demônios. A instabilidade da internet é o novo “trânsito engarrafado” que te faz perder a audiência. Além disso, existe a etiqueta digital.[6] Advogados que deixam o microfone aberto vazando ruídos domésticos, ou que não sabem enquadrar a câmera, perdem credibilidade instantaneamente. A autoridade que você construiu com anos de estudo pode ser minada por uma imagem pixelada ou por um ambiente de fundo desorganizado. A forma aqui importa tanto quanto o conteúdo.

Outro ponto crucial é a leitura de ambiente limitada. Em uma sala física, você percebe se o julgador ao lado está cochichando com o outro, ou se está folheando os autos impacientemente. Na tela do computador, você vê apenas rostos em quadrados pequenos (o famoso “Brady Bunch” jurídico). Muitas vezes, o julgador desliga a câmera. Falar para uma tela preta com apenas um nome escrito é uma das experiências mais solitárias e desafiadoras para um advogado, exigindo uma confiança inabalável na própria tese.

Por que essa distinção muda sua estratégia

Confundir os dois formatos é fatal. Se você prepara uma sustentação oral para o Plenário Virtual (gravada) como se fosse uma palestra acadêmica de 15 minutos, cheia de “data vênia” e preâmbulos históricos, ninguém vai assistir até o final. O vídeo gravado precisa ser um “pitch” de vendas: curto, direto, indo ao ponto nevrálgico do processo no primeiro minuto. O julgador tem o controle do “play/pause” e da velocidade de reprodução. Você precisa ganhar a atenção dele nos primeiros 30 segundos, ou ele vai acelerar o vídeo ou fechá-lo.

Por outro lado, na videoconferência, a brevidade excessiva pode parecer falta de preparo ou descaso. Ali, você tem o tempo regimental e a atenção cativa (teoricamente) da Corte. Você pode construir o raciocínio, usar a retórica, fazer pausas dramáticas. O silêncio na videoconferência é uma ferramenta de ênfase; o silêncio num vídeo gravado é um convite para o julgador fechar a janela. Sua estratégia de oratória deve ser calibrada pelo meio em que ela será entregue.

Além disso, o pedido de destaque (retirar do virtual para levar ao presencial/videoconferência) torna-se uma manobra tática essencial. Se o seu caso envolve uma matéria de fato complexa, com detalhes que exigem debate, deixar o caso no Plenário Virtual (assíncrono) é suicídio profissional. Você deve lutar para retirar o processo desse ambiente e levá-lo para onde o debate síncrono acontece. Saber quando aceitar o julgamento virtual e quando brigar pela videoconferência é o que diferencia o advogado estrategista do mero peticionante.

A Arte da Persuasão Sem Olho no Olho

A persuasão jurídica tradicionalmente dependia de uma conexão humana. A advocacia é, na essência, a arte de convencer outro ser humano de que a dor do seu cliente merece reparo. Quando removemos o contato visual direto, perdemos uma camada imensa de comunicação não-verbal. O “olho no olho” transmitia sinceridade, urgência e gravidade. Sem ele, corremos o risco de nos tornarmos apenas burocratas trocando arquivos digitais. Como recuperar essa humanidade perdida através de cabos de fibra óptica?

O segredo está em adaptar a linguagem. Se você não pode usar seu corpo e sua presença física para preencher a sala, suas palavras e sua entonação precisam trabalhar em dobro. A voz ativa, a clareza cristalina e a estrutura lógica do argumento tornam-se seus únicos aliados. Você não pode mais contar com a simpatia ou com o “jeitinho” de abordar o magistrado no corredor. A persuasão agora é 100% conteúdo e forma digital.

Você precisa entender que o julgador do outro lado também é um ser humano isolado em uma tela. Ele também sente a fadiga do Zoom, o cansaço dos olhos e a repetição mecânica dos votos. Sua tarefa é ser o ponto de quebra nessa monotonia. Sua sustentação, sua petição ou seu memorial deve ser algo que desperte o julgador do piloto automático. Vamos ver como fazer isso superando as barreiras sensoriais da tecnologia.

A perda da leitura corporal do magistrado

Quando você está na tribuna física, você é um radar. Você vê o relator balançar a cabeça negativamente e sabe que precisa mudar o rumo da argumentação imediatamente. Você vê o vogal bocejar e sabe que precisa ser mais incisivo ou encerrar logo. No ambiente virtual, especialmente no assíncrono, você está voando às cegas. Você grava sua defesa sem saber como ela será recebida. Essa falta de feedback imediato gera uma insegurança natural, mas que pode ser mitigada com preparação prévia.

Para compensar essa perda, sua pesquisa prévia deve ser muito mais profunda. Você não pode “sentir” o juiz na hora, então precisa conhecê-lo antes. Analisar votos anteriores, entender o posicionamento daquele magistrado sobre o tema específico e antecipar as objeções dele na sua fala gravada é crucial. Você deve fazer o papel de “advogado do diabo” contra sua própria tese durante a gravação: “Sei que Vossa Excelência pode pensar X, mas o caso apresenta a particularidade Y”. Você responde às dúvidas que ele teria, antes mesmo que ele as formule.

Além disso, na videoconferência, mesmo com a leitura corporal limitada, preste atenção aos micro-sinais. Se a câmera do juiz está ligada, observe o olhar. Ele está lendo outra coisa na tela? Ele parou de digitar para te olhar? Esses são os novos sinais de fumaça. Se ele parou de digitar e olhou para a câmera, é o momento de ouro. Aprofunde o ponto que você estava falando. Se o olhar dele está vidrado em um ponto fixo lateral (provavelmente um segundo monitor lendo e-mails), use uma frase de impacto ou mude o tom de voz para trazê-lo de volta.

O desafio da atenção em votos escritos antecipadamente

Um fenômeno comum no Plenário Virtual é que os votos muitas vezes já estão prontos antes mesmo de o prazo para sustentação se encerrar. Os gabinetes trabalham com minutas prévias. Isso cria uma sensação terrível para o advogado: a de que está falando para paredes, pois a decisão já foi tomada. Como furar esse bloqueio de um voto já redigido? A resposta é: choque de realidade fática.

Argumentos jurídicos puros (teses de direito) raramente mudam um voto pronto, pois o juiz já tem sua convicção jurídica formada. O que muda voto é fato. É demonstrar que a premissa fática daquele voto padrão não se aplica ao seu caso. “Excelência, este não é um caso padrão de dano moral por negativação; aqui temos um caso de homônimo que foi ignorado”. Quando você foca no fato distintivo, você obriga o julgador (ou o assessor) a parar e pensar: “Ops, será que essa minuta padrão serve aqui?”.

Sua sustentação deve começar por aí. Não perca tempo citando jurisprudência que o juiz conhece melhor que você. Comece dizendo: “Gravei este vídeo por um único motivo: há um detalhe na página 50 dos autos que distingue este processo de todos os outros da pauta”. Isso desperta a curiosidade. O desafio da atenção é vencido quando você promete — e entrega — algo que não é “mais do mesmo”. Você precisa ser a exceção na pilha de processos digitais.

Como criar “calor” em um arquivo de vídeo MP4

Humanizar um arquivo de vídeo é difícil, mas não impossível. O primeiro passo é esquecer que você está falando com uma câmera e imaginar uma pessoa. Cole uma foto ou um post-it atrás da webcam se precisar. Fale com a lente como se estivesse olhando nos olhos do seu cliente ou do juiz. O contato visual simulado (olhar para a lente, não para a sua própria imagem na tela) cria uma conexão subconsciente com quem assiste.

Use a modulação de voz. Vídeos monótonos são hipnóticos no mau sentido — dão sono. Alterne o ritmo. Fale mais rápido nos momentos de narrativa e desacelere drasticamente nos pontos cruciais. Faça pausas. O silêncio num vídeo cria tensão. “A prova do pagamento… [pausa de 2 segundos]… nunca existiu”. Essa técnica dramática funciona muito bem em vídeo, pois quebra o ritmo esperado e força o espectador a prestar atenção no que vem a seguir.

Por fim, conte uma história. Dados e artigos de lei são frios. Histórias são quentes. Em vez de dizer “o recorrente sofreu prejuízo financeiro”, diga “o Sr. João teve que vender o carro da família para pagar essa dívida indevida”. Traga a humanidade do seu cliente para dentro do vídeo. Faça o julgador sentir que, ao clicar naquele arquivo, ele está lidando com vidas reais, não com números de processos eletrônicos. Essa “temperatura” emocional é o que fica na memória após o vídeo terminar.

Aspectos Técnicos que Viram Argumentos

Você pode ser o maior jurista da sua região, mas se o seu áudio estiver chiando ou se você estiver na sombra, sua autoridade será diminuída. No mundo virtual, a técnica é a nova liturgia. Assim como você não iria ao tribunal de chinelos, você não deve enviar uma sustentação oral com áudio de má qualidade. A forma como você se apresenta tecnicamente diz ao Tribunal o quanto você se importa com aquele caso e o quanto respeita a Corte.

Não encare a qualidade técnica como futilidade ou vaidade. É uma questão de acessibilidade e clareza. Um desembargador idoso, talvez com alguma dificuldade auditiva, simplesmente vai ignorar um vídeo com áudio baixo ou abafado. Uma iluminação ruim que esconde seu rosto impede a leitura labial e das expressões faciais, diminuindo sua capacidade de comunicação. O aspecto técnico é o veículo do seu argumento; se o veículo quebra, a mensagem não chega.

Vamos ser práticos. Você não precisa de um estúdio de Hollywood, mas precisa de um “kit de sobrevivência digital”. Isso diferencia o amador do profissional. O investimento em equipamentos básicos se paga no primeiro processo que você consegue reverter ou chamar a atenção por causa da clareza da sua exposição. Vamos ver o que é essencial.

Iluminação e Áudio: Não deixe a técnica ofuscar o direito

O áudio é mais importante que o vídeo. As pessoas toleram uma imagem levemente granulada, mas não toleram um áudio ruim. Se o som é irritante, o instinto humano é parar de ouvir. Use um microfone de lapela ou um fone de ouvido de boa qualidade com microfone dedicado. Evite usar o microfone embutido do notebook, que capta o som da ventoinha do computador e o eco da sala. O som deve ser limpo, seco e direto.

Sobre a iluminação: luz frontal sempre. Nunca grave de costas para uma janela, pois você virará uma silhueta escura (o efeito “testemunha protegida”). Se não tiver uma ring light ou softbox, posicione-se de frente para uma janela com luz natural. A luz deve iluminar seu rosto uniformemente, permitindo que o julgador veja suas expressões. A advocacia é comunicação, e a expressão facial faz parte da ênfase argumentativa.

Teste tudo antes. Grave um minuto, assista e ouça. O que você vê e ouve é exatamente o que o Ministro verá e ouvirá. Se houver ruído de cachorro latindo, obra no vizinho ou notificação de WhatsApp apitando, grave de novo. Esses ruídos distraem e demonstram desleixo. A limpeza técnica do arquivo transmite profissionalismo e organização, atributos que você quer que o juiz associe à sua tese jurídica.

O cenário diz muito sobre o advogado

O que aparece atrás de você no vídeo compõe a sua imagem. Uma estante de livros bagunçada, uma cama desfeita ou uma cozinha ao fundo tiram o foco do que importa: sua fala. O cenário ideal é neutro e sóbrio. Uma parede lisa, uma estante organizada ou até mesmo um fundo virtual bem configurado (desde que não fique “comendo” sua orelha quando você se mexe) são as melhores opções.

Evite excessos. Diplomas demais na parede podem parecer arrogância; objetos pessoais demais podem parecer informalidade excessiva. O objetivo do cenário é ser invisível. Ele deve estar lá para dar contexto profissional, mas não para chamar a atenção. Se o julgador estiver tentando ler o título do livro na sua estante, ele não está prestando atenção no seu argumento sobre a prescrição intercorrente.

Lembre-se também da vestimenta. Mesmo estando em casa ou no escritório, a vestimenta deve ser completa. Terno e gravata (ou traje social condizente para advogadas) são indispensáveis. Há casos folclóricos de advogados que se levantaram e estavam de pijama da cintura para baixo. Não seja o próximo meme jurídico. A roupa completa ajuda até na sua postura e na sua mentalidade para o ato solene da sustentação.

O “timing” do envio e o perigo do prazo de 48h

A maioria dos regimentos internos (como o do STF e STJ) exige que a sustentação oral seja enviada até 48 horas antes do início da sessão virtual. Perder esse prazo é fatal: o sistema trava e você não consegue mais fazer o upload. Diferente do presencial, onde você pode correr e chegar esbaforido, no virtual o sistema é implacável. Não existe “jeitinho” com o algoritmo.

Mas o “timing” não é só sobre não perder o prazo. É sobre quando enviar para ter impacto. Enviar com muita antecedência pode fazer com que seu vídeo fique esquecido na fila. Enviar na última hora pode ser arriscado tecnicamente. O ideal é enviar com uma margem de segurança, mas acompanhar o envio com um despacho virtual (envio de memoriais por e-mail) alertando os gabinetes de que a sustentação foi juntada e que ela aborda o ponto crucial X.

Crie um protocolo no seu escritório. Quem grava? Quem edita (se necessário cortar o início e fim)? Quem faz o upload? Quem confere se o arquivo subiu corretamente? Muitas vezes o advogado grava, mas o estagiário sobe o arquivo errado ou corrompido. A responsabilidade final é sua. Verifique pessoalmente se o vídeo está lá e se está rodando. A tecnologia falha, e a culpa recairá sobre a sua perda de prazo.

O Memorial Digital: A Nova Arma de Combate

Se a sustentação oral perdeu um pouco do seu brilho no ambiente virtual assíncrono, o memorial ganhou uma força titânica. Antes, entregávamos memoriais impressos de gabinete em gabinete. Hoje, o “Memorial Digital” é a peça mais importante depois do recurso. É ele que vai chegar por e-mail ou WhatsApp diretamente na tela do assessor que está minutando o voto. E ele não pode ser apenas um “copy-paste” das suas razões recursais.

O Memorial Digital deve ser uma peça de design e síntese. Ele deve ser pensado para ser lido em uma tela de celular ou tablet. Ninguém lê 20 páginas de memorial no celular. Você tem que condensar seu caso em 3 a 5 páginas, visualmente agradáveis, com hiperlinks e destaques. É a advocacia de precisão. Você tem poucos segundos para convencer o leitor a continuar lendo.

Essa peça é o “trailer” do seu processo. Se o trailer for bom, o assessor vai ler o processo completo ou assistir sua sustentação. Se o memorial for ruim, denso, bloco de texto interminável, ele vai para a lixeira virtual. Vamos explorar como transformar esse documento na sua arma secreta para furar o bloqueio do distanciamento físico.

A importância do visual law e da brevidade

Esqueça o “juridiquês” empolado e as fontes Times New Roman tamanho 12 em blocos justificados sem fim. O Memorial Digital exige Visual Law. Use tópicos, ícones para destacar argumentos, linhas do tempo gráficas para explicar a cronologia dos fatos. Se o caso envolve um acidente, coloque a foto ou o croqui no corpo do texto. Se envolve uma cláusula contratual, coloque o print da cláusula destacada em amarelo. Facilite a cognição visual.

A brevidade é rainha. O memorial não é lugar para repetir doutrina que todo mundo conhece. Vá direto ao fato e à conclusão. “O Recurso deve ser provido porque a intimação foi para o nome errado, conforme print da fl. 50”. Ponto. Essa clareza agressiva é refrescante para quem lê centenas de páginas por dia. Respeitar o tempo do julgador é a forma mais eficiente de conquistar a simpatia dele.

Pense no memorial como um mapa. O juiz está perdido na floresta de processos. Seu memorial deve ser o mapa que mostra o caminho mais rápido para a saída (a decisão favorável a você). Se o mapa for confuso, ele vai ignorar. Use cabeçalhos claros, sumários executivos no início e destaque em negrito apenas o que for crucial. Se tudo é urgente, nada é urgente. Se tudo está em negrito, nada está em destaque.

O despacho virtual: Como conseguir a atenção do assessor

Despachar com o juiz virou despachar por videoconferência ou, muitas vezes, apenas enviar e-mail. A realidade é que o acesso direto ao magistrado ficou mais restrito. Portanto, o alvo tático muitas vezes passa a ser o chefe de gabinete ou a assessoria. Tratar a assessoria com o mesmo respeito e deferência que você trataria o Ministro é regra de ouro. São eles que filtram o que chega à mesa de decisão.

Ao solicitar um despacho virtual, seja específico no assunto do e-mail. Não coloque apenas “Processo nº tal”. Coloque: “Processo nº tal – Tese de Prescrição – Urgente – Pedido de Liminar”. No corpo do e-mail, seja cordial e extremamente sucinto. “Prezados, segue memorial resumido sobre o caso X, onde discutimos Y. O vídeo da sustentação já está no sistema”. Ofereça-se para esclarecer dúvidas por uma rápida chamada de vídeo, se necessário.

Muitas vezes, a resposta será “recebido e encaminhado”. Não desanime. O despacho virtual é um jogo de persistência educada. Monitore o andamento. Se o processo não andou, reitere o envio com um novo fato ou um novo precedente que saiu na semana passada. Mantenha o processo “vivo” na caixa de entrada do gabinete, sem virar spam. É uma linha tênue entre ser diligente e ser inconveniente.

Links e QR Codes: Facilitando a vida do julgador

A tecnologia permite interatividade. Seu memorial deve ter links clicáveis. Quando citar a “fl. 50”, transforme esse texto num hiperlink que leva direto para a peça nos autos (se o sistema do tribunal permitir links externos seguros) ou pelo menos facilite a localização. Use QR Codes no canto da página para levar ao vídeo da sua sustentação oral ou para um vídeo curto de prova (ex: vídeo de uma vistoria).

Imagine o assessor lendo seu memorial impresso ou em uma segunda tela. Ele vê um QR Code com a legenda: “Escute o áudio da confissão da testemunha”. Ele aponta o celular e ouve. Isso é prova viva, imediata. É muito mais poderoso do que transcrever o depoimento. Você traz a prova para a mesa dele.

Mas cuidado com a segurança. Use links confiáveis (Google Drive, OneDrive ou o próprio site do Tribunal). Teste os links em dispositivos diferentes (Android, iPhone, PC). Nada frustra mais do que um link quebrado ou que pede senha de acesso. O acesso deve ser livre e imediato. Facilite, não crie barreiras.

Psicologia do Julgador na Era do “Clique”

Para advogar bem no Plenário Virtual, você precisa entender o que se passa na cabeça de quem julga diante de uma tela. Estudos mostram que a leitura em tela é mais superficial do que em papel. A tendência é o “skimming” (leitura dinâmica, passando o olho). Além disso, a fadiga de decisão (decision fatigue) aumenta quando se está bombardeado por notificações e luz azul o dia todo.

O julgador digital tende a buscar padrões para economizar energia mental. “Ah, isso é mais um agravo sobre plano de saúde”. Ele categoriza seu processo numa caixa mental antes mesmo de ler os detalhes. Sua missão psicológica é tirar seu processo dessa caixa automática. Você precisa acionar o “Sistema 2” de pensamento dele (o pensamento lento, analítico), tirando-o do “Sistema 1” (rápido, intuitivo e automático).

Entender que você está lutando contra o cansaço mental e a automação cognitiva muda sua forma de escrever e falar. Você precisa de “ganchos” (hooks) mentais. Algo que faça o cérebro do julgador travar e dizer: “Espere, isso aqui é diferente”. Vamos ver como usar a psicologia a seu favor.

A fadiga de decisão diante de telas

Ao final de uma sessão virtual com 500 processos julgados em bloco, a capacidade de julgamento crítico cai drasticamente. Se o seu processo é o número 490 da lista, você está em desvantagem estatística. O cérebro humano tende a manter o status quo (negar provimento) quando está cansado. É mais seguro e gasta menos energia do que reformar uma decisão e ter que justificar extensamente.

Sabendo disso, tente simplificar a decisão para o juiz. Não peça cinco coisas alternativas. Peça a principal de forma clara. “Excelência, para reformar, basta olhar o documento X”. Dê a ele o caminho de menor resistência para te dar o ganho de causa. Facilite a redação do voto dele. Se sua tese é complexa demais, a chance de rejeição por fadiga aumenta.

Se puder, use o “priming”. No início do memorial ou da fala, use palavras que evoquem justiça, correção de erro evidente, atenção. E tente, se a estratégia processual permitir, destacar seu processo para que ele não seja julgado no “bolo” da lista virtual, pedindo destaque para sustentação síncrona, onde a atenção é renovada.

O viés da confirmação em votos lançados precocemente

O viés da confirmação é a tendência de buscar informações que confirmem o que já acreditamos e ignorar o que contradiz. Se o relator já lançou um voto desfavorável na lista virtual, ele tende a ignorar seus argumentos contrários para não ter o trabalho cognitivo (e egóico) de admitir que errou e mudar o voto. Mudar um voto já escrito dói.

Para combater isso, não ataque o juiz ou a sentença de forma frontal dizendo que estão “errados”. Use a técnica do “fato novo” ou “fato despercebido”. “Excelência, talvez não tenha ficado claro nos autos, mas…”. Dê uma saída honrosa para o julgador mudar de ideia sem parecer que cometeu um erro crasso. Apresente a informação como um detalhe sutil que muda tudo.

Isso diminui a defensiva do julgador. Em vez de se defender do seu recurso, ele se sente convidado a examinar uma “nova luz” sobre o caso. A advocacia psicológica é sobre gerenciar o ego e a atenção do tomador de decisão.

Como “quebrar o padrão” e fazer seu processo se destacar

Para ser notado no mar de arquivos digitais, quebre o padrão estético e narrativo. Se todos os advogados começam a sustentação dizendo “Excelentíssimos Senhores, cumpre-me nesta tarde…”, comece diferente. Comece com uma pergunta retórica: “Pode uma empresa ser condenada por um erro que não cometeu?”. Comece mostrando um objeto físico na câmera, se relevante.

No memorial, use uma cor de destaque (com moderação). Use um infográfico. Faça algo que visualmente destoe da pilha de papel (ou PDF) preto e branco. O cérebro humano é programado para notar o contraste. O que é diferente atrai o olhar. Uma vez atraído o olhar, cabe à sua técnica jurídica manter a atenção.

Mas atenção: ser diferente não é ser ridículo. A linha é tênue. A inovação deve ser funcional, servindo para explicar melhor o caso, e não apenas para aparecer. O objetivo é que o julgador pense: “Esse advogado facilitou meu trabalho”, e não “Esse advogado é um showman”.

Quadro Comparativo: Onde Você Está Jogando?

Para visualizar melhor as diferenças táticas, preparei este quadro comparativo entre os três principais ambientes de julgamento que você enfrentará hoje.

CaracterísticaPlenário Físico (Tradicional)Videoconferência (Síncrono)Plenário Virtual (Assíncrono)
InteraçãoEm tempo real, olho no olho, leitura corporal total.Em tempo real, mediada por tela, leitura facial limitada.Nenhuma interação direta. Envio prévio de arquivos.[1][2][3][4]
Sustentação OralNa tribuna, com intervenções possíveis.Ao vivo, sujeita a falhas de conexão.Gravada (vídeo/áudio).[1][2][3][4][5][7] Monólogo sem feedback.
Foco do JulgadorAlto (ambiente controlado, sem distrações externas).Médio (multitarefa, e-mails, celular fora da câmera).Baixo/Fragmentado (assiste quando quer/pode).
Melhor EstratégiaOratória clássica, emoção, presença de palco.Objetividade, cenário limpo, boa conexão.Visual Law, vídeos curtos, foco total em fatos distintivos.
Ponto CríticoSaber o momento de intervir (“Pela ordem”).Etiqueta digital e estabilidade técnica.Produção audiovisual e memoriais digitais impecáveis.

Advogar no Plenário Virtual e nas sessões remotas não é o fim da advocacia combativa, mas é o fim da advocacia amadora. As particularidades da falta de contato visual exigem que você refine outras ferramentas: sua escrita visual, sua capacidade de síntese e sua competência tecnológica. O advogado que domina o microfone e a câmera hoje tem a mesma vantagem daquele que tinha a voz de trovão nos tribunais do passado. Adapte-se, pois a justiça pode ser cega, mas ela passou a ouvir e ver por meios digitais. E você precisa garantir que a imagem e o som do seu cliente cheguem límpidos do outro lado.

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