Você já teve aquela sensação terrível de ter o direito material do seu cliente nas mãos, a tese perfeita, a jurisprudência favorável, mas ver o recurso trancado na porta do Tribunal Superior por uma questão técnica. É frustrante. É doloroso. E na maioria das vezes, o culpado tem nome e sobrenome: ausência de prequestionamento. Se você quer jogar na “Champions League” do judiciário brasileiro, vulgo STJ e STF, precisa dominar essa regra não escrita nas estrelas, mas cravada nas súmulas. Vamos conversar de igual para igual sobre essa divergência entre o ficto e o real, porque entender isso é o que separa o advogado que apenas recorre daquele que efetivamente entrega resultados., ao escolher um Curso Advocacia Estratégica nos Tribunais de 2º Grau e Superiores
A Batalha Histórica: Súmula 211 do STJ vs. Súmula 356 do STF
Precisamos começar pelo fundamento dessa confusão toda que assombra os escritórios de advocacia há décadas. O Superior Tribunal de Justiça sempre adotou uma postura extremamente rígida, conhecida como prequestionamento real. Para os Ministros do STJ, não bastava você gritar aos quatro ventos nos seus embargos que o tribunal local omitiu a análise de uma lei federal. O Tribunal de origem precisava, efetivamente, se pronunciar sobre a matéria. Se o Desembargador ignorasse seus embargos, o STJ aplicava a Súmula 211 e dizia “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”. Era um beco sem saída. Você fazia a sua parte, o tribunal local falhava, e quem pagava a conta era o seu recurso.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal sempre teve uma postura mais pragmática e menos punitiva com a parte recorrente, adotando o prequestionamento ficto. A lógica do STF, cristalizada na Súmula 356, é a de que se você opôs os embargos de declaração para sanar a omissão e o tribunal não supriu a falha, o ponto considera-se prequestionado. O Supremo entende que a parte não pode ser penalizada pela inércia ou teimosia do julgador inferior. Para o STF, basta a provocação. Se você provocou e houve o silêncio, o requisito da admissibilidade estava cumprido fictamente. Era um alívio para quem militava na esfera constitucional, mas um pesadelo para quem lidava com infraonstitucional.
Essa dicotomia criou uma esquizofrenia processual no Brasil durante anos. O advogado precisava ter duas mentalidades diferentes dependendo de qual tribunal ele estava mirando. Se fosse para o STJ, ele precisava praticamente implorar para o Tribunal de Justiça ou Regional Federal falar sobre o artigo de lei, sob pena de ver seu Recurso Especial morrer na praia. Isso gerava uma enxurrada de embargos de declaração, muitas vezes repetitivos, apenas na tentativa desesperada de arrancar uma linha de texto do acórdão recorrido que mencionasse a tese defendida. Era um desperdício de tempo, de papel e de sanidade mental para todos os envolvidos no processo.
A Promessa do Novo CPC e o Artigo 1.025
Quando o Código de Processo Civil de 2015 foi promulgado, a advocacia respirou aliviada acreditando que o problema estava resolvido. O artigo 1.025 veio com uma redação que parecia música para os nossos ouvidos. Ele diz expressamente que se consideram incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados. A intenção do legislador foi clara como água cristalina: acabar com a Súmula 211 do STJ e adotar o modelo do prequestionamento ficto para todo o sistema processual brasileiro. A ideia era simplificar a vida do advogado e destravar os recursos excepcionais.
No entanto, a prática forense nos ensina que a letra da lei é apenas o começo da história; o final quem escreve é a jurisprudência. O STJ, zeloso pela sua função de guardião da legalidade e filtro recursal, não aceitou a mudança de forma tão automática quanto gostaríamos. A Corte Cidadã passou a interpretar o artigo 1.025 de uma maneira que exige uma atenção redobrada sua. Eles aceitam o prequestionamento ficto, sim, mas com uma condicional técnica que derruba muita gente boa. Não basta opor os embargos e ter eles rejeitados para que a mágica aconteça e o recurso suba. Existe um passo adicional, um “pulo do gato” processual que você não pode esquecer.
Para que o STJ reconheça o prequestionamento ficto trazido pelo CPC de 2015, você deve, no seu Recurso Especial, alegar não apenas a violação ao artigo de lei federal do mérito (o direito material do seu cliente), mas também alegar violação ao artigo 1.022 do CPC, que trata da negativa de prestação jurisdicional. O raciocínio é o seguinte: você diz ao STJ “Olha, o tribunal local errou no mérito, mas se vocês acharem que eles não falaram sobre isso, então eles erraram ao não acolher meus embargos”. Se você não abrir esse tópico preliminar de nulidade do acórdão por omissão, o STJ ignora o artigo 1.025 e aplica a velha Súmula 211. É uma armadilha técnica.
Estratégias Processuais para Garantir o Prequestionamento
Você precisa dominar o manejo cirúrgico dos Embargos de Declaração se quiser ter sucesso nos tribunais superiores. Muitos colegas usam os embargos de forma genérica, apenas dizendo que “houve omissão” ou tentando rediscutir o mérito da causa, o que é um erro crasso. Os seus embargos com fins de prequestionamento devem ser precisos como um bisturi. Você deve apontar claramente qual tese jurídica foi ignorada e qual dispositivo legal sustenta essa tese. Não use os embargos para mostrar seu inconformismo com a justiça da decisão; use-os para construir a ponte técnica que ligará o seu processo ao STJ ou STF. O texto deve ser focado em demonstrar que o tribunal a quo deixou de enfrentar um argumento capaz de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.
A técnica obrigatória de alegação de violação ao artigo 1.022 do CPC, que mencionei anteriormente, merece um aprofundamento. Quando você for redigir seu Recurso Especial, estruture sua peça com um capítulo preliminar robusto. Nesse capítulo, você vai defender que o Tribunal de Origem, ao rejeitar seus embargos de declaração, negou a prestação jurisdicional completa. Você deve pedir, subsidiariamente, que se o STJ não entender que a matéria está prequestionada (ficto), que então anule o acórdão recorrido e determine que outro seja proferido suprindo a omissão. Essa dialética é essencial. Sem pedir a anulação por violação ao 1.022, você não abre a porta para o STJ aplicar o direito ao caso concreto com base no prequestionamento ficto.
Outro ponto crucial é a distinção entre prequestionamento numérico e prequestionamento da tese jurídica. Antigamente, havia uma obsessão em fazer o juiz citar o número do artigo (ex: “artigo 186 do Código Civil”). Hoje, a jurisprudência, tanto do STJ quanto do STF, tende a aceitar o chamado prequestionamento implícito, onde o tribunal discute a tese jurídica, o conteúdo da norma, sem necessariamente citar o número do artigo. No entanto, pelo amor ao seu direito de recorrer, não conte com a sorte. O seguro morreu de velho. Nos seus embargos, peça expressamente a manifestação sobre o dispositivo legal e sobre a tese. É melhor pecar pelo excesso de clareza do que pela falta de formalidade, pois o conceito de “implícito” é subjetivo e varia de acordo com o humor do Ministro Relator.
Riscos Fatais e a Responsabilidade do Advogado
Muitos advogados caem na armadilha perigosa das matérias de ordem pública. Aprendemos na faculdade que matérias de ordem pública (como prescrição, decadência, condições da ação) podem ser alegadas a qualquer tempo e grau de jurisdição. Isso é verdade nas instâncias ordinárias. Porém, nas instâncias extraordinárias (STJ e STF), essa regra não se aplica da mesma forma. O requisito constitucional do prequestionamento se sobrepõe à natureza da matéria. Se a prescrição não foi debatida no acórdão recorrido, o STJ não vai analisá-la de ofício em Recurso Especial, salvo se o recurso for conhecido por outro fundamento. Você não pode chegar em Brasília trazendo uma “bala de prata” de ordem pública que ficou guardada no bolso durante todo o processo no tribunal estadual. A barreira da admissibilidade é impiedosa.
Existe também o risco financeiro imediato da multa por embargos protelatórios. Há uma linha muito tênue entre o exercício legítimo do direito de defesa para fins de prequestionamento e o abuso do direito de recorrer. Tribunais locais, muitas vezes sobrecarregados, têm a tendência de rotular embargos de declaração reiterados como protelatórios, aplicando a multa do artigo 1.026, § 2º do CPC. Para evitar isso, sua petição de embargos deve ser extremamente respeitosa e justificada, citando expressamente a Súmula 98 do STJ, que diz que embargos com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório. Use a jurisprudência a seu favor para blindar o bolso do seu cliente e a sua reputação.
Por fim, precisamos falar sobre a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance. Falhar no prequestionamento não é apenas um erro processual; pode ser considerado negligência profissional. Se o seu recurso não é conhecido por falta de prequestionamento (Súmula 211 ou 282), e a tese de mérito tinha alta probabilidade de êxito, o cliente pode, em tese, processar você pelos danos causados pela perda da oportunidade de ter o recurso julgado. O mercado está cada vez mais exigente e os clientes corporativos, em especial, auditam os processos. Um “não conhecimento” por falha técnica é muito mais difícil de explicar do que um “não provimento” no mérito. Dominar essa técnica é, portanto, uma questão de sobrevivência profissional.
Comparativo: As Nuances do Prequestionamento
Para facilitar sua visualização e garantir que você não confunda os conceitos na hora de redigir sua peça, preparei este quadro comparativo. Pense nisso como o seu mapa de navegação.
| Característica | Prequestionamento Real | Prequestionamento Ficto | Prequestionamento Implícito |
| Conceito Principal | Exige que a matéria tenha sido expressamente debatida e decidida no acórdão recorrido. | Considera a matéria prequestionada pela simples oposição dos embargos, mesmo sem sucesso. | A tese jurídica é debatida pelo tribunal, sem necessidade de citar o número do artigo de lei. |
| Defensor Histórico | Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Súmula 211. | Supremo Tribunal Federal (STF) – Súmula 356 e CPC/15 (Art. 1.025). | Aceito por ambos (STJ e STF) com ressalvas. |
| Requisito para Sucesso | O Tribunal de origem deve acolher os embargos e complementar o acórdão. | Oposição tempestiva de Embargos de Declaração (e alegar violação ao 1.022 no REsp). | O acórdão deve enfrentar o tema de fundo de forma inequívoca. |
| Risco Principal | Súmula 211: Se o tribunal se calar, o recurso trava. | Esquecer de alegar a nulidade por negativa de prestação jurisdicional no recurso. | O Ministro Relator entender que o debate não foi suficiente. |
Espero que essa conversa tenha clareado o horizonte para você. A técnica processual nos Tribunais Superiores não permite amadorismo. O prequestionamento não é burocracia, é pressuposto constitucional de cabimento. Entenda as regras do jogo, use as ferramentas corretas e pare de contar com a sorte. Seu cliente confia no seu conhecimento técnico para levar a causa até a última instância, e agora você tem o mapa para não se perder no caminho. Mãos à obra e bom recurso.
