Sobrepartilha: Descobri bens após o fim do inventário
Imagine a cena. Você finalmente respira aliviado. O processo de inventário do seu pai ou da sua mãe, que parecia interminável, chegou ao fim. O formal de partilha está registrado, as chaves dos imóveis foram entregues e a família está pronta para virar a página. Mas, num domingo à tarde, mexendo em papéis antigos numa gaveta esquecida, você encontra um extrato bancário de uma conta que ninguém conhecia. Ou pior, descobre que aquele terreno no interior, que todos achavam que já tinha sido vendido há décadas, ainda está no nome do falecido.
O coração dispara. A primeira pergunta que vem à mente é: “Vou ter que reabrir todo aquele processo doloroso de novo?”. A resposta curta é não. Você não precisa anular o que já foi feito, nem “reabrir” o inventário no sentido de desfazer a partilha anterior.[8][9] O Direito, na sua sabedoria (e acredite, ele tenta ser prático às vezes), criou uma ferramenta específica para esse momento: a sobrepartilha.
Como alguém que vive o direito das sucessões diariamente, posso lhe garantir que isso é mais comum do que você imagina. Não é incompetência do advogado anterior e nem desleixo da família. A vida financeira das pessoas é complexa e, muitas vezes, nem o próprio falecido tinha a organização necessária para deixar tudo listado. Vamos conversar sobre como resolver isso de forma técnica, mas sem o “juridiquês” desnecessário que só confunde.
Entendendo a Sobrepartilha: O Conceito Jurídico Descomplicado
A natureza jurídica da sobrepartilha e sua previsão no CPC[1][4][10][11]
Pense na sobrepartilha como um “adendo” ou um anexo ao inventário principal. O Código de Processo Civil (CPC) prevê esse instituto justamente porque o legislador sabe que a memória falha e que bens podem surgir do nada. Juridicamente, ela é uma nova partilha, mas que corre nos mesmos autos (se for judicial) ou que faz referência ao inventário anterior (se for em cartório).[3] Ela serve para dividir apenas o que ficou de fora.[7][9]
Não estamos falando de um novo processo autônomo que ignora o passado. A sobrepartilha aproveita tudo o que já foi decidido: quem são os herdeiros, quem é o meeiro (viúvo ou viúva), e quais são as qualidades das partes. Você não precisa provar novamente que é filho do falecido. Essa etapa já foi vencida. O foco aqui é estritamente objetivo: pegar o novo bem descoberto e aplicar a ele as mesmas regras de divisão que foram usadas para o restante do patrimônio.
É interessante notar que a sobrepartilha tem uma natureza “corretiva” e “complementar”. Ela vem para preencher uma lacuna. Se o inventário é o retrato do patrimônio no momento da morte, a sobrepartilha é a revelação de que aquele retrato estava incompleto. O objetivo final é a liquidação total da herança, para que não sobrem pontas soltas ou bens em nome de alguém que já não está mais aqui para assinar nada.
Diferença crucial entre partilha, retificação e sobrepartilha
Aqui acontece uma confusão muito comum no meu escritório. O cliente chega dizendo “Doutor, precisamos retificar o inventário”. Cuidado com os termos. Retificação é usada quando cometemos um erro no que já foi feito. Por exemplo, descrevemos o número da matrícula do imóvel errado, ou digitamos o nome de um herdeiro com erro de grafia. Retificar é consertar um erro material num ato que já existe.
A sobrepartilha, por outro lado, trata de algo novo ou omitido.[3][4][5][8][9][10] Não há erro no que foi partilhado antes; aquilo continua válido. A casa da praia ficou 50% para cada irmão? Ótimo, isso não muda. A sobrepartilha vai tratar exclusivamente do carro antigo que foi achado agora. Você não mexe no passado, você apenas adiciona o futuro.[9] É uma adição, não uma correção.
Já a anulação de partilha seria algo muito mais grave, usada quando houve um vício terrível, como um herdeiro que foi excluído propositalmente ou um testamento que foi ignorado. Se você descobriu um bem novo, esqueça a anulação e esqueça a retificação. O caminho é a sobrepartilha.[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10] Saber essa distinção economiza tempo e dinheiro, pois o procedimento de sobrepartilha é muito mais direto do que tentar corrigir uma escritura inteira.
O princípio da saisine e por que o bem já é seu (mesmo sem papel)
Vou lhe contar um segredo do direito que parece mágica: no exato segundo em que uma pessoa falece, todos os seus bens passam automaticamente para os herdeiros. Isso se chama Princípio da Saisine. “Mas doutor, o terreno ainda está no nome do meu pai!”. No cartório, sim.[3] Mas na propriedade, juridicamente, já é seu e dos seus irmãos desde o momento do óbito.
O inventário e a sobrepartilha servem apenas para regularizar essa situação perante terceiros. Servem para que você possa vender, alugar ou dar o bem em garantia. Por que estou lhe dizendo isso? Para que você não entre em pânico achando que “perdeu” o bem porque ele não entrou no inventário inicial. Você não perdeu nada. O direito de propriedade já se consolidou.
A sobrepartilha é, portanto, o instrumento formal para dar publicidade a essa transferência que já ocorreu no mundo dos fatos jurídicos. Sem ela, o bem fica num limbo: é seu, mas você não pode dispor dele plenamente. É como ter um cheque preenchido, mas não assinado. A sobrepartilha é a assinatura que falta para você sacar esse valor e seguir sua vida.
Hipóteses de Cabimento: Quando Você Deve Usar a Sobrepartilha?
Bens sonegados ou descobertos tardiamente: o caso clássico
A hipótese mais comum de sobrepartilha é a dos bens descobertos após a partilha.[3][5][9] É o exemplo da conta bancária inativa, das ações de uma companhia telefônica antiga ou de um seguro de vida que na verdade tinha natureza de investimento. Muitas vezes, os filhos não tinham intimidade financeira com os pais e essas surpresas aparecem quando chegam cartas do banco ou avisos de cobrança de IPTU de um imóvel desconhecido.
Existe também a figura dos bens sonegados.[4] O termo é forte, eu sei. Sonegar, no direito civil, significa ocultar dolosamente (de propósito). Acontece quando um herdeiro sabia que o pai tinha uma coleção de moedas de ouro, ficou com ela, não contou para ninguém, e depois foi descoberto. Nesse caso, a sobrepartilha é necessária para dividir essas moedas, e o herdeiro “esperto” pode até perder o direito sobre elas como punição.
Seja por inocência (descoberta tardia) ou por malícia de alguém (sonegação), o resultado prático é o mesmo: o bem precisa voltar para o monte-mor e ser dividido. Você deve reunir as provas da existência desse bem e demonstrar que ele pertencia ao falecido na data do óbito.[8] Se o bem foi adquirido depois da morte (por exemplo, frutos ou rendimentos), a regra é outra, mas se já existia, é caso de sobrepartilha.
Bens litigiosos ou de difícil liquidação: resolvendo o que trava o processo
Às vezes, nós sabemos que o bem existe, mas ele é problemático. Imagine que o falecido estava processando uma empresa para receber uma indenização milionária. O processo existe, mas ninguém sabe se ele vai ganhar ou quanto vai ganhar. Se ficarmos esperando esse processo acabar para terminar o inventário, os herdeiros vão ficar anos com os bens “travados”.
Nesse cenário, usamos uma estratégia inteligente: fazemos a partilha de tudo o que é certo (casas, carros, dinheiro em conta) e deixamos esse “direito litigioso” para uma sobrepartilha futura. O juiz ou o tabelião coloca uma cláusula no inventário dizendo: “Os direitos sobre a ação nº X serão objeto de sobrepartilha oportuna”.
Isso libera a vida de todo mundo. Vocês recebem os imóveis agora e, daqui a 5 ou 10 anos, quando a ação judicial terminar e o dinheiro sair, vocês fazem a sobrepartilha apenas desse valor. É uma ferramenta de gestão processual fantástica. Evita que um problema específico contamine todo o patrimônio e deixe os herdeiros reféns da morosidade da justiça.
Bens situados em lugar remoto ou que dependem de regularização complexa[1][4][9]
O Brasil é um país continental e burocrático. Não é raro o falecido ter deixado um imóvel em outro estado, numa comarca pequena e de difícil acesso, onde a documentação é física e o cartório é lento. Ou então, um imóvel que precisa de um georreferenciamento complexo para ser regularizado.
Se você tiver que esperar o agrimensor medir a fazenda no interior do Mato Grosso para terminar o inventário do apartamento em São Paulo, vai perder meses ou anos. A lei permite que você diga: “Olha, vamos partilhar o que está fácil e documentado. A fazenda no Mato Grosso, que está em fase de medição, fica para a sobrepartilha”.
Isso também se aplica a empresas. Se o falecido era sócio de uma empresa que está passando por uma auditoria ou dissolução complicada, não trave a partilha da casa da família por causa disso. Separe as coisas. A sobrepartilha serve para dar agilidade, permitindo fatiar a herança em etapas lógicas, resolvendo os problemas um de cada vez.
Escolhendo a Via Correta: Judicial ou Extrajudicial (Cartório)[1][3]
Os requisitos inegociáveis para a via extrajudicial
A via extrajudicial, feita em Cartório de Notas, é o sonho de qualquer advogado e de qualquer cliente. É rápida, eficiente e, geralmente, menos estressante.[2] Mas ela tem regras rígidas. Para fazer a sobrepartilha em cartório, todos os herdeiros devem ser maiores de idade e capazes.[7] Se houver um filho menor de 18 anos ou alguém interditado, a porta do cartório se fecha (salvo exceções muito específicas em alguns estados que permitem com autorização judicial prévia, mas a regra geral é o bloqueio).
Além da capacidade, é fundamental que haja consenso. Todos devem concordar com a divisão do bem novo.[3][7] Se um irmão acha que o terreno vale X e o outro acha que vale Y, ou se não concordam sobre quem fica com o quê, o tabelião não pode resolver. Tabelião não é juiz; ele apenas formaliza a vontade das partes. Havendo briga, não há cartório.
Outro ponto importante: mesmo que o inventário original tenha sido judicial (porque havia menores na época, por exemplo), se agora todos são maiores e estão de acordo, a sobrepartilha pode ser feita em cartório.[7] Isso é uma grande vantagem. O fato de o processo principal ter tramitado no fórum não “contamina” a sobrepartilha. Você pode migrar para a via extrajudicial livremente, desde que preencha os requisitos hoje.
Situações onde o juiz é inevitável (menores e litígios)
Se infelizmente vocês não se entendem sobre o destino desse novo bem, ou se há interesses de incapazes envolvidos, o caminho é o Poder Judiciário.[6] A sobrepartilha judicial corre por dependência ao processo original.[10] O advogado vai peticionar nos mesmos autos dizendo: “Excelência, achamos mais um bem”.
O trâmite judicial é mais lento. O juiz vai mandar ouvir o Ministério Público (se houver menores), vai pedir avaliação oficial do bem por um perito (o que custa dinheiro e tempo), e vai abrir prazo para impugnações. É um rito mais formal e burocrático.
Porém, o juiz tem o poder de decidir.[6] Se os herdeiros não se acertam, o juiz determina a venda do bem em leilão e a divisão do dinheiro, ou decide quem fica com o bem e paga a diferença aos outros. O judiciário é a via da “solução forçada” quando a “solução amigável” falha. Prepare-se apenas para um prazo mais dilatado; enquanto um cartório resolve em semanas, o judiciário pode levar meses ou mais de um ano, dependendo da vara.
Comparativo de custos e velocidade entre as duas vias
Quando falamos de bolso, a conta é complexa. No cartório, você paga os emolumentos da escritura, que são tabelados por lei estadual e variam conforme o valor do bem sobrepartilhado. É um pagamento à vista. No judicial, você paga as custas processuais, que também são baseadas no valor da causa (valor do bem), mas costumam ser um pouco menores que os emolumentos de cartório em faixas de valor muito alto.
No entanto, o “barato” do judicial sai caro no tempo. O tempo que o bem fica parado, gerando condomínio, IPTU e sem poder ser alugado, muitas vezes supera a economia das custas iniciais. A via extrajudicial permite liquidez imediata: você regulariza o imóvel em 30 dias e já o coloca à venda.
Portanto, minha recomendação como advogado é quase sempre: se puderem, façam em cartório. A agilidade compensa qualquer diferença de taxa. O custo emocional de manter um processo aberto por anos é imensurável. Fechar esse ciclo rapidamente permite que a família siga em frente, e isso não tem preço.
O Passo a Passo Prático para Realizar a Sobrepartilha
A “caça” aos documentos e a prova da propriedade[3][8]
O primeiro passo prático é o trabalho de detetive. Você precisa provar para o tabelião ou para o juiz que aquele bem existia e era do falecido. Se for um imóvel, você precisará da matrícula atualizada ou da transcrição antiga. Se for saldo bancário, precisará do extrato da data do óbito (e não da data de hoje!). Lembre-se, o imposto incide sobre o que existia no dia da morte.
Muitas vezes, os bancos dificultam o acesso a esses extratos para herdeiros que já fecharam o inventário. Você precisará levar a certidão de inventariante (do processo antigo) para provar que tem legitimidade para pedir esses dados. Se o banco negar, pode ser necessário um pedido judicial de “alvará para pesquisa de bens”.
Além da prova do bem, você precisará atualizar as certidões dos herdeiros (nascimento/casamento atualizadas) e do falecido (certidão de óbito).[8] O sistema exige que verifiquemos se o estado civil dos herdeiros mudou, pois isso afeta as assinaturas dos cônjuges na escritura de sobrepartilha.
O cálculo e o recolhimento do ITCMD complementar[1]
Aqui é onde dói no bolso. Sobre o bem descoberto incide o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação). A alíquota varia de estado para estado (geralmente entre 4% e 8%). Você não paga sobre o total da herança de novo, apenas sobre o valor de mercado desse novo bem.
O grande detalhe é a multa e os juros. Como o fato gerador do imposto foi a morte (que pode ter ocorrido anos atrás), o Estado vai cobrar o imposto retroativo. Prepare-se para pagar o valor principal corrigido monetariamente, mais juros de mora e, provavelmente, uma multa pelo atraso na declaração (falaremos mais disso no próximo tópico).
O preenchimento da declaração de ITCMD de sobrepartilha é feito no site da Secretaria da Fazenda do seu estado. É um formulário específico onde você vincula a declaração anterior e adiciona o item novo. Sem a guia paga e homologada pela Fazenda, nenhum cartório lavra a escritura e nenhum juiz dá a sentença.
A materialização do ato: escritura pública ou sentença
Com os documentos na mão e o imposto pago, chegamos ao grand finale. No cartório, o tabelião vai redigir a Escritura Pública de Sobrepartilha.[2][8] Todos os herdeiros e o advogado (sim, a presença de advogado é obrigatória por lei, mesmo no cartório) assinam o livro. Hoje em dia, isso pode ser feito até por videoconferência através do e-Notariado, sem ninguém sair de casa.
No judicial, o juiz emite o Formal de Sobrepartilha (ou uma carta de adjudicação se for herdeiro único). Esse documento tem a mesma força da escritura.
De posse da escritura ou do formal, o passo final é levar a registro. Se for imóvel, leva-se ao Registro de Imóveis.[2][3] Se for carro, ao DETRAN. Se for dinheiro, leva-se ao banco para o saque. Só com esse registro a propriedade é efetivamente transferida para o nome dos herdeiros. Guardar a escritura na gaveta não resolve o problema; tem que registrar!
O Impacto no Bolso: Tributação, Multas e Riscos Financeiros
A dolorosa multa sobre o ITCMD no atraso da declaração
Este é o ponto que os clientes menos gostam de ouvir. A maioria dos estados brasileiros estipula um prazo para a abertura do inventário (geralmente 60 dias após o óbito) para pagar o imposto sem multa. Quando fazemos uma sobrepartilha anos depois, o sistema da Fazenda entende que houve atraso.
A multa pode chegar a 20% do valor do imposto devido. Em alguns casos, se a demora for de muitos anos, os juros compostos podem fazer o valor da dívida fiscal quase dobrar. É fundamental que seu advogado faça um cálculo prévio para você não ser pego de surpresa.
Existe, contudo, uma tese de defesa administrativa. Se o bem era desconhecido (sobrepartilha por descoberta tardia), podemos argumentar que não houve má-fé nem negligência, pedindo a isenção da multa. Porém, a Secretaria da Fazenda costuma ser dura: para eles, é obrigação do herdeiro conhecer o patrimônio. Conseguir afastar essa multa geralmente exige briga judicial tributária, o que nem sempre compensa pelo valor.
Entendendo a decadência e a prescrição tributária na sobrepartilha
Há uma luz no fim do túnel para casos muito antigos. O Fisco tem 5 anos para lançar o imposto (decadência). A contagem desse prazo, na sobrepartilha, é polêmica. A regra geral é que o Fisco só pode cobrar se ele sabia da existência do bem. Se ninguém declarou, o prazo não corre.
Porém, se o bem estava registrado em cartório (público) e o Fisco não cobrou porque não quis, alguns tribunais entendem que, após 5 anos do óbito, o direito de cobrar o imposto caducou. É um terreno arenoso e perigoso.
Não conte com a prescrição como estratégia de planejamento. O risco de o Fisco cruzar dados (Receita Federal x Cartórios x Bancos) é alto. A recomendação segura é: descobriu o bem? Declare e pague o quanto antes para estancar a sangria dos juros.
A base de cálculo: valor da época do óbito ou valor atual?
Essa é uma dúvida técnica que faz diferença no bolso. O imposto deve ser calculado sobre o valor do bem na data do óbito ou na data da sobrepartilha? A resposta correta, juridicamente, é: a avaliação é feita na data da sobrepartilha, mas a alíquota e a lei aplicável são as da data do óbito.
Isso significa que se o imóvel valorizou muito, você pagará sobre o valor atual de mercado. O Estado não vai aceitar que você use o valor venal de 10 anos atrás. Eles atualizam a base de cálculo. Isso torna a sobrepartilha de imóveis antigos bastante onerosa. Por isso, a agilidade no inventário original é sempre a melhor forma de economia tributária.
Casos Espinhosos: Como Sobrepartilhar Bens Complexos
Saldos residuais de PIS/PASEP, FGTS e restituição de Imposto de Renda
Muitas vezes, a sobrepartilha não é de uma mansão, mas de “migalhas” que ficaram para trás. São saldos de R$ 5.000,00 de FGTS ou uma restituição de IR que caiu na malha fina e foi liberada anos depois.
Para esses valores menores, existe uma lei (Lei 6.858/80) que facilita muito a vida. Ela permite que esses saldos sejam levantados pelos dependentes habilitados no INSS sem necessidade de inventário ou sobrepartilha. Se não houver dependentes no INSS, aí sim, precisa da sobrepartilha.
Nesses casos de pequenos valores, a sobrepartilha extrajudicial pode ficar mais cara que o próprio dinheiro a receber (por causa das taxas mínimas do cartório). O advogado deve fazer essa conta.[7] Às vezes, compensa pedir um alvará judicial simples, dispensando a formalidade da sobrepartilha completa, alegando o baixo valor econômico e a natureza alimentar da verba.
O pesadelo dos imóveis sem registro (posse e contratos de gaveta)
Este é o rei dos problemas no Brasil. O pai comprou o terreno com um “contrato de gaveta”, nunca passou a escritura, e morreu. Como sobrepartilhar algo que, oficialmente, ainda está no nome do vendedor antigo?
Você não pode partilhar a propriedade (porque o pai não a tinha), mas pode partilhar os direitos possessórios e os direitos contratuais. Na escritura de sobrepartilha, descrevemos: “100% dos direitos aquisitivos sobre o imóvel tal…”.
Com essa sobrepartilha de direitos na mão, os herdeiros podem procurar o antigo vendedor para passar a escritura definitiva direto para eles, ou, se o vendedor sumiu, usar esse documento para entrar com uma ação de Usucapião. A sobrepartilha aqui serve como o “justo título” para provar a continuidade da posse. É uma solução técnica para um problema prático.
Ativos digitais, criptomoedas e direitos autorais esquecidos
Estamos vivendo a era da herança digital. E se você descobre que o falecido tinha Bitcoins numa wallet física (um pendrive)? Ou que ele recebia royalties de um livro ou música que voltaram a fazer sucesso?
Criptomoedas são bens como quaisquer outros e devem ser sobrepartilhados. O problema é a avaliação. Como não há um órgão central, a declaração depende da boa-fé dos herdeiros e da cotação do dia. A Fazenda Estadual já está de olho nisso e cruzando dados com a Receita Federal.
No caso de direitos autorais, a sobrepartilha é essencial para oficiar as editoras ou o ECAD (arrecadação de música) para que passem a pagar os herdeiros. Sem o formal de sobrepartilha, o dinheiro fica retido na instituição. São bens “invisíveis”, mas que podem garantir uma renda mensal vitalícia para a família, por isso, jamais devem ser ignorados.
Quadro Comparativo: Entenda as Diferenças
Para visualizar melhor onde a sobrepartilha se encaixa, preparei este quadro comparativo simples:
| Característica | Inventário/Partilha | Retificação de Partilha | Sobrepartilha |
| Objetivo | Dividir o patrimônio total conhecido no óbito.[3][5][8] | Corrigir erros materiais (digitação, dados) do inventário. | Dividir bens novos, ocultos ou litigiosos que ficaram de fora.[3][4][5][9] |
| Momento | Logo após o falecimento. | A qualquer momento que se note o erro. | Após o encerramento do inventário principal.[1][3][4][5][8][9][10][11] |
| Abrangência | Todo o acervo hereditário. | Apenas o item errado. | Apenas os bens descobertos/sonegados. |
| Custo | ITCMD sobre tudo + taxas totais. | Taxas cartorárias menores (averbação).[2] | ITCMD apenas sobre o novo bem + taxas proporcionais. |
| Risco | Multa se perder o prazo inicial (60 dias). | Baixo risco financeiro. | Multa sobre o imposto, juros e risco de perda do bem. |
A sobrepartilha não é um bicho de sete cabeças. Ela é a solução técnica para as imperfeições da vida. Se você descobriu um bem agora, não se desespere.[9] Procure um advogado especialista, junte a papelada e regularize.[2] Deixar o bem em nome de falecido é criar uma bola de neve de problemas para as próximas gerações (seus filhos e netos). Resolva agora, pague o que é devido e durma tranquilo com o patrimônio 100% regularizado em seu nome.
